Mães indígenas que vivem abrigadas em Brasília estão no centro de um debate. De um lado, missionários evangélicos e defensores dos direitos humanos afirmam que elas deixaram suas aldeias para evitar a morte dos filhos. De outro, estudiosos e representantes dos povos que rechaçam essa tese e condenam a intromissão na cultura dos povos
Carolina Samorano e Maria Fernanda Seixas
Entre dois postes de ferro, Muwaji tece com rapidez uma rede de cor crua enfeitada com fios vermelhos. Usando um vestido preto bordado com lantejoulas transparentes, a índia Suruwahá — uma etnia indígena semi-isolada da região do Amazonas —, trabalha enquanto observa o filho Samuel, de poucos meses, brincar. No jardim da Casa das Nações, uma chácara confortável no Gama (DF), Muwaji divide seu tempo entre os cuidados com os dois filhos homens — além de Samuel, um adolescente de 17 anos —, uma sobrinha e a filha, Iganani, 7 anos, que é cadeirante.
Enquanto tece a rede, a índia conversa timidamente com outras duas colegas. Kamiru e Kaytsuká, respectivamente mãe e filha de uma aldeia Kamayurá, também deixaram sua comunidade, na região amazônica, para viver sob o abrigo da Casa das Nações. O filho adotivo de Kamiru, Amalé, sofre de uma anemia rara e uma vez por mês é internado para passar por uma transfusão sanguínea. Todas elas vivem em casas conjugadas, muito bem aparentadas. Enquanto conversam em um português confuso, cada mãe se ocupa da forma que pode. Kamiru quebra conchas para fazer miçangas e Kaytsuká faz pulseiras e colares coloridos para vender ou presentear.
Sustentadas por uma organização não-governamental formada por missionários evangélicos, a Atini, na chácara vivem famílias de cinco etnias diferentes. Sobre suas cabeças, porém, se desenrola um fogo cruzado alimentado pelas mais diversas motivações. Políticas, religiosas, antropológicas, jurídicas e morais. Parte das crianças que vivem lá com suas mães, supostamente, sofriam risco de morte por terem sido rejeitadas pelos líderes de sua aldeia ou familiares. Seriam filhos de mulheres solteiras, irmãos gêmeos, crianças doentes, deficientes, bebês com paternidade não reconhecida ou meninas primogênitas que teriam sido consideradas castigos divinos, almas ruins ou estorvos para a sobrevivência e harmonia da comunidade. A acusação de quem acolhe as famílias é de que, nas suas aldeias, algumas dessas crianças seriam enterradas vivas, envenenadas ou abandonadas na mata. A prática é tida como infanticídio, termo que estudiosos indigenistas rejeitam veementemente.
Histórias como as dessas famílias caem como uma flecha na sociedade, dividindo opiniões. Há os que afirmam ainda existir o assassinato de crianças em alguns povos e apelam aos direitos humanos; os que defendem a necessidade de diálogos interculturais; e ainda um grupo importante que nem mesmo reconhece a existência da prática denunciada. Por fim, há os que desconfiam das intenções de ONGs e missionários religiosos, como a Atini, que interferem em tal dinâmica cultural.
Enquanto se discute se a cultura desses povos é passível ou não de intervenção e de julgamentos morais, pouco se questiona sobre como vivem as famílias que deixaram suas aldeias em busca de tratamento ou de hipotética salvação. A Revista do Correio visitou a Casa das Nações e ouviu diversos especialistas — muitos preferem nem sequer discutir a situação — para tentar o porquê deste delicado assunto ter se tornado um grande tabu.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2012/08/05/interna_revista_correio,315054/um-tabu-ronda-a-floresta.shtml#.UB8uK8w5veI.gmail
Enviada por José Carlos.