País tem 1,1 milhão de crianças de 4 a 5 anos fora das salas de aula numa ponta, e 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos na outra
Gazeta do Povo/PR
A exclusão escolar no Brasil é marcada por relações de causa e efeito. A evasão do ensino médio é o reflexo tardio da falta de vagas na pré-escola. Se numa ponta o país tem 1,1 milhão de crianças de 4 e 5 anos fora da escola, na outra tem 1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos na mesma condição. Ao todo, são 3,8 milhões de brasileiros de 4 a 17 anos fora da escola, uma população que ainda precisa superar os obstáculos da desigualdade para ter garantido o direito de aprender.
“A raiz da desigualdade no Brasil está nessa questão da educação infantil. Precisamos ter uma visão sistêmica, ampliar o acesso, com qualidade, da creche à pós-graduação”, disse o ministro da Educação, José Henrique Paim, em visita a Curitiba na semana passada. “Dados da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] mostram que, em 2003, o custo de aluno da educação superior era 11 vezes maior do que o de um da educação básica. Hoje, essa relação é de quatro vezes. Chegamos a um patamar de países desenvolvidos”, completou ele.
Os paradoxos da exclusão escolar no país despontam nos dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE compilados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação. No Paraná, Curitiba tinha, há quatro anos, 25.102 crianças e adolescentes ausentes das salas de aula nessa base de dados.
Com o maior porcentual de excluídos do estado, Cerro Azul tinha 19,1% da população entre 4 e 17 anos longe da escola e um problema quase insolúvel na área rural, onde estão dispersos 87% dos seus 17 mil habitantes. Pelo Censo do IBGE, a cidade tinha 5.041 crianças e adolescentes em 2010, dos quais 963 longe da sala de aula. A pior taxa atingia crianças de 4 e 5 anos (46% fora da escola). Jovens entre 15 e 17 anos compunham a segunda faixa etária mais afetada, com 33,5% deles excluídos do ambiente escolar.
As causas desses índices remontam a erros históricos. Em 1853, a Princesa Isabel instalou em Cerro Azul uma colônia agrícola, distribuindo terras a imigrantes alemães, ingleses, franceses, suíços e alemães. O entusiasmo do início estancou-se no isolamento, e a debandada foi inevitável. A situação só melhorou um pouco na década de 1940, com a abertura de uma estrada até Curitiba, asfaltada apenas há uma década.
Atualmente, a cidade está em via de reduzir à metade o déficit no ensino primário (as 443 crianças de 4 e 5 anos sem escola avançaram de fase escolar desde 2010, mas um número equivalente entrou nessa faixa). Em um mês começa a funcionar uma creche com 120 vagas, erguida com recursos federais. No ano que vem, outra oferecerá mais 120 vagas.
O maior incômodo, porém, está na zona rural. Cerro Azul tem três escolas municipais urbanas da 1.ª à 5.ª série, com 1.100 alunos (200 deles na pré-escola). Já as 33 escolas rurais atendem apenas 830 alunos, em turmas multisseriadas.
Sem creche nem pré-escola na área rural, mesmo com as novas vagas as crianças de 4 e 5 anos continuarão excluídas. A pedagoga Mônica Alves Cordeiro, da Secretaria Municipal de Educação, diz que os pais têm medo de mandar os filhos sozinhos à escola no transporte escolar. Esse é um desafio que o município ainda não sabe como resolver.
No país, raça também é obstáculo para entrar na escola
Crianças negras de 4 e 5 anos levam desvantagem em relação às brancas na educação, numa proporção de 79,2% contra 81,6% de frequência escolar, segundo o Censo 2010 do IBGE. Em números absolutos, 639,7 mil crianças negras nessa faixa etária estavam fora da escola há quatro anos, ante 495 mil brancas. A disparidade prossegue nos anos seguintes. Dos 6 aos 10 anos, 150,4 mil crianças brancas estavam longe da sala de aula, frente a 269,4 mil negras.
Adolescentes negros também estão em desvantagem em relação aos mesmos grupos da população branca, tanto no acesso quanto na permanência na escola. Enquanto 85,4% dos jovens de 15 a 17 anos brancos estavam matriculados em 2010, essa participação caía para 81,8% entre os negros.
Uma das explicações está no racismo ainda presente na escola, que afeta o desempenho das crianças e dos adolescentes negros. A conclusão é do estudo Informe Brasil – Gênero e Educação, publicado em 2011 pela Ação Educativa no âmbito da Campanha Educação Não Sexista e Anti Discriminatória.
Pobreza limita o acesso à educação
Quanto menor a renda per capita da família, maior a exclusão escolar. Conforme o Censo 2010 do IBGE, enquanto 72,6% das crianças entre 4 e 5 anos de famílias com renda familiar per capita de até um quarto de salário mínimo estão na escola, o índice salta para 93,9% das crianças da mesma faixa etária quando a renda familiar é superior a dois salários mínimos.
A menor diferença provocada pela renda familiar ocorre na faixa etária dos 6 aos 10 anos. Nesse grupo, 95,1% das crianças de família que recebem até um quarto de salário mínimo estavam matriculadas na escola, taxa que fica em 98,8% em famílias com renda per capita superior a dois salários mínimos. Entre 11 e 14 anos, o porcentual é de 94,3% e de 97,9%, respectivamente. Entre 15 e 17 anos, 78,9% e 92,2%.
Áreas rurais
Quando relacionada à localização, a renda familiar compromete ainda mais o acesso à educação. A taxa de frequência escolar de adolescentes de 15 a 17 anos nas zonas urbanas foi de 84,4%, enquanto nas zonas rurais foi de 78,3%. A desigualdade também é grande na outra ponta: 83% das crianças de 4 e 5 anos das áreas urbanas frequentavam a escola, nas zonas rurais a taxa foi de apenas 67,6%.
Como os pais
Quanto menor a escolaridade dos pais ou responsáveis, mais dificuldades os filhos terão no acesso à educação. Segundo dados do Censo 2010 do IBGE, 39,4% das crianças de até 3 anos cujos pais ou responsáveis têm nível superior estavam matriculadas, enquanto só 18,4% daquelas cujos pais não estudaram ou não completaram o ensino fundamental estavam na creche.
Curitiba criou força-tarefa para encontrar os sem-escola
O desafio de Curitiba é localizar as crianças e os adolescentes excluídos da escola. A dinâmica migratória na periferia provoca um atraso entre a identificação das necessidades dessa população e a chegada dos serviços públicos. A prefeitura criou inclusive uma força-tarefa com vários órgãos municipais e os núcleos regionais de educação para encontrar os sem-escola. O desafio é chegar pelo menos perto da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de universalizar a educação infantil até 2016.
Superintendente-executivo da Secretaria Municipal de Educação, Marcos de Oliveira Schiesler, destaca as 7 mil vagas previstas até lá em 34 novos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), 10 deles em construção. Ainda assim, a capital não deve zerar o déficit (nem o existente nem o futuro), apenas se aproximar mais disso.
Curitiba atende 142 mil alunos em 564 equipamentos municipais, dos quais 199 CMEIs e 184 escolas municipais. Schiesler diz existir vagas ociosas no ensino fundamental, mas que não estão sendo ocupadas por causa da dicotomia entre onde está a oferta e onde está a demanda. Uma das missões dessa força-tarefa municipal é identificar onde essas vagas estão para serem ocupadas por crianças hoje fora da escola.
As idades da exclusão
A exclusão escolar atinge mais os jovens de 15 a 17 anos, dos quais 1,7 milhão estavam fora do ensino médio em 2010, segundo o Censo do IBGE. Esse é um reflexo tardio do que ocorre nos anos iniciais. A segunda faixa etária mais atingida pela exclusão escolar são crianças entre 4 e 5 anos, com 1,1 milhão fora da pré-escola. A faixa dos 6 aos 10 anos, relativa aos anos iniciais do ensino fundamental, tem a maior taxa de frequência à escola: 97,2% das estavam matriculadas em 2010.
A maioria dos estudos mostra que o trabalho infantil é um dos principais fatores que afasta crianças e adolescentes da escola, principalmente entre 16 e 17 anos, segundo Ana Lúcia Kassouf, professora do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo. Em 2010, ano do Censo do IBGE, 30,2% dos adolescentes dessa faixa etária realizavam algum tipo de trabalho.
O coordenador de projetos da Fundação Lemann, Ernesto Martins Faria, aponta a distorção idade-série como um dos fatores decisivos para abandonar a escola. A essa altura, o jovem enfrenta todos os desafios e estigmas de estar atrasado, resultado do mau desempenho escolar em anos anteriores. Também é nesse momento que o trabalho compete com a escola, com vantagem para o primeiro. Daí se conclui que a exclusão escolar apresenta um recorte pelo perfil socioeconômico, penalizando mais quem é negro, pobre ou vive na zona rural.
Segundo Faria, crianças com esse perfil entram mais tarde na escola e saem mais cedo. O resultado disso é um comprometimento das atividades cognitivas ou não-cognitivas, com reflexo na saúde, no emocional, na garantia de um projeto de vida.
O que fazer para acabar com a exclusão escolar
Entre as ações mais efetivas estão oferecer melhores condições de ensino, acompanhar de perto o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes e combater os problemas que colocam em risco a sua permanência na escola. Veja as recomendações do Unicef em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Ampliação da educação infantil
A atenção integral na primeira infância, promovendo o desenvolvimento físico, mental, cognitivo e emocional das crianças de até 5 anos, tem impacto decisivo na evolução nas etapas seguintes da educação escolar. A criança que frequenta a educação infantil tem um terço mais de possibilidade de concluir o ensino médio.
Alfabetização na idade adequada
A criança que obtém bons resultados em língua portuguesa e aptidão em matemática nas primeiras séries adquire autoconfiança, valoriza a aprendizagem e se envolve mais com a escola. Fazer com que todas as crianças estejam alfabetizadas até os 8 anos deve continuar sendo prioridade para melhorar a educação básica.
Correção de fluxo escolar
A aceleração de aprendizagem permite ao aluno cursar mais de uma série em um único ano, para recuperar conteúdos e habilidades de séries anteriores e frequentar a série adequada à idade. Só funciona se os professores e a equipe da escola tiverem formação adequada, tempo e condições para acompanhar os alunos em atraso.
Educação integral
Estudos apontam a educação integral como estratégia para romper o círculo vicioso da pobreza e reduzir a desigualdade social. Isso se dá por meio de atividades desenvolvidas na escola ou em outros espaços, por professores ou educadores sociais, ampliando a jornada e envolvendo a família e a comunidade na educação das crianças.
Formação de professores
É preciso um processo contínuo de aperfeiçoamento dos professores, com investimentos constantes para a formação continuada. Pesquisas em municípios com bons resultados no Ideb revelam que o fato de os professores frequentarem a universidade e aprimorarem suas práticas traz benefícios concretos para aprendizagem dos alunos.
Condições da infraestrutura
É necessário um dimensionamento correto das redes escolares, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais, assegurando acessibilidade e transporte a alunos e professores, a distribuição de material didático e alimentação escolar, e a realização de ações de formação de professores e dos outros profissionais da escola.
Enfrentar as desigualdades
As redes de ensino precisam reconhecer e eliminar os fatores de discriminação de crianças e adolescentes negros, indígenas e quilombolas, que estão em desvantagem nos indicadores sociais e educacionais em relação à população branca. Além de ampliar as políticas de inclusão de portadores de deficiência nas escolas regulares.
Trabalho intersetorial
Só políticas públicas conjuntas entre diferentes áreas, como assistência, saúde, cultura, esporte e lazer, poderão garantir a inclusão, a permanência e a aprendizagem de crianças e adolescentes com deficiência, em abrigos, em cumprimento de medida socioeducativa, egressos ou em risco de trabalho infantil.
Formação de gestores
O gestor de educação é o responsável pelo planejamento estratégico e organização do trabalho das secretarias de educação. Investir em formação é uma das formas de melhor atuação dos gestores, de forma a promover a qualidade da educação nos sistemas públicos municipais de ensino.
Monitoramento de indicadores
Monitorar um conjunto de indicadores educacionais oferece informações para o planejamento e a criação de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade da educação.
Financiamento da educação, controle e participação social
O financiamento da educação deve ser objeto de controle social, com o fortalecimento da ação articulada dos vários conselhos e associações ligados à educação e à infância e adolescência, além da ampliação da participação cidadã dos adolescentes, das famílias e da comunidade.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.