Acabo de chegar de Sidrolândia, da área de conflito na fazenda Buriti, fui fazer uma cobertura especial da situação pelos movimentos sociais de Mato Grosso do Sul. Nunca na minha vida me senti tão jornalista como hoje, foi um momento único, que jamais será apagado de minha memória.
Não consegui ficar sentada no sofá da minha casa assistindo as barbaridades que foram cometidas e ver a nossa imprensa, em sua grande parte, noticiando aquilo que os latifundiários hipócritas querem e por isso me armei com a minha munição: máquina fotográfica, bloquinho, caneta e gravador e fui à luta. Chorei muito, me emocionei e minha revolta só aumentou ao ver esse povo tão sofrido lutar pelo que é seu de direito e ser tão massacrado.
Colhi depoimentos únicos, compartilhei da dor dos meus irmãos indígenas ao ver os olhos deles se encherem de lágrimas quando falaram da perda de um jovem guerreiro, Oziel Gabriel, de 32 anos, que foi brutalmente assassinado por policiais e da violência que deixou 28 pessoas feridas.
Detalhe importante: Oziel foi morto fora da terra invadida, onde estava acontecendo o confronto propriamente dito; foi assassinado em terra homologada. A aldeia 10 de maio fica muito próxima à fazenda Buriti, por isso também é impossível mulheres e crianças não estarem vivenciando este terror.
Os relatos deixam claro que a “tentativa” de retomada de posse da fazenda Buriti foi desastrosa, todos os indígenas contam a mesma história, sem mudar uma vírgula, com vozes embargadas: “A policia chegou e foi uma verdadeira guerra. Eles chegaram atirando, descendo bala, com muito gás lacrimogêneo e violência. Não teve diálogo, eles nem conversaram”.
Nesse momento os indígenas, que chegaram a sair da fazenda Buriti após o confronto com a Polícia Federal e Militar, retornaram para as terras e afirmam com todas as letras que não irão sair de lá em hipótese nenhuma, pois não viram tanto sangue inocente derramado à toa e que a luta continuará até o fim.
O clima é muito tenso, de terror mesmo, são aviões sobrevoando a área o tempo todos, avisos de que as forças policiais podem retornar. Essa é a realidade que cerca de 3.800 indígenas estão vivendo e eu tenho certeza, pois ouvi isso, de que eles irão dormir essa noite sem saber se acordarão vivos amanhã.
Hoje meu sangue é terena, meu coração é terena, minha mente é terena e o que eu puder fazer para dar voz a esse povo eu farei, pois eles precisam de muito apoio e solidariedade nesse momento de dor.
Estou separando as fotografias e trabalhando no material que consegui colher, com algumas restrições, pois tudo – desde a foto a quem vai falar – é supervisionado pelas lideranças indígenas, que estão mais do que certas em cuidar disso depois de tudo que eles passaram.
Conforme for produzindo e conseguindo repercussão vou dividindo com vocês. Nas fotos abaixo tem o momento de uma reunião de alguns indígenas com o advogado Ilmar Renato Fonseca (Mamão) e com o vereador douradense Dirceu Longhi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, alguns caciques e a munição utilizada pela polícia durante a invasão, encontrada pelos índios no chão da fazenda.