Nota Pública: Associação dos Remanescentes de Quilombo Rio dos Macacos

somos-quilombo-rio-dos-macacosA respeito das informações divulgadas recentemente pela Secretaria Geral da Presidência da República, em seu site, e pela revista VEJA (Ed. 2373, nº 20) sobre o conflito envolvendo a Marinha do Brasil e o Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, a comunidade, junto com movimentos e organizações que apoiam a nossa luta, vêm a público esclarecer que:

(1) A comunidade apresentou na Audiência Pública promovida pelo Ministério Público Federal, no dia 06 de maio, uma proposta que contempla suas reais necessidades e propõe o uso compartilhado da Barragem dos Macacos, além de ceder mais 28 ha do território tradicional reivindicado (301 ha), no entorno da Vila Militar; a comunidade aguarda o posicionamento oficial do Governo Federal a respeito da proposta.

(2) A proposta de território apresentada pela Marinha e Governo Federal, na mesma oportunidade, divide o território em duas áreas isoladas, sem acesso entre elas; se destina, como consta na nota expedida pela Secretaria, a apenas 40 famílias e não às 67 identificadas no estudo do INCRA sobre o território; não contempla nenhum curso (rios e lagoas) d’água, tampouco o uso compartilhado e sob administração da Marinha da Barragem dos Macacos proposto pela comunidade; retira a maior parte da área agricultável do território tradicional quilombola e tem mais da sua metade composta por Áreas de Preservação Permanente.

(3) O Ministério Público Federal, em posicionamento durante a audiência, manifestou preocupação com a postura arbitrária do Juiz da 10ª Vara Federal, Evandro Reimão dos Reis, destacando as ilegalidades cometidas no decurso processual e a flagrante imparcialidade do Juiz, que dificulta ao máximo o direito de defesa da comunidade (não admitiu uma dezena de recursos) e facilita os encaminhamentos de interesse da Marinha. Por essa razão, o MPF entendeu que a Advocacia Geral da União deve pedir a suspensão do processo judicial enquanto se encaminham as tratativas sobre uma possível solução negociada.

(4) A declaração do ministro Gilberto Carvalho sobre a impossibilidade da suspensão do processo não possui fundamento legal nem justificativa razoável, considerando que a AGU é parte autora do processo e pode propor a suspensão em comum acordo com os quilombolas, que são a parte acionada (art. 265, II, do Código de Processo Civil).

(5) Até o presente momento, não foram cumpridos os acordos firmados no final de 2013 sobre a reforma e construção das casas em risco de desabamento e abertura de estrada para acesso alternativo ao quilombo, sem submeter-se a constrangimentos e violências pela atual passagem por dentro da Vila Militar.

(6) Até o presente momento, apesar da abertura de inquérito logo após a agressão, a Polícia Federal não elucidou nem indiciou os militares envolvidos nos fatos ocorridos no dia 06 de janeiro, em que duas lideranças da comunidade foram barbaramente presas e torturadas tão somente pela sua entrada e saída do território pela portaria da Vila Naval.

(7) Em síntese, a proposta “contempla os interesses dos diversos órgãos federais envolvidos na questão”, de acordo com a nota da Secretaria Geral, mas não contempla a viabilidade e sustentabilidade, presente e futura, da comunidade. Pelo contrário, exclui diversas famílias, dividindo a comunidade em duas e comprometendo a sua soberania alimentar, num verdadeiro atentado à sua continuidade e reprodução tanto física quanto cultural. A referida nota também não considera as perdas territoriais da comunidade, que incluem a área da própria Vila Naval, de onde foram expulsas dezenas de famílias e destruídos diversos terreiro de candomblé.

(8) Reafirmamos ser obrigação do Estado Brasileiro a demarcação e titulação do território da comunidade, bem como a garantia do acesso às políticas públicas do Programa Brasil Quilombola, para que não seja preciso pedir “autorização” a quem quer seja “para construção de um centro comunitário” ou, pior, “para retomada do plantio e da criação de animais para subsistência”.

(9) A revista Veja (Ed. 2373, nº 20) publicou nesta semana “reportagem” intitulada “O falso quilombo do ministro” (sic), baseada em falsas premissas e acusações sem nenhum lastro na realidade. Não ouviu os quilombolas ou verificaram as informações divulgadas. Mais uma vez a dita revista demonstra seu racismo e o seu comprometimento com as forças conservadoras, ignorando o jornalismo e os fatos, atacando de forma grosseira e criminosa uma comunidade negra que vem sofrendo há décadas com a violação de seus direitos pelo Estado brasileiro. Rio dos Macacos não se intimidará diante do ataque e tomará as medidas necessárias para reparar o dano provocado pela matéria.

Simões Filho, 27 de maio de 2014.

ASSOCIAÇÃO DOS REMANESCENTES DO QUILOMBO RIO DOS MACACOS, MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS (MPP), CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES (CPP), AATR, QUILOMBO XIS – AÇÃO CULTURAL COMUNITÁRIA, CAMPANHA REAJA OU SERÁ MORTA, REAJA OU SERÁ MORTO, NÚCLEO DE ASSESSORIA DO SERVIÇO DE APOIO JURÍDICO (SAJU) – UFBA

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