Larissa Saud, em MXVPS
Dezenas de indígenas da etnia munduruku, entre crianças, guerreiros, guerreiras e professores, estão há dois dias fazendo manifestações em Jacareacanga. Os indígenas querem o retorno às aulas de 70 professores munduruku, que este ano não tiveram o contrato renovado com a Prefeitura de Jacareacanga.
Os munduruku saíram das aldeias desde domingo e na manhã da última segunda (5), com cartazes, pintados para guerra e ao canto de músicas tradicionais, caminharam pelas ruas do município em direção à Câmara Municipal e Secretaria Municipal de Educação Cultura e Desporto (SEMECD).
“Essa é nossa luta”, disse uma das lideranças durante a chegada do grupo à Secretaria. “Será que vocês não sabem da legislação? Não sabem que isso que vocês estão fazendo é contra a Lei? Queremos essa resposta agora. Queremos inverter esse quadro agora”, prosseguiu.
Eles acusam a Prefeitura de demitir de forma arbitrária 70 professores munduruku. A demissão, feita por rádio em fevereiro deste ano, foi denunciada ao Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e à Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
O Secretário da SEMECD, Pedro Lúcio Santa Rosa da Luz, diz que o que ocorreu foi a “não renovação dos contratos”, o que para os indígenas é indiferente, “Para nós, não renovação e demissão é a mesma coisa. A gente não está dando aula do mesmo jeito”, contrapôs um professor indígena.
A manifestação contou com várias falas na língua dos indígenas e aconteceu de forma pacífica. No final da manifestação Pedro Lúcio da Luz afirmou que os munduruku não causavam mais medo nas pessoas da cidade, o que resultou em indignação em alguns indígenas. Eles partiram para cima do Secretário com arcos e flechas em mãos. O Secretário de Assuntos Indígenas, Ivânio Alencar, informou que durante a confusão um funcionário da SEMECD teria sofrido um ferimento na barriga e fora encaminhado ao Hospital Municipal de Jacareacanga. Até o final da tarde nenhuma pessoa com as características do ferimento deu entrada no Hospital da cidade.
Na manhã de ontem (6) os munduruku se reuniram com vereadores e foi tirada uma comissão para ir até Santarém na próxima sexta (9) dialogar com o Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal(MPF) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI) sobre a situação. “Se o MPT e o MPF concordarem e a FUNAI der um prazo escrito para a formação dos professores. A gente vai tentar recontratar”, garantiu aos indígenas Ivânio Alencar.
Desentendimento
O Secretário da SEMECD, Pedro Lúcio da Luz, afirma que a decisão da demissão se ampara na Lei de Diretrizes de Base de 1996 e na Lei Municipal 328/2010, criada em 15 de dezembro de 2010: “A LDB determinou que só poderia trabalhar na educação quem tivesse graduação superior. Seguimos a LDB. Demos um prazo de quatro anos para os professores se formarem, mas isso não aconteceu”.
Da Luz diz que a FUNAI é a principal responsável pela não renovação dos contratos com a prefeitura. A Fundação coordena o projeto Ibaorebu, que iria formar cerca de 300 munduruku em magistério, agroecologia e enfermagem. A FUNAI não teria ofertado as disciplinas dentro do prazo, o que atrasou a formação dos professores.
O advogado indigenista Sérgio Martins aponta duas irregularidades na decisão da SEMECD. A lei municipal que garante os contratos temporários com professores indígenas sem nível superior iria terminar no final deste ano. Apesar disso, ainda em fevereiro, a Prefeitura não renovou os contratos com os professores munduruku. Outra questão apontada pelo advogado é que o artigo da LDB no qual a Prefeitura se ampara é direcionada a professores não-indígenas. Ele diz que a formação de professores das escolas indígenas é específica, e irá orientar-se pelas diretrizes nacionais da educação garantida na resolução número 03 do Conselho Nacional de Educação. Vale ressaltar o artigo 6º da resolução: “Será garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização”.
Quando questionado sobre a educação indígena diferenciada, Pedro Lúcio afirmou apenas que “a Prefeitura não faz educação indígena, ela faz educação para indígenas”.
Segundo André Ramos, coordenador do projeto Ibaorebu, a decisão da Prefeitura é política: “Nem para não-índio pensa-se que educação é apenas título. Manter a contração dos professores não está infringindo a legislação. Pelo contrário, demitindo é que está”.