“Fundação Nacional do Índio (Funai) estava ausente na reunião
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul reuniu, nesta sexta-feira (9), autoridades federais e estaduais, lideranças indígenas e produtores rurais para discutir as demarcações de terras.
“Estamos todos aqui juntos e dispostos a reforçar o diálogo para construir um novo tempo de paz e prosperidade e, por isso, também quero enaltecer a presença dos indígenas que estão aqui para avançar neste debate”, afirmou o presidente Jerson Domingos.
A Conferência sobre o Processo de Demarcação de Terras Indígenas, foi realizada em conjunto com a Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Também participaram os deputados estaduais Carlos Marum (PMDB), Marcio Monteiro (PSDB), Laerte Tetila (PT) e Zé Teixeira (DEM).
O deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) lamentou a ausência da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Enfrentamos resistências ao nada, de pessoas que encaram essa questão com puro preconceito”, analisou.
Serraglio informou que várias conferências estão sendo realizadas pelo Brasil com o objetivo de ampliar o debate com as autoridades e a sociedade para colher subsídios à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000. “Estamos aqui na Assembleia Legislativa com a importante oportunidade da sociedade se manifestar, para que consigamos construir uma proposta nacional”, disse.
O deputado é relator da PEC que tramita há 14 anos no Congresso Nacional e altera os artigos 49 e 231 da Constituição Federal para acrescentar às competências exclusivas do Congresso Nacional para demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Estabelece, ainda, que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulados em lei ordinária, e não mais por decreto do Executivo.
Serraglio informou que concluirá o relatório final em até um mês, quando o texto deverá ser votado na comissão e depois seguir para apreciação do Plenário. São necessários dois terços dos votos da Câmara Federal para a aprovação da PEC.
Segundo o deputado federal Reinaldo Azambuja (PSDB/MS), a PEC deverá assegurar os direitos dos índios e também o direito de propriedade aos produtores rurais com terras devidamente tituladas. “Quem foge do debate quer perpetuar o estado de insegurança, porque estamos aqui discutindo formas de resolver essa questão assegurando o direito de todos”, reiterou. O parlamentar rebateu críticas de que a PEC seria inconstitucional. “Cabe ao Congresso Nacional legislar sobre os bens da União e as terras indígenas são bens da União”, enfatizou.
O deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM) fez uma retrospectiva da ocupação de terras do Brasil, defendendo a correção de contradições na Constituição Federal de 1988.
“Como resolver princípios que se chocam, como o fato de que a nossa Constituição, ao mesmo tempo em que assegura o direito de propriedade, diz que terras indígenas devem ser expropriadas sem ônus?”.
Mandetta disse que o Governo Federal é omisso, somente se mobiliza em situações extremas, e reconheceu o empenho dos deputados estaduais, que têm feito a intermediação nas negociações entre índios e fazendeiros, com vistas a garantir a paz no campo.
“O deputado Jerson e os demais deputados têm se empenhado ativamente na busca por soluções”, afirmou. Também citou o Fundo Estadual para Aquisição de Terras Indígenas (FEPATI), de autoria o deputado estadual Laerte Tetila (PT), como importante mecanismo para a solução do impasse quanto ao ressarcimento aos produtores rurais. “Nesse sentido, Mato Grosso do Sul está na vanguarda da solução, porque já temos um caminho a seguir”, resumiu.
Para o governador André Puccinelli (PMDB), não basta somente garantir terras aos indígenas, mas implantar uma eficiente política indigenista, também assegurando o ressarcimento aos produtores.
“Os índios precisam de muito mais do que terras e o FEPATI, criado aqui pela Assembleia Legislativa demonstra que também é possível ressarcir os produtores”, afirmou.
Representando a Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul (Assomasul), o prefeito de Iguatemi, José Roberto Arcoverde (PSDB), lembrou dificuldades enfrentadas pelos gestores municipais para garantir atendimento em saúde e educação às famílias indígenas. “Às vezes, é preciso construir escolas em áreas invadidas, o que não é permitido, mas por outro lado não podemos deixar as crianças indígenas sem escola”, disse.
Para o desembargador federal Luiz de Lima Stefanini, que representou na conferência o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a PEC 215 será uma lei importante para inaugurar uma nova realidade: “hoje não temos lei para tratar do assunto, o que está sendo discutido não é uma desapropriação. O que será feito é pagar o preço justo aos proprietários”. “Há um esforço muito grande do Executivo e do Legislativo local em solucionar a questão, mas a solução deve vir de quem tem legitimidade para isso, que é o Congresso Nacional”, afirmou o desembargador Sérgio Martins, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/MS).
Em debate – A produtora rural Sônia Maria Ribeiro veio à conferência para reivindicar direitos e cobrar ação do Governo Federal. “Falta vontade para resolverem. O Governo Federal poderia chamar todo mundo para conversar e ver quem quer vender as terras”. Sônia informou que sua propriedade de 30 hectares, em Dois Irmãos do Buriti, está invadida há 12 anos. “Temos prova que lá nunca foi terra indígena e os índios da Aldeia Buriti reivindicam o nosso lar, onde tínhamos 130 cabeças de gado, plantávamos milho, cana e banana e agora fomos expulsos. É uma falta de respeito. A Justiça não tem consideração com a gente”, desabafou.
O presidente da Associação dos Criadores de MS (Acrissul), Francisco Maia, disse que “o que acontece no campo não é diferente do que acontece nas cidades: é a sociedade refém. O Estado que cobra altíssimos impostos e não oferece nem o sagrado direito à propriedade”. O presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Eduardo Riedel, informou que 80 áreas estão ocupadas em todo o Estado. “Temos o mesmo entendimento, mas não conseguimos avançar”, disse.
O cacique Guarani-Kaiowá Nito Nelson, da aldeia Água Bonita, disse que não quer mais “o sangue dos parentes escorrendo pelo chão”. Ele também afirmou: “Nós não invadimos terras, nós pegamos o que é nosso”. Já o índio Marcio Justino, do Movimento Indígena Terena, disse ser contra a PEC. “Tínhamos um avanço e agora estamos regredindo. Queríamos todos estar aqui, mas não estava na nossa agenda. Estamos em assembleia em Miranda discutindo inclusive esta PEC 215. Amanhã é o último dia do nosso encontro”, disse. “Queremos continuar com a demarcação de terra como é feita”, complementou.
O presidente da Associação Estadual dos Direitos dos Povos Indígenas, índio terena Danilo de Oliveira, disse que índios e produtores querem a pacificação no campo e elogiou a realização da conferência. “Fiquei muito contente com o convite para participar deste fórum, que tem como objetivo promover a paz”. Ainda assim, Oliveira disse ser contra a PEC. “Precisamos discutir. Queremos fortalecer a Funai, mas da maneira que está, da maneira que se impõe causa esta instabilidade rural”, disse.
Portas abertas – Os deputados federais ressaltaram a iniciativa de realização da conferência na Assembleia Legislativa. “Não há outro lugar em Mato Grosso do Sul que poderia abrir as portas e receber o povo para discutir uma questão tão importante”, afirmou o deputado Mandetta. Já Azambuja, disse que “nada mais importante do que realizarmos essa discussão na Casa do Povo e tenho certeza que teremos uma solução definitiva para a pacificação no campo”. Serraglio elogiou a organização da conferência e considerou produtivos os trabalhos. “É perceptível a preocupação de todos. A realização da conferência na Assembleia Legislativa serviu para mostrar, justamente, que é uma audiência pública e não uma discussão unilateral”, disse. “Foi dada a oportunidade de fala a todos que quiseram se manifestar”, ressaltou”.
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