Questões ambientais continuam atingindo comunidades no entorno dos grandes empreendimentos

Moradores de Santa Cruz, bairro do Rio de Janeiro, sofrem com partículas expelidas pelo processo industrial conhecidas como ‘chuva de prata’.

Viviane Tavares

“Quando a gente caminha no chão parece um espelho”. Esta não é a primeira vez que o morador e pescador da Baía de Sepetiba Elias de Deus convive com o episódio da ‘chuva de prata’ que, segundo moradores, tem presença constante no bairro de Santa Cruz, localizado na zona oeste do Rio de Janeiro. Esta semana, nos dia 28 e 29 de outubro, mais uma vez esta cena se repetiu nos arredores da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), instalada em 2010. Este cenário é só mais um diante da instalação de diversos outros grandes empreendimentos espalhados pelo país nos quais prevalecem os interesses econômicos diante dos sociais, ambientais e de saúde.

De acordo com a assessoria de imprensa da empresa, o episódio da chuva de prata não é constante e, antes do ocorrido nessa semana, só havia acontecido outras duas vezes, em agosto e dezembro de 2010. A companhia alega a também que a substância dispersada é o grafite, material não tóxico à população. Mas essa análise é contestada por pesquisadores da Fiocruz e da Uerj no relatório ‘Avaliação dos Impactos Socioambientais e de saúde em Santa Cruz ‘, que constatou que, na precipitação, havia a presença de ferro, cálcio, manganês, silício, entre outros. 

Por conta deste primeiro incidente, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) multou a TKCSA em R$ 2,8 milhões pela poluição atmosférica e estipulou uma compensação socioambiental indenizatória de R$ 14 milhões. Sobre o incidente recente, a empresa explica que ainda está investigando o caso e que não realiza desde o dia 22 de outubro o processo de cambagem de ferro-gusa, que é o resfriamento do aço ainda líquido para a construção de placas metálicas dando origem a essas partículas que dispersam no ar. “A ThyssenKrupp CSA informa que está investigando a origem do pó de grafite que atingiu as comunidades mais próximas da usina. As autoridades ambientais já foram avisadas pela empresa”, explica a nota enviada à EPSJV. De acordo com a TKCSA, desde março a empresa conta com um sistema de despoeiramento, atestado oficialmente pelo Inea, de acordo com ofício expedido no dia 1º de outubro. “O sistema, que está em operação desde abril e tem sido monitorado continuamente pelo órgão ambiental, minimiza os riscos de emissão durante a cambagem do ferro-gusa”, explica. O sistema custou à TKCSA R$ 33 milhões.

A implantação do equipamento é parte do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 30 de março, com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Pelo acordo, a ThyssenKrupp CSA se comprometeu a adotar 134 medidas, que vão desde a pavimentação de ruas dentro do complexo industrial até a produção de estudos sobre dispersão atmosférica.

O morador de Santa Cruz Rodolfo Lobato disse que a população já tem ciência de que foi instalado este equipamento, mas que até agora eles não viram a mudança que ele deveria provocar. “Desde março eles colocaram um filtro para que a substância não saia do processo industrial. Se reconheceram o erro, é porque alguma coisa tinha. No entanto, a chuva continua e a incidência é mais à noite ou nos fins de semana”, explica Rodolfo. A empresa alega que a monitoria do sistema é feita constantemente pelo Inea, a partir de câmeras instaladas nas partes críticas de produção.

A economista Sandra Quintela, do Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) e que vem acompanhando junto à população atingida o impacto da TCKSA, lembrou também que a empresa ainda não tem a licença definitiva para atuar na região. “Apesar de a empresa dizer que está cumprindo sua obrigação com o Termo de Ajustamento de Conduta, que já é um escândalo, ela não tem a licença de operação definitiva. Embora esteja em funcionamento, ela só tem a liberação de instalação. Esta é mais uma evidência do desrespeito com a população e com a legislação brasileira”, explica.

Atualmente a empresa enfrenta uma série de processos jurídicos. Existem duas ações penais por meio do Ministério Público do Rio de Janeiro por conta dos crimes ambientais provocados, além de cerca de dez ações de compensação de associações de pescadores e mais de 200 ações civis movidas pela Defensoria Pública em nome de famílias que moram ao redor da companhia.

Problemas de saúde

De acordo com laudos médicos realizados pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz) e pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/Uerj), desde a instalação da empresa, a população tem prestado queixas como problemas respiratórios, dermatológicos e oftalmológicos. “O que está acontecendo lá é um crime com aquela população. As pessoas estão desamparadas, sem voz e sem serviço público de saúde. Por conta do que aconteceu nesta semana, já pedimos, inclusive, que a Fiocruz mande uma equipe técnica para acompanhar a população, que já aponta sinais de problemas de saúde”, informa Sandra. Para acompanhar o processo, os moradores de Santa Cruz fundaram a Articulação da População Atingida pela Companhia Siderúrgica do Atlântico junto a pesquisadores e entidades.

O relato de vários moradores endossa os resultados apontados pela pesquisa realizada pela Fiocruz e Uerj. “Meu sobrinho e minha mãe estão com problemas respiratórios que antes não tinham.. Não estamos brigando para que eles saiam, mas que sigam os padrões que têm que seguir. Por que não foram aceitos no país deles e agora vêm para cá? Quem está sentindo na pele somos nós”, reclama Elias de Deus. A instalação da companhia foi recusada em seu país de origem, a Alemanha, por conta da legislação ambiental local.

Preocupação com a imagem

Em pesquisa que a TKCSA encomendou ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) sobre a sua própria imagem, e que foi divulgada no mês de agosto, o meio ambiente e a poluição são os fatores que causam maiores preocupações entre os moradores de Santa Cruz mais próximos da TKCSA. Na pesquisa, a pergunta sobre qual é a relação da empresa com a região, o resultado deu empate entre a geração de emprego e a poluição do ar. A ‘chuva de prata’ também foi lembrada na pesquisa, na qual 43% dos moradores da Reta João XIII, localidade mais próxima da TKCSA, afirmam perceber a presença da substância, embora com menos frequência que no passado. “Aproximadamente metade dos pesquisados possui percepções ambivalentes, por estar associada à poluição e geração de empregos, destruição do meio ambiente e contribuição para o desenvolvimento da região”, aponta o relatório.

Como estratégia de imagem e decorrente de acordo firmado com a secretaria estadual do ambiente, a TKCSA investiu R$4 milhões na construção do prédio clínica da família na avenida João XXIII inaugurada em junho deste ano. O Colégio Estadual Erich Walter Heine, considerado a primeira instituição de ensino ecológico da América Latina construída dentro dos padrões da certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) de sustentabilidade, é resultado também da parceria entre a TKCSA e a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro e é uma das contrapartidas do benefício fiscal concedido à empresa.

http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Noticia&Num=698

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