Por SocialistaMorena, em CartaCapital
A primeira coisa que quero dizer é que não acredito na possibilidade de estarem tramando um golpe militar no Brasil. Não sou ingênua de ignorar que muita gente gostaria que isso acontecesse, mas não acho que isso seja possível. Apesar dos saudosos da ditadura, a democracia em nosso país está consolidada, tenho certeza. Minha preocupação neste momento é que existam interessados em desestabilizar a nação, o que seria quase tão dramático quanto um golpe. E infelizmente não estou certa se, como querem os meios de comunicação, os arruaceiros sejam uma “minoria” dentro das manifestações legítimas que ocorrem em várias capitais nas últimas semanas. Também tenho dúvidas de que estejam atuando de forma desorganizada, sem atender a um comando.
A maioria dos que estão nas ruas mostrando sua insatisfação com a política e o governo, mesmo os menos politizados, está ali porque quer um Brasil melhor e merece todo o nosso respeito. Mas eu gostaria de saber quem os convocará para ocupar as ruas e até fechar rodovias (!) agora que o problema da tarifa, reivindicação primordial dos protestos, foi solucionado. Pergunto a você: se você for se manifestar amanhã ou na próxima semana, estará indo chamado por quem? Irá às ruas convocado por uma entidade em quem confia e conhece ou a convite de qualquer uma? Você poderia me dizer: “Ah, eu vou por conta própria”. Mas a dinâmica de uma manifestação não é essa: entidades (sindicatos, ONGs, partidos, meios de comunicação, movimentos sociais) convocam e pessoas vão. É assim que funciona. Estes protestos começaram com uma convocação feita pelo MPL (Movimento Passe Livre).
Recebi um link onde aparecem 20 entidades de extrema-direita no Facebook convocando para uma manifestação no dia 10 de julho (veja aqui). São entidades como “Amigos da Direita”, “Anti-Neoateísmo”, “Cristianismo Online”, “Militarismo Minha Vida”, “Igreja Internet Para os Necessitados”. Você, cidadão progressista de qualquer idade, e você, jovem, quer mesmo dar representatividade a essa gente? Os problemas do Brasil são muitos. Mas nenhum está relacionado a algo ligado a estes grupos, por favor. Pelo contrário, alguns dos problemas são consequências de alguns deles. Cuidado ao engrossar fileiras. Como dizem os espanhóis: ¡Ojo! Abre o olho, gente bacana.
Vejo, a cada dia, políticos e jornalistas tentando “explicar” as manifestações, mas me impressiona que só se concentrem nos bem-intencionados, que são a maioria. Apesar de questionar a ausência de foco dos manifestantes e sentir falta de vários temas específicos nas reivindicações, eu não tenho dificuldade nenhuma em saber por que estão protestando, até acho que demorou: por melhor saúde e educação, melhores serviços públicos, contra a corrupção, contra os gastos da Copa. Mas e os arruaceiros? O que fazem lá? É só gente brigona? Sei não, tenho visto uns vídeos aí de arrepiar os cabelos. Ontem à noite recebi um texto do historiador Guilherme Scalzilli que relata sua experiência acompanhando a manifestação em Campinas (SP) e faz algumas perguntas pertinentes (íntegra aqui):
“Quem são os bandidos mascarados que transformam uma passeata reformista em cenário de guerrilha? Por que se dirigiram a um ato pacífico levando bombas e rojões? O que pretendem conseguir incendiando e depredando o espaço público? Quem os financia, os incentiva, os organiza? O que explica o fato de todos os ataques fascistas exibirem certos padrões comuns, desde as vestimentas dos imbecis até os seus métodos de provocação e ataque?”
O pessoal do MPL já disse que não pretende “dar calendário” para reacionários, uma expressão bem dos movimentos sociais. Dar calendário significa propiciar a um grupo que se cole, pegue carona em uma iniciativa de outro. Não sei se vocês sabem, mas um grupo que se intitula “Marcha do Vinagre” já mostrou não ter intenção de permitir que feministas se juntem a eles (leia nota de repúdio assinado pelas meninas da Marcha das Vadias aqui). Lembrem-se também que os partidos foram banidos dos protestos e militantes de esquerda foram espancados em várias manifestações nos últimos dias. Algumas pessoas apanharam mesmo sem serem ligadas a partidos, apenas por estarem usando roupas vermelhas. O “apartidarismo” deste movimento se traduz, na visão dos arruaceiros, em um antipartidarismo e anti-militância política violentos. Você quer dar calendário a essas pessoas? Jura?
No pronunciamento público de sexta-feira à noite Dilma Rousseff (que é presidente de todos os brasileiros, todos, mesmo de quem não gosta e não votou nela), chamou a atenção para uma coisa importante e cara a nós, como nação: a hospitalidade de nossa gente. Os preparativos e obras para a Copa do Mundo têm vários problemas cuja reparação sempre poderemos exigir em novas manifestações. Acho extremamente positivos os protestos (pacíficos, claro) contra a Copa. Mostram que o brasileiro já não é mais o cordeirinho que se poderia engambelar com ópio em forma de esporte.
Atualmente estamos sediando a Copa das Confederações. Temos atletas de sete países nos visitando. Não há dúvida que é um evento importante para o Brasil, para a maneira como nos vêem desde fora. Os olhos do planeta ficam, para o bem e para o mal, voltados para cá. Estamos insatisfeitos, todos, com a política, com os políticos, com os rumos do país. Mostramos para o Brasil e para o mundo, quando poderíamos estar só torcendo pela seleção, que somos cidadãos que sabem se levantar por seus direitos e que não estamos deitados em berço esplêndido. Espero, inclusive, que este ânimo não arrefeça nunca mais.
Mas há, neste momento dois rumos a seguir: ou continuamos nessa toada de protestos cientes de que estamos nos aliando e de certa forma sendo cúmplices deste grupo estranho, para dizer o mínimo, e corremos o risco de jogar o país numa convulsão social ao mesmo tempo que hospedamos um evento internacional de futebol; ou nós fazemos uma trégua. Não há uma terceira opção.
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Enviada por José Carlos para Combate Racismo Ambiental.