“Com a terra, o céu murchou”. A paralisação das demarcações de terras indígenas

“Muitas das agressões registradas contra os povos indígenas têm como pano de fundo a paralisação de todos os procedimentos de demarcação de terras indígenas”. A afirmação é de dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu e presidente do Cimi em pronunciamento sobre o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas publicado pelo Cimi. Segundo ele, “o Governo Federal deve ser responsabilizado pela trágica realidade vivida pelos povos indígenas que não tem assegurada a posse de suas terras. O governo também age de modo conivente diante das invasões e da depredação dos recursos naturais e é omisso nas suas obrigações constitucionais de fiscalizar, proteger e assegurar o usufruto das terras pelos Povos Indígenas”. Eis o pronunciamento

Erwin Kräutler* – CIMI

“Com a terra, o céu murchou” (Is 24,4).

Apresentamos mais um Relatório de Violência contra os Povos Indígenas com dados de 2013. Destacamos que muitas das agressões registradas têm como pano de fundo a paralisação de todos os procedimentos de demarcação de terras indígenas, imposta pela Presidente da República Dilma Rousseff.

Recorrentemente o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) tem denunciado a omissão do poder público na condução da política indigenista e o descaso para com a vida destes povos. Em 2013 a omissão se tornou ainda mais enfática quando o governo federal deixou de cumprir sua responsabilidade constitucional de realizar os procedimentos administrativos de demarcação. A atitude de retardar os já morosos processos em curso demonstra que as atenções do governo estão voltadas aos setores da economia e da política ligados ao latifúndio, ao agronegócio, às empreiteiras, mineradoras e empresas de energia hidráulica, que visam exclusivamente a exploração da natureza em terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Os interesses privados destes grupos encontram ressonância na política desenvolvimentista praticada pelo governo e também em seus interesses eleitoreiros.

Os dados reunidos neste relatório demonstram que a paralisação dos procedimentos de demarcação das terras indígenas têm graves consequências para vida das comunidades indígenas. Acirraram-se os conflitos em diversos estados da federação, tornando ainda mais instáveis e precárias as condições de sobrevivência das famílias indígenas acampadas à beira das rodovias, ou daquelas comunidades cujas terras se encontram em grande parte invadidas. Além disso, intensificaram-se as violências e ameaças de morte contra indígenas que se mobilizam para reivindicar o inicio ou a continuidade dos procedimentos demarcatórios.

O grave descaso do governo para com os direitos territoriais indígenas gerou também novas investidas contra estes os povos, protagonizadas por grupos privados ou por representantes públicos. Os dados coletados em 2013 evidenciam a promoção, por particulares, de inúmeros eventos públicos com o intuito de criminalizar as lutas indígenas e, ao mesmo tempo, de desqualificar suas formas de vida. Também tem sido frequente a difusão de discursos com teor preconceituoso, discriminatório e racista em meios digitais de informação, bem como em jornais, programas de televisão e de rádio. O “Leilão da Resistência”, promovido pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) no Mato Grosso do Sul, foi um desses eventos.

No entender do Cimi, o Governo Federal deve ser responsabilizado pela trágica realidade vivida pelos povos indígenas que não tem assegurada a posse de suas terras. O governo também age de modo conivente diante das invasões e da depredação dos recursos naturais e é omisso nas suas obrigações constitucionais de fiscalizar, proteger e assegurar o usufruto das terras pelos Povos Indígenas.

O descaso para com os povos indígenas não se restringe apenas aos direitos territoriais. Manifesta-se também no criminoso desleixo no atendimento à saúde das populações indígenas que resultou, de acordo com dados do próprio Ministério da Saúde, na morte de 693 crianças. A constatação de que, a cada 100 indígenas que morrem no Brasil, 40 são crianças, torna inegável o fato de que está em curso uma política indigenista genocida.

Além de denunciar as violências praticadas contra os povos indígenas e de responsabilizar o governo pelo agravamento dessa dramática situação, este relatório pretende alertar para a necessidade de promovermos uma ampla e intensa luta em defesa da vida. A sobrevivência física e cultural dos povos indígenas está estreitamente vinculada à garantia de seus territórios. Urge revermos as prioridades sociais e as direções políticas de nosso país, realizando debates, reflexões e estudos que estimulem a participação para o controle social e que possibilitem a formulação de propostas e projetos de vida com dignidade para todos.

Para os indígenas expulsos de suas terras ou continuamente ameaçados de perdê-las concretiza-se infelizmente a palavra do Profeta Isaías: “A terra está de luto e doente, o mundo definha, está doente; com a terra, o céu murchou“ (Is 24,4). Para povos indígenas despojados de seu habitat ancestral, o mundo vira deserto e o céu do bem-viver é profanado.

*Bispo do Xingu e Presidente do Cimi

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