Neste modelo energético é o lucro quem determina a vazão das barragens

Foto: Cacoal Notícias
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Por Neudicléia de Oliveira*, no MAB

A maior enchente dos últimos trinta anos na região norte e noroeste do Rio Grande do Sul e oeste catarinense traz consigo, além dos enormes problemas sociais e econômicos, outro debate: as barragens são as vilãs ou mocinhas desta situação?

As grandes empresas construtoras de barragens, bem como seus apoiadores, defendem e se utilizam dos argumentos que as barragens hidrelétricas podem evitar as enchentes, regulando o fluxo das águas. Neste momento, estes argumentos voltam a ser utilizados por aqueles que defendem a construção das barragens de Garabi e Panambi no trecho internacional do Rio Uruguai, ainda em fase de estudos.  Um exemplo concreto é a matéria publicada no jornal Zero Hora do dia 05 de julho, intitulada “Garabi: a barragem que pode evitar enchentes na fronteira do RS”.

Para não falar o que “não sabemos”, ou somente falar do que “gostaríamos que fosse” é importante olhar alguns dos exemplos recentes. Em junho de 2014 centenas de famílias paranaenses tiveram suas propriedades invadidas pelas águas que foram liberadas, sem informar à população, pela Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu, pertencente à Copel. As cenas assustadoras foram registradas por inúmeros vídeos que circulam na internet.  Em outra região, moradores ribeirinhos do Rio Iguaçu, da cidade de União da Vitória, dizem que após a construção da usina de Foz do Areia as enchentes aumentaram.

No sudoeste do Paraná, há 30 anos a Copel busca informações para mostrar que quando a operação da usina é “bem feita” ela não interfere na acumulação da água na cidade. Após moradores das cidades de União da Vitória, Capanema, Realeza, Capitão Leônidas Marques, Marmeleiro, Verê e Cruz Machado protestarem contra os problemas causados pela abertura das 14 comportas da barragem de Salto Caxias, a Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná realizou uma audiência pública no dia 25 de junho. Como reconhecimento, e principalmente para amenizar o problema causado, o superintende  de Meio Ambiente da Copel, Carlos Eduardo Medeiros, garantiu “que a empresa vai realizar diversas ações de reparo, estarei visitando pessoalmente as prefeituras.”

Bem distante do Paraná, mas cercado pelas recentes construções das barragens de Santo Antônio e Jirau, o estado de Rondônia e do Acre viveram no mês de abril uma tragédia sem precedentes em função das cheias do Rio Madeira. Isto, mesmo depois do Ministério Público Federal Ministério Público Estadual e OAB terem alertado através de laudos, desde 2008, dos efeitos nefastos que a construção das hidrelétricas naquela região poderia gerar.

Um parecer técnico de 2014 dos pesquisadores Roberto Braga, Rodrigo Braga Moruzzi e Cenira Lupinacci Cunha, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, apresentado ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) determina que a construção de uma barragem no Rio Piracicaba para ampliar em 45 quilômetros a hidrovia Tietê-Paraná pode agravar as enchentes na área urbana de Piracicaba.

Trazendo mais para perto, erros técnicos na construção da barragem de Garibaldi, em Santa Catarina, fizeram a barragem encher para além do estipulado. Moradores das cidades de Abdon Batista, São José do Cerrito e Vargem tiveram suas propriedades alagadas. Muitas casas foram alagadas. Comunidades ficaram isoladas. Poderíamos multiplicar os exemplos de problemas causados, agravados ou enchentes não solucionadas pela construção de barragens.

 Há quem diga que as barragens não evitam as enchentes, e sim evitam aumentos repentinos das águas. Outros precavidos dizem que a relação entre o sucesso das barragens na contenção das cheias, e a possibilidade de se tornarem vilãs, aumentando o problema, é muito tênue.

 A construção de barragens tornou-se uma mercadoria que está a serviço do lucro de seus donos. O fechamento ou abertura de suas comportas estará sempre em primeiro lugar à serviço deste objetivo.

Não vamos acusar as sete barragens já construídas na Bacia do Rio Uruguai como culpadas pela maior enchente dos últimos 30 anos. Mas pedimos o mínimo de respeito daqueles que, mesmo frente a esta realidade reveladora, teimam em apontar a construção das barragens de Panambi e Garabi como solução das enchentes. As comportas de uma barragem são abertas preservando o patrimônio, e o principal objetivo dos seus donos: aumentar seus lucros na produção e venda da energia ali produzida.

*Jornalista, atingida pela barragem de Machadinho e Campos Novos, coordenadora nacional do MAB e integrante da Via Campesina.

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