Criado em 1972, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) é um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. No ano passado, a Rel-UITA e o CIMI decidiram articular ações de denúncia e de sensibilização internacional sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. Dialogamos recentemente em Brasília com Cleber César Buzatto, secretário executivo do Conselho, para entender quais são os principais motivos da violência exercida contra estes povos
Entrevista a Gerardo Iglesias, em Rel-UITA
-Qual é a situação dos povos indígenas no Brasil?
-No Brasil vivemos um momento de extrema apreensão e de preocupação com relação aos direitos e à sobrevivência dos povos indígenas, consciência esta gerada graças à mobilização organizada pelos próprios indígenas.
– Você considera que o principal combustível para esta violência é a impunidade?
-Sem dúvida, a questão da impunidade é central porque alimenta e retroalimenta a violência contra os povos.
O motivo real do ataque aos direitos constitucionais é o modelo de desenvolvimento adotado pelo governo brasileiro, que prioriza a produção e a exportação de commodities, o que potencializa a disputa pelo território, pela terra, pelo espaço para a sua produção.
-Exato. Esse modelo de produção avança por ter ganhado força e por estar focalizado na produção de commodities, na monocultura, destruindo a pequena agricultura camponesa e a produção de alimentos.
Neste cenário de grandes interesses econômicos, os povos indígenas também sofrem o abuso de um modelo produtivo que se impõe combinando políticas públicas e ações extremadamente violentas.
O extermínio de seus habitantes
-Indígenas expulsos de suas florestas…
-Quando os povos indígenas são atacados, também é atacada a floresta, e vice-versa. A bancada ruralista – que representa os interesses dos grandes proprietários de terras – promoveu mudanças dramáticas no Código Florestal, mesmo indo contra 96% da opinião pública do Brasil.
A partir desse momento, exacerbou-se o ataque aos povos indígenas e aos povos quilombolas, vistos pelos “ruralistas” como obstáculos para o acesso, posse e exploração de novas terras para o desenvolvimento do agronegócio.
-Esta situação de perseguição vivida pelos povos indígenas adquiriu uma maior visibilidade em 2013, por meio de múltiplas ações de denúncia e de sensibilização realizadas fundamentalmente em Brasília.
-Observa-se que os povos indígenas conseguiram aumentar a consciência coletiva da sociedade com relação a esta questão, graças às suas mobilizações permanentes na defesa de seus direitos. Também se pronunciaram politicamente contra as posições desenvolvimentistas da bancada ruralista, já instaladas no próprio seio do Poder Executivo.
-Quantos indígenas existem atualmente no Brasil?
-Segundo o último censo do IBGE, de 2010, são 896 mil indivíduos em 305 povos distintos, espalhados por todas as regiões do país e possuidores de uns 274 idiomas. O Brasil é o país com o maior número de povos indígenas do mundo. A Bolívia possui o maior número de indivíduos indígenas, mas em apenas dez povos.
-A Dilma só recebeu os indígenas em uma ocasião, no momento das enormes mobilizações urbanas, ocorridas em junho e julho do ano passado, quando ela abriu sua agenda para os movimentos sociais, sindicatos, movimentos sem-terra e líderes dos povos indígenas.
-Seria simplista resumir que a máquina repressora é o vínculo mais frequente entre o Estado e os povos indígenas?
-Infelizmente é assim. Como casos emblemáticos, temos o povo Munduruku, que sofreu um ataque no dia 7 de novembro de 2012 por parte da Polícia Federal, com poder de fogo muito forte, na Aldeia Teles Pires, Pará, divisa com o Mato Grosso. Nessa ocasião morreu um integrante desse povo.
No primeiro caso as forças policiais atuaram em defesa de uma política desenvolvimentista, e no segundo caso como repressão na recuperação das terras pelo povo indígena. É importante esclarecer que o povo Terena ocupou suas terras tradicionais, por estarem cansados de esperar pela definição do processo de demarcação das terras, que já dura quase 20 anos.
O que precisamos não é do braço armado do Estado, mas de sua mão protetora. Entretanto, lamentavelmente, o que vemos do Estado é a sua força bruta.
-Porque uma vaca ocupa mais espaço por hectare que um índio, e são milhões de vacas só no Mato Grosso do Sul. Para os ruralistas, a vaca “deles” vale mais do que a vida dos indígenas.
-Temos forte convicção de que os povos indígenas vão intensificar esta luta. Na ditadura militar foi possível desarticular e vencer o “projeto integracionista” segundo o qual em 2000 já não haveria mais povos indígenas no Brasil.
Agora os povos indígenas estão organizados e lutam. Naqueles anos da ditadura eram 250 mil índios e eles conseguiram acabar com essa política integracionista abolindo-a da Constituição de 1988, conquistando seus direitos e o reconhecimento do Estado aos usos, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como o direito às suas terras.