Carta da Rel-UITA à presidenta Dilma Rousseff

Diante de um novo surto de viologo_rel-120lência contra camponeses e sindicalistas

Regional Latino-Americana
União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação,
Agrícolas, Hoteis, Restaurantes, Tabaco e Afins (Rel-UITA)

Excelentíssima Senhora
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília – DF
 
Ref.: Violência contra líderes e trabalhadores/as rurais
 
Excelentíssima Presidenta,
 
Com indignação recebemos de nossa filiada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a triste notícia dos assassinatos de Josias Paulino de Castro e sua esposa Ireni da Silva Castro, ocorridos no sábado passado, dia 16 de agosto, no município de Colniza, estado de Mato Grosso.
 
Este duplo homicídio se soma ao perpetrado há apenas três dias, em 13 de agosto, na mesma região, contra Maria Lúcia do Nascimento, assentada e ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da União do Sul. Sobre esse assassinato também já nos dirigimos à Vossa Excelência à época.

 
Trata-se dos assassinatos de três valiosas vidas de um povo que luta e que defende os seus direitos, de três admiráveis vidas sacrificadas no altar do agronegócio, do latifúndio, da impunidade, da corrupção e da hipocrisia. Estes três companheiros foram ceifados pelas mesmas mãos dos homicidas que confiscaram o futuro da terra no Brasil.
 
Josias era presidente da Associação de Produtores de Nova União (ASPRONU), e foi condenado à morte e executado não só por lutar em favor da legalização das terras do Projeto Filinto Müller, mas também por ter denunciado os latifundiários da região que estão obtendo títulos de propriedade de terra concedidos por funcionários corruptos, bem como os madeireiros ladrões que se apropriam da riqueza social e, finalmente, por ter deixado em evidência os burocratas, os policiais e os juízes que se renderam ao poder do dinheiro, garantindo a impunidade desses criminosos.
 
O próprio Josias havia alertado há poucos dias que pistoleiros perigosos rondavam a região, chegando até a perguntar publicamente para as autoridades federais: “Será preciso que eu morra assassinado para que vocês acreditem em mim?”.
 
Ireni morreu simplesmente por ter sido testemunha do assassinato de seu esposo, cujos autores quis, valentemente, fotografar. Destroçada por um tiro, sua câmera ainda estava em sua mão, quando os corpos foram achados.
 
No lugar foram encontradas cápsulas de balas calibre 9mm, um tipo de arma no Brasil reservada exclusivamente para uso militar. Porém, tudo é possível para estes assassinos que representam a essência mais desprezível, essa que os motiva a matar e a mandar matar para obterem mais  e mais e mais dinheiro.
 
Maria Lúcia liderava os trabalhadores sem terra de União do Sul e tinha sido presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais local. Junto a outras 25 famílias, ela também estava legalmente assentada nas terras reclamadas pelo fazendeiro Gilberto Miranda, homem que ela mesma havia denunciado à Polícia por diversas vezes.  
 
Maria Lúcia não se rendia. Ela era como disse o poeta: “Uma força que nos alerta / Uma mulher que merece / viver e amar / como outra qualquer do planeta”. Mas, a nossa Maria, que tinha “força e raça” para lutar, perdeu a vida e o amor, ceifada pelo maquinário crescente e avassalador da Violência Rural do Brasil”.
 
Excelentíssima Presidenta: esta violência premeditada, protegida e até promovida pelos mais altos escalões do Brasil, contando com cúmplices e sócios no Congresso Nacional, na Assembleia estadual, nas Polícias Federal e estadual, em órgãos da agricultura e na Justiça, deve terminar.
 
Para conseguirmos isto, unimo-nos à visão de nossa filiada CONTAG e de outras numerosas organizações sociais do Brasil exigindo uma verdadeira e integral reforma agrária, como único caminho para levar a paz ao meio rural do Brasil.
 
Enquanto isto não for alcançado é imperiosa a adoção de medidas exemplares contra os funcionários que vendem sua consciência a quem der o melhor lance, utilizando as faculdades conferidas pelo Estado para pavimentar o caminho até este inferno. Eles deveriam ser investigados junto com os mandantes e executores dos assassinatos políticos que ainda ocorrem impunemente no Brasil.
 
Claro, trata-se “apenas” de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Certamente, outra seria a preocupação midiática e política se quem tivesse levado os tiros fosse algum “sublime personagem” da “nobreza” rural brasileira.
 
Reclamamos justiça, é claro, e uma investigação profissional e diligente, bem como respeito para quem, como Vossa Excelência em outras épocas, enfrenta esta “fera anacrônica” na primeira linha de batalha, sem mais armas que as suas palavras, sem outra armadura que a sua própria pele.
 
Acompanharemos de perto o desenrolar deste novo surto de violência no campo, bem como as investigações e o processo contra os assassinos de Josias, Ireni e Maria Lúcia.
 
Vossa Excelência não tenha dúvidas de que colocaremos todo o peso de nossas 383 organizações filiadas em todo o mundo para apoiar ativamente todos e todas que agirem visando eliminar para sempre este flagelo.
 
Sem mais no momento, manifesto a Vossa Excelência meus protestos de elevada estima e distinta consideração,
 
Gerardo Iglesias
Secretário Regional UITA
 
Montevidéu, 27 de agosto de 2014
 
 
C/c Jair Krischke (MJDH); CONTAG; Gerónimo Venegas (GPTA),
      Anistia Internacional, CUT e CTB

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