Além dos massacres perpetrados há anos por madeireiros e narcotraficantes do lado peruano, os povos indígenas isolados que vivem na fronteira do Acre com o Peru correm risco de extermínio por falta de estrutura e despreparo da Fundação Nacional do Índio (Funai) do lado brasileiro
Altino Machado – Terra
A Frente de Proteção Etnoambiental Envira foi invadida há três anos por narcotraficantes peruanos, os funcionários da Funai fugiram e a base só foi reaberta no mês passado, quando os índios isolados tomaram a iniciativa de estabelecer os primeiros contatos. O antropólogo Terri Aquino, da Funai, que há 39 anos atua na região, disse que autarquia não está preparada para estabelecer contato com povos indígenas isolados porque desde 1987 adotou como política o não contato.
– Os índios isolados estão em busca de proteção e de acesso à tecnologia, ou seja, machado, pólvora, terçado, panela. Chegou a hora do estado brasileiro ser generoso. Do contrário, nesta fase do contato, os isolados podem se revoltar e acontecer um massacre envolvendo a jovem equipe de indigenistas da Funai que pouco conhece a floresta – alertou.
De acordo com o sertanista José Carlos Meirelles, que viveu durante mais de 20 anos na FPE Envira e atualmente trabalha na Assessoria Indígena do governo do Acre, o grupo de índios isolados que buscou contato com a Funai está sendo pressionado por madeireiros e narcotraficantes que atuam no Parque Nacional do Purus, no Peru.
Meirelles relatou que os índios deixaram claro que estão sendo mortos a tiros de espingarda e que tocaram fogo em suas casas.
– São todos jovens e a impressão que passa é que esse povo quer se chegar a alguém que não mate eles. Estão pedindo para a gente a nossa obrigação funcional. Esse pessoal está pedindo à Funai o que o estado brasileiro tem dever de fazer. Eles nem precisariam estar pedindo, pois é obrigação nossa.
O sertanista considera a situação complicada e defende que a FPE Envira receba apoio real para que possa proteger os índios isolados.
– Se não derem estrutura para que as pessoas segurem o que vem por aí, infelizmente nós vamos repetir a história e seremos co-responsáveis pelo extermínio desse povo. Se a gente não fizer nada agora, se o estado brasileiro não se movimentar e realmente entender que essas pessoas merecem viver, que o estado brasileiro diga que vai deixá-los morrer. Não dá mais para contemporizar. Ou faz, dando estrutura, ou o estado brasileiro diz: tudo bem, mais um genocídio no meu currículo.
Terri Aquino revelou que já existe um clima de insatisfação envolvendo o grupo de oito índios isolados que se estabeleceu desde o domingo (27) na FPE.
– Os isolados querem terçados, munição, armas, panelas, roupas. A Funai não tem nada para oferecer e isso já forçou o recuo do pessoal do pessoal da base da FPE para a Aldeia Simpatia. Os conflitos surgem em bases de contato quando os índios chegam e não encontram nada. No entendimento do antropólogo, a Funai precisa cuidar de um nova terra para os índios isolados e indenizar as benfeitorias das famílias dos índios do entorno saqueadas pelos isolados. Foram mais de 70 casos de saques nos últimos 30 anos, sendo a maioria no período de 2006 a 2013.
– As famílias nunca foram indenizadas. Os ashaninka, por exemplo, receberam os índios isolados e não tiveram nenhuma reação agressiva. Perderam tudo o que tinham. A Funai, sem cogitar indenizar essas famílias, cria um ambiente desfavorável no entorno. Isso pode criar uma reação agressiva.
Terri Aquino acha imprescindível a presença da Força Nacional de Saúde para prestar assistência e imunização contra doenças que os índios isolados não tem resistência.
– É preciso atender da mesma maneira os índios do entorno, que estão totalmente desassistidos. Eu mesmo presenciei recentemente, na Aldeia Simpatia, criança morrendo de diarréia. A Funai não vai segurar os isolados na base sem que não tenha nada para oferecer. Não tem comida, nada. A Funai pode ser responsável até pela morte de seus funcionários.
O geógrafo Carlos Travassos, chefe da Coordenação-geral de Índios Isolados da Funai, informou que opera com apenas R$ 2,3 milhões no orçamento, sendo que 30% estão contingenciados. Recentemente, no Acre, o indigenista Guilherme Siviero, tirou do próprio bolso R$ 800 para comprar um canoa necessária para o trabalho da equipe envolvida na proteção dos isolados.
– A previsão é de que no próximo ano haja redução orçamentária. É assim que atuamos na proteção de 27 grupos de índios isolados confirmados, monitorando 31 milhões de hectares de terras indígenas na Amazônia Legal, onde são mantidas 12 frentes de proteção etnoambietnal – afirma Travasssos, que trabalha na Funai há sete anos, tendo atuado nas frentes de proteção etnoambiental do Javari e Médio Purus.
O coordenação-geral de Índios Isolados da Funai disse que é crescente a dificuldade orçamentária e de recursos humanos. Planeja, faz uma série de diagnósticos, busca criar planos de contingência para situação de contato, mas surgem vários cortes orçamentários, além do recrudescimento sobre a obrigações do estado brasileiro em reconhecer terras indígenas onde há a presença de índios isolados.
– Nosso orçamento, por mais que tenhamos mostrado e comprovado a necessidade de se aumentar, o que temos visto é a diminuição. Os compromissos estabelecidos na área de saúde não vem sendo cumpridos. As populações indígenas no entorno dos povos isolados talvez tenham a pior atenção na área de saúde.
Segundo Travassos, a base do Xinane, que foi fechada por causa da presença de narcotraficantes vindos do Peru, contou com reações esporádicas da Polícia Federal, sempre com muito sacrifício.
– O que temos ouvido é que é uma presença inócua de narcotraficantes e que isso não é prioridade para as autoridades policiais. Acho isso um absurdo. Acho que quando se tem uma população de povos isolados e povos contatados, à mercê de bandidos, que trabalham ilegalmente com o uso da força, da espoliação de território e de genocídios, isso deveria ser levado a sério dentro de uma política nacional e internacional encabeçada pelo Brasil. Travassos assinala o fato de que os índios isolados que procuraram estabelecer contato é muito jovem.
– Hoje, a situação que temos é ver esse jovens, que sobreviveram a alguns massacres. Talvez seja a última vez que estejamos vendo esses meninos, que amanhã podem estar mortos, seja por doenças ou tiros de espingarda. Faço um apelo ao alto escalão do governo, principalmente o Ministério do Planejamento, que tem ignorado nossos projetos e nossas solicitações de medidas orçamentárias. Faço um apelo às forças federais de segurança pública para que possam nos dar apoio na região. Temos que ter capacitação para enfrentar grandes criminosos que vem do outro lado com grande poder de fogo. Dispomos de todas as informações do que é necessário para se realizar um trabalho melhor. Isso já foi repassado ao governo e eu gostaria que isso fosse tratado seriamente. Muitas vezes essa questão dos índios isolados, a informação que levamos, não são levadas a sério. Os servidores da Funai se sacrificam para proteger esses povos, mas o governo precisa dar apoio para que se possa realmente fazer um trabalho humanitário, correto e republicano, para que populações inteiras [não] sejam exterminadas.