Paulo Virgilio* – Agência Brasil
Brasília – Os 20 anos da Chacina de Vigário Geral foram lembrados ontem (29) com uma vigília na própria comunidade. Na praia do Leme, zona sul do Rio, em mais uma iniciativa do movimento Rio de Paz, um “cemitério simbólico” foi montado na areia, com 21 cruzes simbolizando cada uma das vítimas da chacina, além de um caixão.
Mensagens afixadas nas cruzes mencionam a profissão de cada uma das vítimas e chamam a atenção para a continuidade da violência policial no Rio, com a frase “A cidade continua partida. Cadê o Amarildo?”. A pergunta é uma referência ao caso do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido desde o dia 14 de julho, na comunidade da Rocinha, após ter sido levado por policiais à sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade.
A chacina foi na madrugada de 29 de agosto de 1993, quando cerca de 50 homens encapuzados, armados com metralhadoras, escopetas, pistolas e granadas invadiram a favela de Vigário Geral, na zona norte do Rio, arrombaram casas e atiraram de forma indiscriminada nos moradores. Vinte e uma pessoas foram executadas – todas com endereço fixo, profissão definida e sem antecedentes criminais.
A matança foi motivada por vingança. No dia anterior, quatro soldados do 9º Batalhão da Polícia Militar tinham sido assassinados na Praça Catolé do Rocha, vizinha à favela, em um crime atribuído a traficantes de drogas que atuavam em Vigário Geral. Os autores da chacina eram policiais militares de um grupo conhecido como “Cavalos Corredores”, por causa de sua maneira de agir. Eles entravam nos locais correndo, atirando e aterrorizando os moradores.
A Chacina de Vigário Geral somou-se a outros massacres ocorridos no Rio de Janeiro. No dia 23 de julho daquele ano, cerca de 50 crianças e adolescentes que dormiam nas proximidades da Igreja da Candelária, no centro da cidade, foram alvejados por policiais. Oito morreram. Nos anos seguintes, três sobreviventes dessa chacina morreram em confrontos com a polícia.
Ocorridas no segundo mandato do governador Leonel Brizola (1991-1994), as duas chacinas tiveram repercussão em todo o mundo e mobilizaram organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. Dos 52 policiais militares acusados formalmente da matança em Vigário Geral, apenas sete foram condenados e só um continua preso. Três foram absolvidos no segundo julgamento, um morreu e dois foram beneficiados com a liberdade condicional. Cinco acusados morreram antes do julgamento e dois estão foragidos. Os demais foram absolvidos ou nem chegaram a ser responsabilizados.
Hoje a organização Anistia Internacional divulgou nota cobrando responsabilização criminal de todos os envolvidos no massacre de Vigário Geral. A entidade pede que o Estado brasileiro acabe com a impunidade, “conduzindo investigações imediatas, completas, independentes e imparciais sobre todos os casos de violações de direitos humanos nos quais policiais e forças de segurança estejam envolvidos”.
Com o título Vigário Geral: vinte anos de impunidade, a nota da Anistia faz um retrospecto do episódio e lembra que quatro dos absolvidos são também réus no assassinato de Ediméia da Silva Euzébio, uma das mães de Acari, morta em 1993, cujo processo continua em andamento.
A Anistia Internacional chama a atenção também para o fato de o Poder Judiciário ter negado provimento a ações civis de indenização promovidas por algumas famílias de vítimas da chacina. “O sentimento de injustiça e impunidade permanece entre os familiares, sendo que a viúva de uma das vítimas faleceu nesse período”.
Por iniciativa da Associação de Familiares de Vítimas da Chacina de Vigário Geral, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro sedia hoje (30) um debate sobre os 20 anos da chacina. Segundo os organizadores, o evento será um ato cívico em defesa da Justiça e contra a impunidade.
O debate será das 10h às 13h, no Tribunal do Júri do antigo Palácio da Justiça, e terá participarão do desembargador José Muiños Piñeiro Filho, que atuou no caso como promotor até 1997, o jornalista e escritor Zuenir Ventura, autor do livro Cidade partida, sobre a chacina, o sociólogo Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, Otávio Leite (PSDB-RJ); Iracilda Toledo Siqueira, cujo marido foi morto na chacina, e um representante das favelas cariocas. A mediação será do jornalista Jorge Antonio Barros.
*Edição: Nádia Franco