Acuados pelo avanço da desertificação, que suga fontes de abastecimento, municípios do Noroeste de Minas decretam rodízio. Reações oscilam entre a disputa e a solidariedade
Por Mateus Parreiras, em EM
Arinos, Dom Bosco e Urucuia – A prosa entre os vizinhos nos passeios e das janelas das casas da pacata Dom Bosco, cidade de 4 mil habitantes, a 532 quilômetros de Belo Horizonte, tem hora para acabar. “Comadre, tenho de ir embora, que já são quase cinco da tarde e a água vai chegar em casa. Tenho ainda uma trouxa de roupas para lavar”, diz a dona de casa Maria das Dores de Jesus, de 80 anos, para a amiga Maria dos Santos da Silveira, de 76. A falta de água na cidade chegou a um nível tão crítico nesta seca que os moradores foram submetidos ao rodízio, com horário estabelecido pela prefeitura para fornecimento em cada área. “Se a gente perde tempo, não consegue encher a caixa. Aí, fica sem ter como lavar roupa, aguar as plantas, fazer comida fresca. Isso quando a água que a gente espera não falta por dois, três dias”, conta Maria dos Santos.
Segundo o secretário municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Marcus Vinícius Pereira, a estiagem prolongada e os processos de desertificação em algumas áreas tornam as secas cada vez mais dramáticas na zona urbana de Dom Bosco, como tem ocorrido em algumas comunidades rurais de outros municípios do Noroeste de Minas. “É o efeito direto da degradação que matou nossas nascentes e que fez secar muitos riachos, inclusive o Ribeirão Gado Bravo, responsável pelo nosso abastecimento”, conta o secretário, que teve o decreto de situação de emergência reconhecido em 20 de agosto.
Pelas ruas de Dom Bosco dá para sentir que o clima mudou. Os jardins das casas estão ficando ressecados; a grama, quebradiça; as árvores, desfolhadas. Nos canteiros centrais e praças o calor é mais poderoso que as poucas horas em que a água chega para irrigar plantas. Só se salva quem tem poços artesianos. Alguns até chegam a ajudar os vizinhos, como ocorre com o supermercado da cidade e o posto de gasolina, que ainda recorrem ao encanamento municipal e precisam pedir socorro quando falta água.
Torneira seca à beira do manancial
Essa situação é ainda mais irritante para pessoas como a dona de casa Maria dos Santos, que mora a menos de 50 metros do Ribeirão Gado Bravo, que desde abril não passa de um modesto filete no fundo do leito. Os mais de quatro metros da calha hoje só servem para indicar como era caudaloso o curso d’água. “A gente aqui está boba de ver como foi que o ribeirão baixou tanto. E eu, que fico pertinho dele, não consigo água nem para mim. Lembro que há alguns anos, quando a chuva vingava mais tempo, o Gado Bravo passava por cima da ponte e entrava nas casas. Isso não acontece mais”, lembra.
Farta de ter de programar sua vida pelo cronograma do fornecimento de água, a dona de casa Maria da Consolação Pereira, de 51, diz que não se importaria de pagar a mais para que uma empresa como a Copasa assumisse o fornecimento. “O pior de tudo é que a água que está vindo para a gente chega com um pó preto que suja as roupas todas. Tem de encher a caixa-d’água que a gente pôs no terreiro e ainda esperar esse pó baixar. Preferia pagar mais e ter sempre água boa na torneira.”
O secretário municipal de Agricultura e Meio Ambiente informa que um projeto de ampliação da captação para a cidade aguarda aprovação há três anos na Fundação Nacional de Saúde. Mas ele próprio considera a medida insuficiente para o futuro, se as nascentes continuarem a sumir.
Em Arinos, a 650 quilômetros de BH, as 40 famílias que vivem no distrito de Bom Jesus chegam a brigar por causa da água. “As cisternas estão vazias. Resta para eles o abastecimento por bombeamento, só que, quando se liga a bomba, a parte baixa fica sem água. Quando se desliga, é a de cima que fica sem. Assim, só metade da cidade consegue água por dia”, conta o secretário municipal de Agropecuária e Meio Ambiente, Joel Rodrigues Fonseca.
“Não tenho mais idade para buscar água com lata na cabeça. No caminho sinto tonturas, fraqueza e até deito no chão”, conta a agricultora Juscelina Pereira de Souza, de 69, que precisa percorrer um quilômetro para encher seus baldes em um riacho que ainda corre.
Próximo ao Norte de Minas, Urucuia também sofre desabastecimento. Diante do problema, o Exército assumiu a distribuição, com seis caminhões-pipa que auxiliam um da prefeitura. A população reclama, já que a quantidade de água para cada família é limitada e os militares não atuam onde a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil trabalha.
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas informou que acompanha a situação do Noroeste do estado e que, devido às fragilidades de disponibilidade hídrica e degradação ambiental, desde 2004 as políticas de outorga de água e licenciamento de atividades de impacto na região seguem as mesmas normas do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha.
Apesar disso, a região ainda não foi incluída nos programas de combate à desertificação estadual (PAE/MG) ou nacional (PAN). A Copasa informou que detém contrato de fornecimento de água para oito das 19 cidades do Noroeste de Minas e que esses municípios estão incluídos no Programa Água da Gente, que tem investimento total no estado de R$ 160 milhões e ampliará a distribuição até 2016.
Bebendo do brejo
A água esverdeada e parada que empoçou no fundo lamacento da nascente é o que sobrou para a família do pecuarista Antônio Marcos Pinto da Cunha, de 63 anos, dividir com o rebanho da fazenda em Arinos. As outras duas minas secaram, ainda em junho. “Se a chuva não vier até o fim deste setembro, não sei de onde vamos tirar água”, disse. A mangueira usada para captação tem de ser reposicionada todas as vezes que o gado se aglomera nas margens e disputa espaço para matar a sede.
15%
É o índice de umidade que algumas áreas do Noroeste atingem durante a seca. O patamar é comparável ao dos desertos, que é quatro vezes menor do que a média considerada saudável pela ONU.
Encroado na espiga
Espigas em plantações extensas, de perder de vista, definham nos pés que não evoluíram em Garapuava, distrito de Unaí. Para os agrônomos, a culpa é das décadas de desmatamentos, incêndios e erosões, associadas à falta de chuvas e calor intenso. Os pés de milho e de sorgo só podem ser aproveitados como palhada para outra tentativa de plantio.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.