Especialistas com larga experiência em empreendimentos hidrelétricos no Brasil foram unânimes em afirmar nesta terça-feira (20) a ocorrência de falhas nos estudos de impacto ambiental da construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira, em Porto Velho, e, por esse motivo, reafirmaram a necessidade da produção de novas análises.
“Existem lacunas nos estudos. Vários cálculos, inclusive os relacionados aos reservatórios, foram subestimados. É certo que a cheia do Madeira mostrou da forma mais dramática os efeitos das barragens. Agora, é preciso fazer uma revisão, uma redefinição dos conceitos que basearam as construções para sabermos, entre outras coisas, o que pode ocorrer diante de outro evento extremo”, disse a Professora da Universidade Federal do Pará e diretora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Édna Castro.
A professora integra o grupo de especialistas que concedeu entrevista coletiva na manhã desta terça, como parte das atividades voltadas para a discussão acerca da produção de novos estudos de impacto ambiental das usinas hidrelétricas no rio Madeira, após a cheia histórica de 2014. A atividade é uma iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPRO), Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado (DPE) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RO), com apoio da Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Ao expor seu ponto de vista sobre o método de estudos realizados pelos responsáveis pelas obras, o doutor em Engenharia Mecânica na área de Planejamento de Sistemas Energéticos pela FEM/Unicamp, Célio Bermann, relatou ter feito uma comparação entre o grau de prioridades que o Estudo de Impacto Ambiental, produzido pelos empreendimentos, atribui a vários fatores a serem provocados pelas obras e, como contraponto, como a comunidade científica nacional e internacional classifica esses mesmos quesitos. Tal análise, pontuou ele, resultou em sérias discrepâncias.
Entre as questões mencionadas pelo especialista está a suspensão de sedimentos. Para a comunidade científica, esse ponto está classificado como de prioridade 1. No EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), entretanto, a questão foi classificada como a prioridade de número 14. As diferenças repetiram-se com relação à perda de biodiversidade aquática, sendo a 2ª prioridade para a comunidade científica e tratada como 63ª no EIA/RIMA. As divergências seguiram-se, ainda, com relação ao regime hidrológico, 3ª prioridade para a comunidade científica, e colocada em 12º lugar no EIA/RIMA.
“Essa situação só demonstra que existem fundamentos para as instituições requererem na Justiça a realização de novos estudos”, afirmou o especialista, em referência à medida liminar obtida pelo MPF, MPE, DPU, DPE e OAB, que obriga os consórcios das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau a custear novos estudos relacionados aos efeitos dos empreendimentos.
Outro convidado do evento, o Ph.D. em Ciências Biológicas pela Universidade de Michigan (EUA), Philip Fearnside, também falou dos impactos gerados na cidade de Porto Velho, Guajará-Mirim, distritos e também na Bolívia, como forma de demonstrar a importância de novos estudos. “Em Porto Velho, a usina de Santo Antônio aumentou a força da água e a erosão na orla do rio”, disse.
Comissão de especialistas
O grupo de especialistas veio a Porto Velho acompanhar a produção de novos estudos por parte do Ibama, em atendimento a medida liminar concedida em ação civil pública, proposta pelas cinco instituições. Em 10 de março deste ano, a Justiça Federal determinou que as hidrelétricas do Madeira devem fazer novos estudos sobre os impactos de suas barragens. Esses novos estudos devem ser supervisionados pelo Ibama e todos os órgãos públicos responsáveis, como Iphan, Agência Nacional de Águas, DNIT, entre outros. Os estudos também devem ser acompanhados por engenheiros, agrônomos, geólogos, sociólogos e outros especialistas indicados pelas instituições e custeados pelos consórcios. Caso não cumpram a decisão, as licenças de operação das usinas podem ser suspensas pela Justiça Federal.
Abertura
A entrevista coletiva teve a presença do Promotor de Justiça Átilla Augusto da Silva Sales; do Procurador da República Raphael Bevilaqua; do Defensor Público Estadual, Marcus Edson de Lima; do Defensor Público da União, Thiago Mioto, do integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RO, Rodolfo Jacarandá, e do representante da Universidade Federal de Rondônia, Professor Luis Novoa.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Roberta Graf.