Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Curiosíssimo país o nosso! Com o título “Cheia de dívidas, usina de Dourados é negociada com grupo dos Emirados Árabes”, o portal Dourado News publicou no final da tarde de ontem uma interessante matéria, escrita por Rodrigo Bossolani. É curta, objetiva e precisa. Tanto, que vale republicar seu texto:
Um grupo econômico de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos comprou parte da Usina São Fernando Açúcar e Álcool, instalada em Dourados. O valor investido, segundo matéria publicada no jornal Correio do Estado desta segunda-feira (28), seria de R$ 2 bilhões por 49%. O principal motivo seria financeiro.
Sem dinheiro para quitar as dívidas que somavam em torno de R$1,2 bilhão, os filhos de José Carlos Bumlai, que assumiram a empresa, socorreram-se na Lei da Recuperação Judicial, medida que protege o empresário enrascado, dando-lhe tempo que dura anos para que ele pague a divida.
A compra dos investidores árabes, que salva a pátria financeira da usina, em curto prazo, foi conduzida de maneira confidencial, por fontes ligadas à cúpula da Prefeitura de Dourados, que acompanhou de perto a venda de parte dos ativos da usina São Fernando.
Ainda segundo o jornal, o caso ocorreu há 45 dias. Os diretores da usina não comentaram o assunto. (Dourado News)
Considerando que temos um super banco que um dia ganhou um “s” de “social” e atualmente faz estragos sociais até mesmo fora de nossas fronteiras (e estou falando do BNDES, se alguém tem dúvida); onde estados e municípios defendem com força policial armada com se fosse para a guerra terrenos e imóveis cujos donos devem algumas vezes seus valores em impostos; e onde somos responsáveis por pagar as contas da energia gasta por indústrias eletrointensivas poluentes etc, para não alongarmos mais o parágrafo, não é se estranhar que (mais uma?) usina tenha se amparado na Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101, de 09/02/2005).
Também (deveria, mas) não é de estranhar que uma empresa falimentar tenha sua venda para o tal grupo de Dubai “conduzida de maneira confidencial” pela Prefeitura de Dourados. Afinal, o acompanhamento “de perto” deve ter sido para garantir que todos os impostos que com certeza deveriam estar em débito com o município fossem pagos até o último ‘real’ (sem trocadilhos). Vai ver, aliás, a ‘confidencialidade’ de 45 dias teve exatamente esse objetivo: garantir que as dívidas com os munícipes fossem acertadas, antes que outros credores se atirassem sobre os R$ 2 bilhões…
Agora, o que efetivamente não consigo entender é como podem vender a um grupo dos Emirados Árabes uma empresa que além de tudo está construída numa área reivindicada como Território Indígena, Apyka’i, pelo qual seres humanos já morreram e afirmam ainda estar dispostos a morrer, se necessário? Num terreno onde existe um cemitério indígena, ao redor do qual a Cacique Damiana e seus parentes atualmente vivem, depois de anos e anos do outro lado da cerca, sendo atropelados à beira da estrada? Como podem permitir que terra indígena em disputa seja vendida hoje, em 2014, sem que a Funai, o Ministério Público Federal e a 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República se pronunciem?
E de repente me vem à cabeça uma coincidência: no dia 12 de junho de 2014, a Juíza Adriana Freisleben de Zanetti, da 1ª Vara Federal de Dourado, mandou intimar a Comunidade Indígena Curral do Arame – por nós conhecida como Apyka’i – a deixar, num prazo de dez dias, essa pequena área retomada. E ainda quis transformar a Funai em capitão do mato, atribuindo a ela a tarefa de garantir a remoção ou pagar R$ 50 mil reais por dia de descumprimento. Verdade que deu um abatimento para os servidores do órgão: eles só pagariam R$ 5 mil reais/dia! Foram salvos, todos, pela tal mesa de negociações do Ministério da Justiça, que enrola, enrola, mas serve para prender lideranças Kaingang.
Curioso país o nosso…