Por um choque de capitalismo no Maranhão

Ed Wilson Araújo*

O assassinato do jornalista Décio Sá trouxe à tona um tema relevante para o debate político no Maranhão –a agiotagem e suas circunstâncias.

Mas antes de ser taxado de alguma heresia ideológica, este texto merece um preâmbulo: não negamos a existência do capitalismo no Maranhão, apenas tecemos uma crítica ao tipo de modelo econômico predominante no estado.

Preso ao atraso político, o Maranhão é governado por uma aristocracia parasitária entranhada nas estruturas da administração pública, impedindo o avanço das forças econômicas produtivas do capitalismo contemporâneo.

Desde meados da década de 1960 o Maranhão foi transformado no eldorado do latifúndio, atraído pela Lei de Terras, que entregou imensas áreas devolutas a diversos grupos econômicos.

O latifúndio – associado à grilagem – transformou o Maranhão em um grande palco de violência provocada por fazendeiros e grupos financeiros que se apossaram de largas faixas de terra.


Mineração, soja e Eike Batista

Na década de 1980 incorporou-se um novo ciclo econômico pautado nos “grandes projetos” mínero-metalúrgicos com a implantação da Vale do Rio Doce e da Alumar.

Estes enclaves econômicos foram propagados como tábuas de salvação do Maranhão, em fartas doses de mágica publicitária, sem qualquer avanço nos indicadores econômicos.

Mais de 20 anos depois de implantadas, a Vale e a Alumar deixaram um rastro de degradação ambiental, geração de empregos abaixo do esperado e quebradeira de várias empresas atreladas ao ciclo do minério de ferro da Vale.

O latifúndio improdutivo e os enclaves econômicos empurram diariamente uma considerável população rural ao trabalho escravo e infantil, piorando a imagem do Maranhão no cenário nacional e internacional.

A partir da década de 1990 o agronegócio da soja surge como nova promessa de progresso, pautado na mesma linha de degradação ambiental, concentração de terras e, mais grave, destruição do bioma cerrado – fundamental no equilíbrio ecológico do planeta Terra.

Recentemente, a instalação de uma fábrica da Suzano, na região tocantina, festejou o ingresso da cultura do eucalipto no cenário dos “grandes projetos” do Maranhão.

O Maranhão do século XXI é também o “celeiro” de petróleo e gás, celebrado nas manchetes pirotécnicas encomendadas pelo milionário Eike Batista, que vê “duas bolívias” de gás em nossas terras perfurantes.

E quando o mundo inteiro tenta se desenvolver reduzindo os impactos ambientais, os operadores de Eike Batista enfiaram em São Luís a chaminé do inferno – uma termelétrica a carvão mineral nas proximidades do Porto do Itaqui.

O capitalismo predatório tem, no Maranhão, todas as portas abertas.


Terra de contrastes

Pautado única e exclusivamente nos enclaves econômicos, o Maranhão é propositalmente impedido de acessar novos agentes produtivos, capazes de formar grupos econômicos em diversas áreas com potencial geração de emprego e renda.

“Maranhão Novo”, “Um Novo Tempo”, “Tempo de Novas Conquistas” e outros tantos bordões publicitários, em sucessivos governos do mesmo grupo político, sedimentaram uma forma de governar nociva aos interesses da maioria da população.

O Maranhão se modernizou com a ferrovia Carajás e o Porto do Itaqui, mas não se desenvolveu. Basta ver os contrastes entre a península da Ponta d’Areia e os arredores da cidade, onde a pobreza salta aos olhos tanto quanto os apartamentos de R$ 5 milhões comprados à vista.

No processo de asfixia do desenvolvimento, o grupo hegemônico agiu em duas frentes: impediu a atração do capitalismo competitivo e destruiu as agências de fomento e assistência técnica.


Gênese da agiotagem

Com a privatização do Banco do Estado do Maranhão (BEM), que deveria ser o principal agente impulsionador do desenvolvimento local, o Maranhão ficou órfão de um braço financeiro com a missão de alavancar os arranjos produtivos.

Paralelamente à concentração de terras, riquezas e poder administrativo, os sucessivos governos – José Sarney – desmontaram as empresas públicas que subsidiariam o desenvolvimento do Maranhão.

Sem o banco oficial (BEM), com o governo ausente e o capital competitivo impedido de operar dentro das regras normais do capitalismo, o Maranhão virou o paraíso da agiotagem.

É o dinheiro ilegal dos agiotas que financia as campanhas dos candidatos a prefeito e extorque os eleitos, travando o desenvolvimento nas microregiões maranhenses.

Os agiotas operam ainda no fornecimento de merenda escolar e controlam as máquinas administrativas municipais, deixando os prefeitos atrelados aos negócios escusos do dinheiro paralelo.

O Governo do Estado, que deveria ser âncora do desenvolvimento, criando os arranjos produtivos de acordo com as vocações econômicas regionais, simplesmente lava as mãos, operando uma lógica simples: forçar o prefeito a vir de pires na mão bater às portas do Palácio dos Leões, principalmente nos períodos eleitorais.

À imagem e semelhança do Palácio dos Leões, sede do governo estadual, as prefeituras do Maranhão radicalizaram o sentido parasitário da administração pública.

Cria-se então um ciclo vicioso, associado a uma cultura política da corrupção instalada em quase todos os municípios. É esse o terreno fértil onde vinga a agiotagem.


Outro capitalismo é possível

Só uma mudança radical (capitalista!) no Maranhão pode romper o jogo combinado entre as aristocracias parasitárias instaladas na capital e no continente.

Por mais exdrúxulo que possa parecer, o capitalismo produtivo consiste na primeira etapa do processo de desenvolvimento do Maranhão, com todas as suas contradições. Trata-se de uma fase necessária à construção de um novo patamar político, eliminando o parasitismo para introduzir o produtivismo.

Sem o capital privado investindo nos arranjos produtivos nas 10 regiões estratégicas para o desenvolvimento do estado, os prefeitos ficam à mercê dos agiotas e festejando os “grandes investimentos” predatórios à base de minério, soja e eucalipto para exportação

Ciência e tecnologia para o desenvolvimento

É necessário acabar com o bucolismo e desenvolver o Maranhão de verdade, com a modernização da agricultura familiar, a profissionalização do turismo, o beneficiamento do pescado, a otimização da maricultura e o ingresso de um novo tipo de agronegócio, voltado para a profissionalização da indústria de frutas, hortaliças e aproveitamento dos derivados, a exemplo do caju.

Para cumprir essa tarefa, é fundamental que o Maranhão tenha uma política arrojada de desenvolvimento científico e tecnológico, estimulando a pesquisa, a criatividade e inventividade do povo maranhense.

As universidades, estadual e federal, bem como o Instituto Federal, precisam ser chamadas a um esforço concentrado de focar o conhecimento em plataformas de desenvolvimento para o Maranhão.

Em suma, é necessária uma virada em nossa cultura política, degolando o parasitismo aristocrático para permitir o ingresso do capitalismo contemporâneo. Com todos os riscos e prejuízos que possam decorrer das agressividades do capital, precisamos atravessar esta etapa, sob pena de vivermos mais cinco décadas de atraso.

Resta saber se os políticos que se apresentam como “renovação” e “novidade” vão colocar o Maranhão no futuro, rompendo com o modelo parasitário, ou manter as carcomidas estruturas aristocráticas que marcam o Maranhão velho.

http://blogdoedwilson.blogspot.com.br/2012/08/por-um-choque-de-capitalismo-no-maranhao.html

Enviada por Edmilson Pinheiro para GT Combate ao Racismo Ambiental.

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