Os danos ocasionados pelas empresas de reflorestamento no Tocantins

Mayron Régis

“Todos descendemos de “O Capote” de Gogol”. Nessa frase Fiodor Dostoievski principiou a literatura moderna russa a partir da presença de Nicolai Gogol, escritor da primeira metade do século XIX, e dos desdobramentos de um dos seus contos mais lidos: “O Capote”. Gogol escreveu sátiras sobre a Rússia rural e pré-capitalista. Em seus contos e em seu romance “Almas Mortas”, uma Rússia está prestes a desaparecer e em seu lugar surge uma nação ainda sem rosto ou sem nariz.

Dessa Rússia em desamparo, o que mais comove é a dificuldade de sobreviver sem as mínimas condições básicas numa situação extrema que é o inverno russo. Na história da literatura universal nenhuma outra literatura fez valer a força de um fenômeno climático para retirar o que nele repousa de terrível, magnifico e enigmático.

Não se destitui fácil o inverno da sua imponência assim como não se destituiu fácil a servidão na Rússia. Um caso que talvez rivalize com a literatura russa seria a literatura regionalista do Brasil mais propriamente “Os Sertões” de Euclides da Cunha, “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa, “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, “Chapadão do Bugre”, de Mario Palmerio, e “Chove Chuva nos Campos de Cachoeira”, de Dalcidio Jurandir. Os autores brasileiros diferem dos russos pela diversidade de ambientes e pela diversidade de linguajares. A escola naturalista possibilitou uma interpretação “mais cientifica” do Brasil obedecendo aos moldes das escolas europeias.

O ambiente determina o modo de agir das pessoas. Isso é muito fácil de  comprovar e compreender em obras como “O Cortiço” e “O Mulato”, de Aluizio de Azevedo. Transportar conceitos científicos para a literatura, certamente, traria perturbações a ordem interna de um romance, de um poema ou de um ensaio. Uma das perturbações passa pela ideia de que os modelos artísticos se submeteriam a Ciência como se fossem seus servos incondicionais.  Da verdadeira arte deve se esperar insubordinação e não o contrário. O transporte de conceitos científicos causou perturbação na compreensão da obra de arte mas também causou perturbação na compreensão da Ciência como forma de conhecimento.

O valor de uso de um conhecimento coincide com o valor de um conhecimento? É óbvio que não. Contudo a sociedade moderna insiste na confusão entre valor de uso e valor em si. Os escritos de Nicolai Gogol ridicularizam essa confusão porque, na verdade, o valor de uso varia e o valor em si pode nem existir. “O Capote” conta a história de um funcionário público cujo capote é roubado em pleno inverno russo. Passados alguns dias, não consegue comprar outro e acaba morrendo. Antes de morrer, ele recorre a várias autoridades que não lhe dão ouvidos. Quem usava o capote era ele, quem sabia o seu valor era ele. A obra mais importante de Gogol é “Almas Mortas” onde um funcionário viaja ao interior da Russia para comprar camponeses mortos antes que os proprietários declarem ao governo seu falecimento. A personagem de Gogol comprava “almas mortas” porque era barato, porque podia leva-los aonde quisesse, podia vendê-los sem que o comprador duvidasse e etc. Seria o golpe perfeito, contudo não deu certo.

O dia-a-dia do capitalismo se vive em busca do golpe perfeito. Sonha-se com o golpe perfeito. Aquele que derrotará o inimigo. Aquele que abençoará o escolhido. A indústria do reflorestamento golpeia perfeitamente. Pelo menos, no Tocantins. Dados recentes demonstram que o estado Tocantins voltou a segunda colocação no ranking de trabalho escravo. A indústria de reflorestamento incrementa o trabalho escravo no Tocantins. Não são poucas as áreas em que situações análogas a trabalho escravo foram descobertas. Uma das descobertas foi justamente na fazenda Vale do Canoa III, no município de  Darcinópolis, de propriedade da Siderúrgica Viena, sediada em Açailândia.

A empresa Viena, em seu sítio na internet, noticia que 40 mil hectares foram reflorestados com eucalipto. A constatação de situação análoga a trabalho escravo pelo ministro público do trabalho causa impacto. Ela vai gerar procedimentos administrativos contra a empresa que pagará os direitos dos trabalhadores. Contudo, a constatação apenas atenua os danos ocasionados pela Siderúrgica Viena. No frigir dos ovos, a empresa ou empresário conta com vários fatores para que ninguém fique sabendo do seu crime. As empresas ou empresários usam d desconhecimento do terreno por parte dos trabalhadores e da ameaça física ou da ameaça de não receber os seus direitos. Qualquer indenização paga pela empresa fica aquém da perda material, perda subjetiva e perda coletiva ocasionada pela produção de eucalipto ou qualquer outra cultura.

http://www.territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com.br/2012/11/os-danos-ocasionados-pelas-de.html

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