Por Carlos Minuano, especial para Rede Brasil Atual
São Paulo – Para a cientista social Daniela Alarcon, vive-se no Brasil uma conjuntura extremamente desfavorável aos povos indígenas, às comunidades tradicionais e aos camponeses. “Setores como o agronegócio ganharam muito espaço no governo Dilma”, diz. Segundo ela, essa é uma das principais razões da não conclusão do processo demarcatório das terras indígenas no sul da Bahia, assim como de outras áreas e da secular não realização da reforma agrária.
Ela se debruça sobre o tema desde 2010, esteve em pesquisa de campo durante quatro meses em 2012, e conta que conheceu todas as áreas retomadas na Serra do Padeiro, entre outras terras indígenas sob litígio. Em março de 2013, Daniela Alarcon concluiu pesquisa de mestrado pela UnB (Universidade de Brasília) sobre as retomadas de terras entre os tupinambás. E alerta: “Vivemos hoje o maior ataque aos direitos indígenas desde a promulgação da constituição de 1988″.
A pesquisadora afirma que há favorecimento do agronegócio por trás da demarcação das terras indígenas no sul da Bahia. “Há indícios disso”, aponta. “O governo Jaques Wagner (PT-BA), por exemplo, tem se apresentado como um interlocutor constante, e muitas vezes, o que é bizarro, como porta-voz da elite regional do sul da Bahia. Está evidente a opção pelo agronegócio, pelo setor hoteleiro, em detrimento dos direitos indígenas.”
Em reportagem recente da Agência Brasil, Wagner argumenta que seu governo se preocupa com pequenos agricultores. “Não se trata de grandes latifundiários, mas várias famílias que estão na terra há até 80 anos, plantando e sobrevivendo, e essas famílias muitas vezes não têm para onde ir”, afirmou. Confira a seguir trechos da entrevista que Daniela Alarcon concedeu à Revista do Brasil, para reportagem sobre o tema que estará na edição de outubro,
Você aborda esse suposto movimento anti-indígena em sua pesquisa?
Sim, chamo de “frente contra a demarcação”, os indígenas e outros setores defendem fortemente a necessidade de pagar o quanto antes as indenizações aos ocupantes não-índios que têm direito, isso distenderia imensamente o conflito. E o governo Wagner “opina” contra e aponta para a judicialização do processo.
Mas então a preocupação do governo com os pequenos agricultores não é legítima?
Claro que há os pequenos, e por isto este caso é tão complicado, mas há grandes, há netos e bisnetos de coronéis de cacau. Mas estão tentando caracterizar, por isso, a demarcação como um “trauma”, e não como o reconhecimento de um direito originário, previsto na Constituição, como uma oportunidade de fazer justiça histórica.
Essa lentidão na conclusão da demarcação é ilegal, afinal, os prazos já expiraram?
Sim, o processo de demarcação de Terras Indígenas é regulamentado pelo decreto 1.775/96, e é bastante claro quando estabelece prazos máximos para cada uma das etapas do processo, do começo ao fim. Então tem lá: x dias para que o grupo de trabalho elabore o relatório, x dias para que a funai faça isso, x dias para que o MJ faça aquilo. Mas a Funai, o MJ, a Presidência da República desrespeitam sistematicamente esses prazos. É gritante: o decreto fala lá em 30, 60 dias para determinadas etapas, que acabam se estendendo por anos. O MPF propôs uma ação civil pública responsabilizando o estado pela omissão e abusiva demora.
Você acredita que essa lentidão pode ter alguma relação com a PEC 215?
Certamente. Essa é a leitura que fazemos. uma série de medidas administrativas e propostas legislativas buscam retroceder, retirando direitos constitucionalmente garantidos, sobretudo, o direito ao território, a PEC 215 vai nessa direção. Nesse quadro, recentemente, o governo federal determinou a paralisação de processos de demarcação de TIs em curso. Isso infelizmente nos leva a crer que, se o governo não age para garantir os direitos indígenas hoje, é por que aguarda que se consumam essas alterações, que tornariam muito mais difícil, talvez impossível, a demarcação. Esse pedido foi feito pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.
Quais os argumentos apresentados por ela?
Ela utiliza os típicos argumentos da bancada ruralista, alega que o procedimento demarcatório é “falho”, que a Funai age “interessadamente” (seja lá o que for isso), que é preciso pensar no “desenvolvimento”, que é preciso ouvir todos os “interessados”, envolvendo a Embrapa, o Ministério da Agricultura.
E as ações chamadas de retomada dos índios também não são ilegais?
As retomadas de terras costumam ser qualificadas pelos setores anti-indígenas como ações ilegais e ilegítimas, como “invasões”. Na verdade, elas são a principal forma de ação política desenvolvida contemporaneamente pelos tupinambás. São condição essencial para a construção, pelos indígenas, de projetos de vida autônoma. Retomando fazendas, eles tornaram-se capazes de deixar as posições de subordinação que ocupavam na sociedade regional (inclusive desempenhando trabalho escravo, em alguns casos) e de voltar a se dedicar às atividades que desenvolviam tradicionalmente, como agricultura em pequena escala, criação de animais, caça, pesca e coleta. Entendo que tal processo permite, ainda, a manutenção e o fortalecimento de sua identidade e de seus laços sociais e territoriais.