A reflexão é muito pertinente, dentro de um contexto onde a polícia militar usa spray de pimenta sem motivo e se toma tiro de chumbo, não de borracha
por Joseh Silva* – Carta Capital
Na sexta-feira, 14, um dia depois do protesto no centro de São Paulo, aconteceu um encontro em Embu das Artes, que fazia parte do Percurso em Defesa da Diversidade Cultural / Juventude Periférica e seus desafios, organizado pela Agência Solano Trindade, Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo e Círculo Palmarino. O debate era sobre a redução da maioridade penal, e que chamou a atenção, entre outras ideias, foi o questionamento do cantor e articulador cultural Baltazar Honório: “Será que um jovem da periferia que, sem motivo algum, sofre com a repressão policial, sairia da sua quebrada para ir para o centro, participar das manifestações e bater de frente com seu opressor cotidiano?”
A reflexão é muito pertinente, dentro de um contexto onde a polícia militar sempre se comportou como o inimigo que oprime. Em um ambiente onde se apanha de cassetete; se usa spray de pimenta sem motivo; se toma tiro de chumbo e não de borracha; onde as piores humilhações (físicas e psicológicas) acontecem, pode nascer muito ódio e revolta, não a submissão. A PM sempre foi vista, pela periferia, como uma corporação que não dialoga com as reais necessidades da juventude, que, até certo ponto, é passiva, mas não absorve mais o discurso dos jornais televisivos sensacionalistas das tardes. Que, em sua maioria, sempre incentivou a repressão nas bordas da cidade.
Apesar de diariamente sofrerem nas mãos de tiranos, os jovens da periferia estão encarando de frente aqueles que os vêm humilhando há anos. Pegam ônibus, passam por baixo da catraca e se juntam com milhares de pessoas de todas as classes e etnias para brigar por uma cidade mais justa e igualitária.
“Fomos fortalecer os caras, mas eles também têm que fortalecer a quebrada”. Este é o ponto de vista de William Basto, 20 anos, morador do Jardim São Luís. Basto, mais três e amigos – Douglas Neves, 17 anos, Pedro Rocha, 19 anos, e Cayame Pereira, 18 anos – saíram da periferia em direção ao centro na última quinta-feira para apoiar a manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus.
Não é a primeira vez que Basto participa de passeatas na região central. Já esteve em outros atos e se manifesta todos os meses através do Sarau Preto no Branco, organizado por ele e outros amigos. E ele não é o único jovem que vem lutando e participando de protestos. Isaac Faria, 20 anos, morador do Jardim Vera Cruz, região extrema do Jardim Ângela, divisa entre São Paulo e Itapecerica da Serra, têm que atravessar diariamente a Estrada do M’Boi Mirim, que frequentemente passa por manifestações. Faria participou de diversos atos que aconteceram na estrada.
A juventude periférica (sobre)vive cotidianamente. A ineficiência do governo gerou problemas sociais e provocou sequelas graves numa geração que, hoje, se juntou e estão se manifestando nas ruas, nos bares, nas lajes, nos becos e vielas da cidade.
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*Jornalista e morador e articulador no Campo Limpo, zona sul de São Paulo.