Entidade pode mover ação contra Polícia Civil por escuta no Instituto de Defesa dos Direitos Humanos
Adriana Cruz, Flavio Araújo, Gabriel Sabóia, Juliana Dal Piva e Nonato Viegas – O Dia
Rio – Pelo menos 10 advogados de defesa de ativistas denunciados pelo Ministério Público também tiveram os telefones celulares grampeados pela Polícia Civil durante o inquérito que investigou ações violentas em manifestações. As escutas foram autorizadas pela Justiça, e a descoberta, tratada como escândalo pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que estuda quais medidas serão tomadas.
Entre os telefones grampeados está o fixo do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH), além do celular e o e-mail do coordenador Thiago Melo. A informação obtida pelo DIA , após a consulta aos autos, deixou os advogados assustados.
“O grampo do telefone do IDDH se constitui numa violação da prerrogativa dos advogados que trabalham no instituto pelo sigilo necessário nas conversas entre advogado e cliente. Isso é um prejuízo para uma organização que é de direitos humanos e cuida de casos de violência institucional, de pessoas ameaçadas”, criticou Melo. Ele ressaltou o fato de que no inquérito não consta qualquer prova de ilegalidade cometida pela entidade e que pudesse justificar a escuta.
O presidente do IDDH, João Tancredo, explicou que o órgão foi fundado em 2007, após chacina de 19 pessoas no Complexo do Alemão. “O trabalho sempre foi esse, e aí surgiram as manifestações e a gente começou a atuar nelas. Mas também trabalhamos muito em crimes envolvendo policias em áreas carentes”, afirmou Tancredo.
Apesar de autorizadas pela Justiça, as escutas podem ter violado o Estatuto do Advogado, regulado pela Lei 8.906. No artigo 7º, está garantido o sigilo telefônico desde que esteja relacionado ao exercício da profissão. Em nota oficial, a Polícia Civil informou que o inquérito já passou pelo Ministério Público e foi encaminhado ao Judiciário. A partir de agora, o trabalho está encerrado.
O desembargador Siro Darlan informou ontem que vai representar na Corregedoria da Polícia Civil contra o delegado Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI). Segundo Darlan, Thiers não prestou informações sobre o inquérito desde terça-feira passada. Já o delegado negou que tenha recebido pedido de vista aos autos.
O desembargador exigiu ainda do juiz da 27ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana, cópia do processo até amanhã. Só depois de consultar os autos, ele decidirá sobre o pedido de liberdade provisória dos 23 ativistas. Até ontem à noite, dos 23 acusados, 18 seguiam foragidos. Estre os presos, está Elisa Quadros Sanzi, a Sininho. O grupo foi denunciado no inquérito por associação criminosa armada.
Centenas fazem ato de desagravo contra prisões dos manifestantes
Na manhã de ontem foi realizado o Ato Contra a Criminalização da Liberdade de Manifestação, realizado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, que criticou as prisões dos 23 manifestantes. Cerca de 200 pessoas participaram do encontro. “Essas pessoas têm endereço fixo e muitas delas trabalham. Poderiam ser investigadas em liberdade. Trata-se de um ‘estado futebolístico de exceção’”, disse o deputado federal Chico Alencar. “Tenho divergências ideológicas com determinados grupos radicais, mas não podemos negar o direito de defesa”, completou.
De acordo com o vice-presidente da OAB-RJ, Ronaldo Cramer, o ato teve o intuito de garantir o trabalho dos advogados. “Apoiamos os advogados que querem exercer seu trabalho. Somos, acima de tudo, a casa da democracia”, declarou Cramer. Ele criticou ainda as investigações da Polícia Civil que culminaram na denúncia do MP: “Um inquérito aberto sem provas, às vésperas de um ato anunciado (manifestação no dia da final da Copa), com a clara intenção de impedir que o mesmo acontecesse”.
A presidente da Comissão da Verdade no Rio de Janeiro, Nadine Borges, disse que vai solicitar a presença do grupo e também da Comissão de Direitos Humanos da OAB nos locais onde os manifestantes estão detidos. “A isenção do direito ao habeas corpus nos aproxima da barbárie”. Membro do Conselho Federal da OAB, Wadih Damous acredita que as medidas foram arbitrárias: “Como alguém pode se defender sem saber exatamente contra o que está sendo acusado? Ninguém está acima da lei. Nem juízes, nem o Ministério Público”.
Luta pela liberdade de presos une grupos rivais
A Frente Independente Popular (FIP), cujos membros a Polícia Civil e o MP acusam de serem os responsáveis pelos atos violentos nos protestos desde junho de 2013, nasceu de outro grupo: o Fórum de Lutas contra o Aumento da Passagem, uma organização que agregava partidos políticos — a juventude do PSTU e Psol — e grupos de esquerda.
Os protestos começaram em novembro de 2012, quando o prefeito Eduardo Paes anunciou reajuste de 20 centavos na tarifa de ônibus. Até junho de 2013, ápice que reuniu mais de 300 mil pessoas na Avenida Presidente Vargas, as manifestações mobilizavam menos pessoas.
Segundo liderança, uma dissidência rachou o movimento. Elisa Quadros, a Sininho, Camila Jourdan e o namorado, Igor D’Icarahy, pregariam a ausência de partidos nos protestos, e, assim, formaram a FIP. O racha, segundo um dos líderes à época, quase pôs fim à organização dos protestos.
Camila seria uma das ideólogas do grupo, que reunia comunistas e anarquistas. Professora-adjunta do Programa de Pós-Graduação do curso de Filosofia da Uerj, fez da universidade um espaço para plenárias do grupo, contrapondo-se ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), que servia ao Fórum de Lutas.
Não demorou muito, porém, para que todos voltassem a se unir pela causa, mesmo com a discordância quanto ao uso da tática black bloc. O método de enfrentamento nunca foi ponto pacífico nem mesmo dentro da FIP. O racha, porém, é passado. “A luta é, agora, pela liberdade dos presos (Sininho, Igor e Camila)”, diz uma das líderes do antigo movimento.
Ativista de 88 anos na manifestação
Os manifestantes percorreram as ruas do Centro exigindo a libertação dos detidos na véspera da final da Copa e ocuparam as escadarias da Câmara dos Vereadores para lembrar um ano do movimento ‘Ocupa Câmara’, completado ontem.
Eles fizeram ato batizado de Faxina do Judiciário: lavaram a calçada em frente ao Tribunal de Justiça com vassouras e produtos de limpeza. A estação Cinelândia do Metrô foi fechada por medida de segurança. Não havia mascarados na passeata e, apesar de provocações à PM, não foi registrado tumulto. O trânsito no horário do rush ficou prejudicado, pois a CET-Rio interditou várias vias para a manifestação seguir.
Um dos cerca de 500 manifestantes que caminharam ontem no início da noite do Tribunal de Justiça até a Cinelândia pedindo a libertação dos presos, José Maria Galhassi, de 88 anos, lembrava décadas de luta. “Enfrentei duas ditaduras, fui preso. Nos anos 70, torturaram minha filha de 12 anos e minha mulher na minha frente para eu confessar participação na luta armada”, contou ele, que acrescentou ter atuado nas Ligas Camponesas de Francisco Julião e conheceu Luiz Carlos Prestes. “Falei para cinco juízes que vou morrer comunista”, contou.
Janira na mira de corregedoria
A Corregedoria da Assembleia Legislativa do Rio pediu ontem esclarecimentos à deputada estadual Janira Rocha (Psol) em relação ao seu envolvimento na saída da advogada Eloísa Samy e outros dois ativistas do prédio do Consulado do Uruguai. O trio teve a prisão preventiva decretada pela polícia e é considerado foragido.
Após a negativa do asilo, os três deixaram o Consulado. Janira disse que eles saíram pela porta da frente e ela deu carona aos três até São Conrado no carro da Alerj . “Não facilitei fuga. A obrigação de prendê-los é da polícia. Sou parlamentar, e a Constituição me manda fiscalizar as condições às quais essas pessoas estão sendo submetidas”, declarou a deputada, que não se mostrou arrependida. A Alerj aguarda a resposta da parlamentar para saber se abrirá alguma investigação sobre o caso.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.