No dia 27 de setembro de 1985, 17 famílias de trabalhadores rurais Sem Terra do município de Poço Redondo (Alto Sertão de Sergipe) ocuparam uma fazenda de 35.000 hectares, cuja maior parte fora grilada por um fazendeiro do município de Ribeirópolis.
Um mês depois, a ocupação contava com 360 famílias Sem Terra, oriundas dos municípios de Poço Redondo, Porto da Folha e Nossa Senhora da Glória. As famílias eram organizadas por sindicatos de trabalhadores rurais da região, e apoiadas por setores da Igreja e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que estava se formando no Estado.
Arnaldo Caetano dos Santos, hoje assentado na Barra da Onça, participou da ocupação. Na época, Caetano morava na cidade de Nossa Senhora da Glória, e vendia o dia de trabalho. “A região toda era fazendonas. Nas terras, não tinha produção. Era para guardar o gado dos ricos, dos grandões. Fora isto, não tinha nada.”
A era da Repressão
“A ocupação foi muito difícil”, lembra Caetano. “De noite, a gente não dormia. Estávamos com medo da Polícia.” Na época, o estado era dirigido pelo governador João Alves Filho (Partido da Frente Liberal, hoje Democratas). A repressão contra os trabalhadores era muito grande.
“Para andar com boné do MST, tinha que ter muita coragem”, diz Sival Lima de Jesus, um dos fundadores do MST no estado, hoje assentado na Barra da Onça. “Muitos chamavam a gente de ladrão de terras. A polícia bateu em muitas pessoas.”
Michel Dessy, conhecido como Guido Branco, foi uma das vítimas da brutalidade policial. Originário da Bélgica, Guido trabalhava na época na ajuda social da paróquia de Nossa Senhora da Glória.
Aos finais de semana, ele levava comida às famílias acampadas. No dia 5 de outubro de 1985, Guido estava visitando o acampamento, quando a polícia chegou e pediu que ele se afastasse. Ele se recusou: “Não quis me afastar, porque só tinha criança e mulher. Os homens estavam se escondendo no mato.”
Depois de ameaça-lo de morte, os policiais levaram Guido, junto com outro acampado, à delegacia de Poço Redondo. Lá, os policiais começaram a espancá-los. “Eram 10, 12 nos judiando. Babavam de tanto nos bater.” A experiência fortaleceu a vontade de lutar de Guido. “Eu disse ao delegado: se for assim que se trata o povo nesta terra, eu vou ficar. E fiquei!” Hoje, Guido é assentado na Barra da Onça.
Um assentamento pioneiro
Após um ano e meio de ocupação, as famílias conquistaram a terra. A fazenda se tornou um dos primeiros assentamentos da reforma agrária no Estado de Sergipe, um marco histórico na luta pela terra no estado.
Depois de serem assentadas, as famílias tiveram que iniciar a tarefa árdua de desenvolver o assentamento, com pouquíssimo apoio do Estado. “Nos primeiros anos, ficamos sem casa, sem água, sem luz.
Tivemos que derrubar o mato para poder plantar”, afirma Caetano. “Até a estrada, fizemos no braço.” A falta de água era outro problema: “Durante os primeiros anos, a gente só tinha direito a um litro de água para tomar banho. Eram duas horas só para buscar água.”
Trabalho coletivo
Aos poucos, os assentados começaram a plantar feijão, algodão e milho, criar gado e produzir leite. De acordo com Guido, o trabalho era coletivo: “Eu trabalhava quatro ou cinco dias de pedreiro para construir as casas de companheiros que, depois, vinham trabalhar quatro ou cinco dias na minha roça. Todos nós fizemos isto. Eram mutirões.”
A luta incansável das famílias deu frutos: “A melhora das condições de vida aqui é impressionante”, afirma Sival. “Hoje, todo mundo tem casa, luz, água, uma geladeira, uma moto”, acrescenta Guido. “Tudo isto chegou aqui graças à nossa luta”. “A vida melhorou muito”, confirma Caetano. “Era trabalhador alugado. Hoje, vivo para a minha conta. Precisa ainda de muita coisa, mas mudou.”
Hoje, é a cadeia do leite que movimenta o assentamento, com uma produção de 10 a 12 mil litros por dia. No Sertão, os assentados enfrentam uma grande dificuldade: a escassez de água. Nos três últimos anos, uma seca terrível assolou a região. Muitos perderam o gado.
Outros tiveram que vendê-lo. A produção de leite diminuiu. Para melhorar as condições, os assentados sonham com um pequeno sistema de irrigação: ”O terreno é muito quente, a chuva é pouca. Se tivesse um perímetro irrigado, a gente trabalhava muito bem com o nosso gado”, diz Caetano. Outro problema apontado pelos camponeses é a dificuldade de obter créditos dos bancos.
Rumo ao 6º Congresso
“A Reforma Agrária não acaba com a posse da terra”, ressalta Sival. É neste sentido que o dirigente participará do sexto Congresso nacional do MST em Brasília, entre os dias 10 a 14 de fevereiro deste ano. “Será o terceiro Congresso nacional do MST que vou participar.”
De acordo com o dirigente, este Congresso deve ajudar o movimento a reforçar o seu trabalho de base, para fortalecer a luta: “Temos que voltar para as bases, realizar estudos e discussões dentro dos assentamentos e acampamentos para melhorar a nossa organização. Só assim conseguiremos o nosso sonho da Reforma Agrária.”