Quilombos: territórios de memória e de identidade

Por Daiane Souza e Drielly Jardim

A democracia brasileira está em processo e precisa ser aprimorada. Um dos caminhos para o seu aperfeiçoamento é a participação da comunidade negra no desenvolvimento do país em igualdade de condições e oportunidades, e nos resultados do progresso. Foi esta população a principal executora dos trabalhos de construção da sociedade brasileira nos mais diversos aspectos, mas que por décadas não foi enxergada como cidadã.

As lutas pelo acesso aos direitos são constantes, especialmente por parte das comunidades quilombolas e um dos principais avanços legais nesse sentido está prestes a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF): o Decreto 4887/2003. O documento define o que são quilombos e estabelece os procedimentos administrativos para a titulação de suas respectivas terras.

De acordo com Ubiratan Castro, diretor da Fundação Pedro Calmon da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e ex-presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), as comunidades remanescentes de quilombos estão entre as principais riquezas do país. São espaços de preservação da história e onde se projetam a identidade étnica e a solidariedade mútua, valores já não tão observados na grande sociedade.

Nesta quarta entrevista do especial Decreto 4887/2003 – constitucionalidade da regulamentação quilombola, o doutor em História aprofunda a importância dos remanescentes quilombolas, da terra como espaço de direitos e desses povos para a nação, a fim de proporcionar a reflexão em torno do que está em jogo com o julgamento da constitucionalidade do documento. Confira:

Ascom/FCP – Historicamente falando e, em sua opinião, qual a importância da terra para as comunidades quilombolas?

Castro – As comunidades remanescentes de quilombos são acima de tudo comunidades de agricultores, antes escravizados e depois autoliberados por suas lutas de resistência, hoje voltados para a sua subsistência. Além de ser o suporte indispensável à sobrevivência econômica, a terra dos pretos é o espaço onde se projeta a identidade étnica e a solidariedade comunal. Lá estão enterrados os mortos, lá estão plantadas as ervas medicinais e mágicas, lá estão os locais de oferendas religiosas, lá estão as âncoras da memória das comunidades. Por isso, além de terras de produção, as terras de pretos são territórios de memória e de identidade.

Ascom/FCP – E qual importância dos Quilombos para a sociedade brasileira?

Castro – As comunidades remanescentes de quilombos são o testemunho vivo da resistência centenária das populações descendentes de africanos contra e escravidão. Elas são um patrimônio cultural de todo o povo brasileiro e para os afrodescendentes representam uma referência positiva para a luta de todos nós pela cidadania brasileira plena.

Ascom/FCP – As titulações de terras por parte das comunidades remanescentes de quilombos é também uma forma de reparação das desigualdades infligidas aos afro-brasileiros. De que forma essas titulações devem ser tratadas pelo Estado?

Castro – Nos relatos das comemorações da Abolição da escravidão na Bahia, conta-se que o povo negro repetia na rua o seguinte refrão:
-A liberdade da cor já chegou, falta agora a liberdade da terra!
A lei do 13 de Maio extinguiu a propriedade escrava, ou seja, a apropriação privada de uma pessoa por outra pessoa, sem criar qualquer mecanismo de indenização do trabalho não pago ou de reparação patrimonial, capazes de integrar o ex-escravo e sua família como trabalhadores rurais autossustentáveis. Em 2003, na condição de presidente da Fundação Cultural Palmares, acompanhado pelo então Secretário Executivo do MINC, Juca Ferreira, afirmei para o ministro da Casa Civil, José Dirceu, que a regularização fundiária das comunidades remanescentes de quilombos era a verdadeira reforma agrária esperada pelo povo negro, desde 1889.

Ascom/FCP – Como a re-semantização da terminologia relativa às comunidades quilombolas contribuiu para a titulação definitiva dos territórios quilombolas?

Castro – Entre as palavras e as coisas, prefiro as coisas! quilombos, mocambos, terras de pretos, todas significam territórios indispensáveis à sobrevivência de memoriais de resistência do povo negro no Brasil.

Ascom/FCP – Qual a sua avaliação a respeito da atual legislação em defesa da população quilombola no Brasil?

Castro – Entendo que foi possível demonstrar a construção de uma legislação eficaz e rápida para a proteção e afirmação do patrimônio e da propriedade do negro no Brasil. Mas, é preciso construir uma legislação infraconstitucional no Brasil, que regulamente o Estatuto da Igualdade, que consolide em lei o atual Decreto 4887\2003 e que proteja o patrimônio material e imaterial do povo negro brasileiro.

Ascom/FCP – Com a aprovação da constitucionalidade do Decreto 4887/2003, o que deve ser feito para garantir a plena execução da legislação voltada para as comunidades quilombolas?

Castro – Será necessário fortalecer a Fundação Palmares, a SEPPIR, o INCRA e o IPHAN, mediante o provimento adequado dos respectivos orçamentos.

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