Por Helen Santa Rosa, do Caa-Caanm, em Asa Brasil
Do Maranhão a Minas Gerais, de uma ponta a outra do semiárido, agricultoras e agricultores guardam sementes herdadas de seus avós e pais. Sementes da Paixão, da Fartura, da Resistência, da Vida, da Liberdade, Crioulas, da Gente. Sãos nomes que recebem as sementes nativas, conservadas pelas guardiãs e guardiões da biodiversidade. Elas e eles se encontram no 3º Encontro Nacional de Agricultores e Agricultoras que termina hoje (31) em Campina Grande, Paraíba.
As sementes são batizadas com nomes que expressam o sentido delas para a vida dos povos do semiárido. No estado do Sergipe recebe o nome de Semente da Liberdade. Seu Carlos Soares, conhecido por Carlinhos, guardião de sementes diz que ela recebeu este nome por ser sinal de libertação. “ Antes eu era escravo e não sabia. Eu só plantava quando as pessoas doavam, quando chegava a semente do governo. Hoje eu planto porque eu tenho”, relata. Também no Piauí, agricultores e agricultoras conservam sementes resistentes e dão a elas o nome de Semente da Fartura. “O pouco que a gente planta desbanda sempre mais e dá com fartura ”, relata a guardiã Maria Alves Pereira.
Dona Célia de Jesus reside em um assentamento no estado de Alagoas e conta que guarda muitas variedades de milho e feijão e diz com orgulho, que conserva as sementes de hortaliças que cultiva em seu quintal. As Sementes da Resistência como são chamadas no estado recebem este título por terem permanecido ao longo dos anos, mesmo com pouca chuva. “ Ela é resistente porque espera pela chuva. A gente planta num período, se faltar a chuva, mesmo assim ela dá”.
A conservação das sementes nativas acontece de forma diferente em cada lugar. Na roça, dentro de casa, em bancos ou casas de sementes familiares ou comunitárias as sementes são separadas por variedades, identificadas e conservadas. Na Chapada do Apodi, Rio Grande do Norte, território onde mais de 1200 famílias disputam o direito a terra com o agronegócio, a guardiã Francisca Carvalho coloca que existe um Banco de Sementes no Sindicato dos trabalhadores Rurais. ”Nós também guardamos sementes de árvores nativas com a sabiá e a aroeira. São sementes fundamentais tanto para o ser humano como para os animais. Uma boa florada é o que faz a abelha dar o mel”.
No Maranhão, as quebradeiras de coco são agricultoras e extrativistas, conservam os babaçuais e as sementes, principalmente as de arroz e de macaxeira. Para conservar as manivas, dona Lúcia Borges faz um cesto com as folhas do babaçu, cava um buraco onde coloca para conservar. “Semente significa esperança de sempre ter uma boa alimentação, que garante a saúde”.
Delmiro Soares da Bahia, diz que a semente crioula nunca chega ao final. Cuidando dela todo ano tem. No resgate das sementes tem envolvido os filhos na construção do seu Banco de Sementes Familiar. “ Eu planto 6 tipos diferentes de feijão e cada um dá em um tempo diferente e serve para um tipo de cozido”, explica.
Maria de Jesus do Ceará relata que estão ampliando o trabalho de conservação das Sementes da Vida. Ela denuncia que com o avanço do agronegócio e os incentivos dos governos que começaram a fazer distribuição indiscriminada de sementes modificadas e transgênicas para os agricultores, as variedades tradicionais foram se perdendo. “ O agronegócio e o governo invadiram a nossa área e isso desestimulou os agricultores a conservarem as sementes adaptadas aos seus territórios”, denuncia.
Para Ivan Monteiro, jovem guardião das sementes crioulas no Estado do Pernambuco a semente faz parte da raiz do agricultor familiar. “É o nosso lugar, significa a esperança no campo para o agricultor. Germina bem, produz bem, é resistente ao nosso clima e nos dá o bom alimento”.
Em Minas Gerais os guardiões também seguem essa missão, conservando principalmente através das casas de sementes. “São sementes que há muito tempo vêm sendo guardadas e melhoradas por nossos pais e avós e a gente continua isso hoje. Por isso chamamos ela de Semente da Gente”, afirma Geraldo Gomes, guardião da agrobiodiversidade.
Os guardiões e guardiãs – A tradição e o amor a toda forma de vida é o que estimula os guardiões e guardiãs a cumprirem este papel. As Sementes da Paixão, nome que os paraibanos dão a suas sementes crioulas, recebeu este nome motivada por este sentimento. São pessoas que tem apego pela semente que é boa e de qualidade. “A palavra guardião vem de guardar e a gente faz isso com o maior carinho para ela não acabar. Semente para todos é vida. Porque todos nós somos sementes”, relata emocionado seu Pedro de Santana, guardião e poeta da Paraíba. “Eu sou guardião de uma semente, a Fava Orelha de Vó e acho que se tirar essa semente, leva um pedaço de mim. Porque quando eu era criança a minha avó já tinha aquela fava que dizia ter pegado da avó dela. É como se fosse uma pessoa da família, faz parte da vivência nossa”.
Geraldo Gomes conserva mais de 150 variedades de sementes e diz que ser guardião é um dom de Deus. “A gente continua fazendo o melhoramento das sementes como faziam os nossos pais e avós e vai levando o conhecimento que a gente tem para outras pessoas. Ser guardião é valorizar a vida das sementes, valorizar a nossa vida” .