Carta da 37ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa: “Libertar a terra é defender a vida”

37ª Romaria da Terra e das Águas
37ª Romaria da Terra e das Águas

Na manhã deste domingo, 06/07, foi encerrada a 37ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa com grande plenário reunindo romeiros e romeiras de várias regiões da Bahia e de outros Estados. Após três dias de celebrações e reflexões os participantes voltam às suas comunidades com o compromisso de continuar a luta por uma vida digna e com a terra libertada. Confira a seguir a Carta do Encontro. (CPT BA)

 Carta da 37ª Romaria da Terra e das Águas ao Bom Jesus da Lapa

“Libertar a terra é defender a vida”

“A igreja da Lapa foi feita de pedra e luz.”Assim cantam os romeiros e romeiras no Santuário do Bom Jesus da Lapa. Nós da 37ª Romaria da Terra e das Águas, cerca de 6.000 pessoas dos vários cantos da Bahia e também de Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro, tomamos deste canto popular tradicional a inspiração para comunicar às comunidades, às organizações populares e movimentos sociais, às igrejas, às autoridades e à sociedade brasileira, as pedras e as luzes que esta romaria identificou em nossa caminhada de fé e luta. Pedras de tropeço, dureza, peso, dificuldade, mas também firmeza, teimosia, resistência. Luzes que iluminam o chão da caminhada e também o horizonte da chegada, o fim do túnel, a alvorada do Reinado de Deus, que é Amor, Justiça e Paz em tudo e todos. Em cada momento de nossa romaria, da celebração de abertura à de envio, na via sacra de Cristo e do povo e do corpo do mundo, nos cinco plenarinhos temáticos, no ritual da penitência, no ofício de Nossa Senhora e no grande plenário conclusivo, perpassaram o desejo premente e o compromisso inadiável da terra livre e da vida em abundância.

Pedras. Multiplicam-se e se agravam os aprisionamentos e flagelos em que a terra e as gentes se debatem: desistência da reforma agrária e má vontade em reconhecer, demarcar e titular os territórios dos povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores, fundos e fechos de pasto), nos cerrados, caatingas e mata atlântica; tráfico de pessoas e trabalho escravo; exploração sexual de jovens e crianças; degradação do rio São Francisco e de outras bacias hidrográficas. São consequências de um modelo de vida, de economia, de política e de sociedade, que vende a ilusão de que é capaz de combinar velhas e novas formas de crescimento incessante com garantia dos direitos humanos e da natureza, altas taxas de lucro com mínima inclusão social, expansão da produção e dos mercados com redução do aquecimento global, bancada ruralista com agricultura familiar, alimentação saudável e respeito aos territórios dos povos e comunidades tradicionais. Um modelo em franca expansão através de empreendimentos favorecidos pelo Estado, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, o Porto-Sul, o Pólo Naval na Baía de Todos os Santos, a Transposição do Rio São Francisco e outros, a serviço do agro e hidronegócio, das mineradoras, dos parques eólicos, das imobiliárias. No mesmo sentido, vão os instrumentos jurídicos levados no Congresso Nacional, como Propostas de Emendas Constitucionais, Projetos de Leis e Portarias Ministeriais que tentam suprimir direitos duramente conquistados, em nome do crescimento e da exportação sem limites.

Luzes. São iluminados e iluminadores os que não se rendem e persistem na luta pela terra e pelos territórios, os movimentos e organizações sociais que não se atrelam a governos e empresas, as Comunidades Eclesiais de Base que insistem em juntar “fé e política, justiça e profecia a serviço da vida”, a infância protegida, a juventude do campo e da cidade que não se deixa seduzir pela banalidade da vida atual e os que defendem as águas e todos os bens da terra. Disse a romeira Dona Sônia, “o que a gente quer ainda não está inteiro, mas não abrimos mão da metade”. Continuamos a sonhar com o mundo liberto e a vida plena os que buscam uma educação contextualizada, a valorização do saber popular e ancestral e o diálogo e a unidade na luta dos vários movimentos e organizações do campo e da cidade.

“Não deixem a profecia morrer”, nos pedia Dom Hélder e nos repetia Dom Tomás Balduíno, falecido recentemente. Animados e animadas pelo testemunho deles e tantos companheiros e companheiras fiéis lembrados nesta romaria, lutamos para reverter este processo de destruição do planeta e das vidas nele existentes, na construção de uma outra sociedade baseada em relações igualitárias, descentralização do poder e profundo respeito à natureza. Nenhum progresso é justo e desejável se o bem-estar de uns requer a exploração e a miséria de outros. LIBERTAR A TERRA É DEFENDER A VIDA!

Bom Jesus da Lapa, 06 de julho de 2014

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