“Testes provam que aparência e DNA se confundem no país”

Cláudia Collucci, de São Paulo

A mulata Célia da Silva se autodeclara “muito preta”, mas menos de 10% dos seus genes são de origem africana. A loirinha Milene da Costa se classifica como “muito branca”, mas tem 37% de ancestralidade africana.

Ambas moram na periferia de São Paulo, são de famílias de baixa renda e sempre estudaram em escolas públicas.

“Não esperava, mas adorei saber [da ancestralidade africana]”, afirma Milene, 17, que imaginava ter pelo menos 40% de ancestralidade europeia -tem somente 11%.

Célia, 21, apostava que 60% da sua ancestralidade era africana, mas sua predominância genética é europeia (73%). “Já esperava, mas não sabia que era tanto.”

As duas integram um grupo de 12 pré-vestibulandos elegíveis para cotas nas universidades, segundo a lei federal, em algum dos três critérios (alunos de escola pública, baixa renda ou cor).

Os alunos aceitaram ter o perfil genético investigado. Os testes foram feitos pela clínica Gene, de Belo Horizonte, a pedido da Folha.

MISTURA GENÉTICA

Os resultados mostram que os estudantes, assim como grande parte da população brasileira, guardam uma mistura genética muito mais complexa do que sua aparência física possa sugerir.

Oito dos 12 estudantes, inclusive quatro que se autodeclaram negros ou pardos, tendem a ser mais favoráveis às cotas destinadas aos egressos de escola pública, chamadas de sociais, do que às cotas puramente raciais.

“A cota social é mais bem-vista e, indiretamente, já beneficia o negro. A racial é muito importante, mas, às vezes, gera mais preconceito”, declara Célia.

Clarisse Antunes, 18, que se autodeclara negra (tem 60% de ancestralidade africana), acredita que as cotas sociais beneficiam muitas pessoas que não têm base para ingressar numa faculdade. “Mas as cotas raciais ainda são necessárias”, afirma.

Júnior Ramalho Franco, 20, que se “acha” pardo (tem 1,8% de ancestralidade negra), é pró-cotas sociais por pensar que incluem pretos e brancos pobres. “Está todo mundo no mesmo barco.”

Para Johnny da Silva, 23, “moreno de sol” (93,5% de ancestralidade europeia), as sociais são mais “democráticas”. “Vamos disputar nós contra nós mesmos, brancos, negros ou pardos.”

Já Luan Perosa Chitto, 21, branco (89,2% de ancestralidade europeia), defende que as cotas raciais devam existir independentemente das sociais. “A sociedade ainda tem uma dívida grande com eles. Pobre branco sofre preconceito, mas pobre preto sofre muito mais. Eu nasci e vivo na periferia e sei disso.”

Segundo frei David Santos, ativista da causa negra e presidente da Educafro, há um bombardeio da sociedade contra as cotas raciais, e o resultado é que até os negros são influenciados por ele e passam a considerar as cotas sociais uma opção melhor.

“Vários setores da sociedade, principalmente a mídia, têm insistido na tese da genotipagem. É uma tese equivocada, maldosa. O preconceito é no fenótipo, e não no genótipo. Quanto mais negro o cidadão é, mais chances ele tem de apanhar da polícia.”

http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1205708-testes-provam-que-aparencia-e-dna-se-confundem-no-pais.shtml

Comments (1)

  1. Reitero as palavras de Frei David “O preconceito é no fenótipo, e não no genótipo.” Reconhecer os avanços da ciência não é reduzir as questões sócio-históricas a um teste de DNA.
    O cuidado nos argumentos deve estar justamente em não minimizar os aspectos sobre os quais se pautam o preconceito, pois a tese de mestiçagem já está consolidada no senso-comum e isso não diminui ou arrefece as diferenças “aparentes”…

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