Segundo a matéria, na Aldeia Kaiowá-Guarani Sassaró, em Mato Grosso do Sul, a onda de suicídios de adolescentes, a maioria por enforcamento, “desconcerta”: há uma “batalha para se entender os suicídios”. Uma coisa parece causar estranheza: bem perto, “Pyelito Kue vive um outro tipo de drama, com disputa de terra pautada por balas de revólver. Já em Sassoró, o clima é de paz, apesar da batalha para se entender os suicídios”. Dizem os moradores que a situação já foi bem pior, “com padrões de epidemia”. (…) “Tem muito adolescente na faixa de 12, 13, 15 anos se suicidando. Isso é um problema sério” (…) A gente precisa contratar algum psicólogo para ver essa questão”. Além do psicólogo, outra solução considerada parece ser a inserção no mercado de trabalho: os 30 melhores alunos da escola municipal – a matéria não diz quantos eram indígenas – foram premiados com uma viagem a Foz do Iguaçu e à UHE de Itaipu. Por enquanto o circo da Copa já serve! Depois… E viva o progresso! (Tania Pacheco).
Por Bruno Freitas, do UOL, em Tacuru (MS)
Passeando pela Aldeia Sassoró horas antes de um jogo da seleção, a comunidade se parece com muitas outras do Brasil em tempos de Copa. Compõem o cenário o verde e amarelo espalhado em formas de bandeiras e crianças agitadas, carregando a famosa camisa dos pentacampeões. No entanto, a animação pontual deste povoado indígena no Mato Grosso do Sul aparece quase como um sonho que ameniza uma realidade trágica. Ali, uma onda de suicídios entre jovens desconcerta famílias e líderes dos guarani-kaiowá.
Em dia de seleção em campo, a maioria dos 4500 moradores da aldeia se mobiliza e sorri diante da televisão. Mas a febre de bola não arrebata todos por ali. Os semblantes das mães que perderam seus filhos ainda acusam um misto de dor e surpresa. Celia Samudio é uma delas. A funcionária de uma escola local teve a vida sacudida por dois suicídios em casa, segundo ela, sem explicação aparente. O último deles foi o de Claudenir, 15 anos, em abril passado. Agora, a missão da índia guarani-kaiowá é levar os dois menores da família para caminhos mais amenos até a idade adulta.
Este é o mesmo dilema de Claudineia Vilalva, que chorou a morte do filho Claudinei e agora tem a missão de orientar outros três mais novos em direção a algum entusiasmo de vida. As particularidades de cada história de suicídio são conhecidas na vizinhança, e a maioria envolve enforcamento.
Tudo isso acontece nos limites de Tacuru, a segunda cidade brasileira a adotar oficialmente o guarani como língua oficial. A primeira foi São Gabriel da Cacheira, no extremo norte do Amazonas. No município sul-mato-grossense, uma lei de 2010 conferiu ao idioma a presença em espaços de prestação de serviços públicos básicos na área de saúde, por exemplo.
Na aldeia de 700 alqueires, apesar da simplicidade de algumas residências, os índios contam com energia elétrica e transporte. Em breve terão à disposição banheiros químicos. De longe dá para avistar a vizinha Iguatemi, onde a comunidade Pyelito Kue vive um outro tipo de drama, com disputa de terra pautada por balas de revólver. Já em Sassoró, o clima é de paz, apesar da batalha para se entender os suicídios. No entanto, os moradores dizem que a situação já foi bem pior, com padrões de epidemia. E a falta de perspectiva profissional é identificada como possível explicação para o comportamento.
“Antes de a gente assumir era muito, quase dois ou três jovens por semana. Mas no ano passado diminuiu bastante, este ano não aconteceu ainda [tirando o caso de Claudenir]. A gente está incentivando o jovem para um caminho diferente”, diz Eliseu Martins, diretor de uma escola municipal dentro da aldeia e um dos líderes da comunidade.
“Na verdade isso não está resolvido. A minha preocupação em particular é com isso. Tem muito adolescente na faixa de 12, 13, 15 anos se suicidando. Isso é um problema sério”, endossa Ansilo Castelão, vereador de Tacuru saído da comunidade de Sassoró. “A gente precisa contratar algum psicólogo para ver essa questão”, acrescenta o político.
Eliseu Martins dirige uma escola dentro de Sassoró que atende ao todo 1808 alunos da aldeia, de crianças pequenas até o ensino médio. Formado em Geografia com sacrifício de viagens diárias de 300 km (ida e volta), durante quatro anos, o educador confia na influência do ensino para plantar esperança na cabeças dos jovens locais.
“A responsabilidade está na nossa mão. O futuro das nossas crianças está na escola. Então a gente tem que trabalhar com dedicação a cada família, a cada criança”, diz.
Outras duas lideranças trabalham pela aldeia em Tacuru. O Capitão Osmar ocupa o papel que em outras comunidades indígenas seria o de um cacique. Já Ansilo Castelão representa Sassoró na Câmara Municipal, na condição de vereador, eleito com 218 votos.
A partir da escola surgem pequenas ações para tentar plantar esperança na cabeças dos jovens de Sassoró, como palestras motivacionais ou então prêmio para bons estudantes. Recentemente os 30 alunos com melhores notas do colégio ganharam uma viagem para Foz do Iguaçu, com visita às cataratas e à usina de Itaipu.
A esperança em um futuro coletivo menos rigoroso reside em atitudes individuais como a de Robson Ortiz, estudante de Sassoró que, apesar das dificuldades que sua origem social impõem, sonha se tornar advogado: “para mais tarde defender meu povo. Tem muito sofrimento nas aldeias, pouca gente para defender o povo indígena. Se Deus permitir, eu vou chegar lá”.
A Prefeitura de Tacuru também trabalha para oferecer oportunidades de inserção aos jovens de Sassoró, com serviço para transportar alunos até universidades da região. Um ônibus leva alguns deles para estudar em faculdades de Naviraí ou Amambai.
O prefeito Pedro Paulo Rodrigues diz que a comunidade indígena é prioridade em sua gestão e exalta a criação de uma lavoura comunitária na área. Não poderia ser diferente, já que eles representam um universo de 2400 eleitores numa cidade de 11 mil habitantes.
“Não existe mais ninguém bobo, tanto o branco quanto o índio estão observando aquilo que os administradores fazem para a sociedade. Hoje a capacidade do índio de raciocinar e entender o que é melhor está demonstranda nas eleições, como nas eleições passadas. O administrador tem que trabalhar em prol deles”, afirma Rodrigues.
Em tempos de Copa os problemas parecem perder força e a alegria está no ar. O professor Gheus Martins Veron reclama que se sente excluído, que a figura do índio não tem aparecido nos comerciais de televisão ligados ao Mundial. Mesmo assim, o jovem não deixa de vestir com orgulho a camisa da seleção. O sentimento local mais comum é de uma espécie possessão pelo time nacional: “somos os primeiros brasileiros”.
Com David Luiz e companhia em campo na Copa, meninos exibem a camisa amarela em Sassoró. Assim como as do Flamengo, time com a maior torcida da aldeia. As mensagens de apoio ao hexa aparecem em português em uma quadra esportiva para garotos. Na casa de Eliseu, um grupo animado se reúne para empurrar pela seleção, sendo que um dos parentes viajou mais de 100 km para se juntar à festa. E diante da televisão, torcedor é torcedor em qualquer lugar, com as reclamações tradicionais, independente do idioma.
No fim fica o lema em guarani, “Potei Brasil” (hexa, Brasil!), que soa também como uma espécie de torcida por tempos melhores. Para o educador Eliseu, este futuro virá através de uma juventude entusiasmada, voltada à formação para posições chave na sociedade: “Não precisamos de mais professores indígenas. Precisamos ter índios médicos, jornalistas e advogados”.
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