“Os caciques eram contra a proposta da empresa, mas alguns indígenas e outros vereadores do município assinaram o contrato”, esclarece o cacique Osmarino Manhoari Munduruku
Para compreender a polêmica “venda de direitos sobre créditos de carbono” da propriedade dos indígenas munduruku à empresa irlandesa Celestial Green Ventures, a IHU On-Line conversou com o cacique Osmarino Manhoari Munduruku, que há dez anos vive em uma das 120 aldeias localizadas no município de Jacareacanga-PA. Ele conta que, em reunião realizada em agosto de 2011, na Câmara Municipal da cidade, indígenas, vereadores e representantes da Funai ouviram as propostas da empresa estrangeira, mas que as lideranças não assinaram contratos. Segundo ele, por não concordarem com as propostas, as “índias guerreiras quase bateram nos representantes da empresa”.
Osmarino esclarece que, após a reunião, 12 pessoas, entre elas indígenas e vereadores, reuniram-se com representares da empresa em um hotel, onde assinaram um contrato que concede direitos de uso absoluto das terras indígenas à empresa durante 30 anos. “Em minha opinião, esse projeto é ruim porque durante os próximos 30 anos nós não poderemos caçar, plantar, pescar, retirar frutas do mato, ou cortar madeiras quando preciso”, afirmou Osmarino em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
As terras indígenas dos munduruku foram demarcadas em 2004 e, desde então, cerca de 13 mil índios vivem em 120 aldeias no município de Jacareacanga. De acordo com Osmarino, os indígenas não concordam com o contrato assinado e irão cancelar o documento. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Várias notícias informam que os índios munduruku venderam a uma empresa estrangeira os direitos de uso de suas terras em Jacareacanga-PA. Você pode nos explicar o que aconteceu?
Osmarino Manhoari Munduruku – No dia 15 de agosto de 2011 aconteceu uma reunião na Câmara Municipal de Jacareacanga, no estado do Pará. A maioria dos indígenas munduruku foi contra a proposta da empresa, e as índias guerreiras quase bateram nos representantes da empresa. Porém, depois da reunião, 12 pessoas se reuniram com representantes da Celestial Green Ventures em um hotel e assinaram um contrato. Nós não sabíamos disso; ficamos sabendo dessas assinaturas através da internet. Depois que soubemos que os direitos de uso das terras indígenas tinham sido vendidos para a empresa estrangeira, ficamos preocupados.
IHU On-Line – Quem são essas 12 pessoas? Algum cacique ou liderança indígena assinou o contrato?
Osmarino Manhoari Munduruku – Não. Os caciques eram contra a proposta da empresa, mas alguns indígenas e outros vereadores do município assinaram o contrato.
IHU On-Line – Você disse que a reunião aconteceu na câmara municipal? O prefeito, os vereadores e a Funai sabiam dessa reunião?
Osmarino Manhoari Munduruku – O pessoal da Funai esteve na reunião, mas eles não sabiam que esses indígenas haviam assinado o contrato.
IHU On-Line – Por que seus colegas indígenas assinaram o contrato?
Osmarino Manhoari Munduruku – Porque essas 12 pessoas estão mais interessadas no dinheiro do que na terra.
IHU On-Line – Alguém recebeu os 120 milhões de dólares propostos pela empresa?
Osmarino Manhoari Munduruku – Até agora não sabemos se o dinheiro foi depositado na conta da Associação Indígena Pusuru. Se o dinheiro for depositado, nós queremos devolvê-lo para a empresa e acabar com esse problema.
IHU On-Line – Quais eram as cláusulas estabelecidas no contrato? O que a empresa ofereceu para vocês?
Osmarino Manhoari Munduruku – Nós temos uma cópia do contrato aqui. Eu vou ler alguns tópicos para você.
“Parágrafo primeiro: Este contrato concede à empresa o direito de realizar todas as análises e estudos técnicos, incluindo acesso sem restrições a toda a área aos seus agentes e representantes, com a finalidade de efetuarem a escolha de dados, com o objetivo de obter a máxima validação de crédito de carbono na floresta.
Parágrafo segundo: Este contrato tem como objetivo criar as condições para que a empresa Celestial Green Ventures, utilizando estudos ou metodologias a seu alcance, proceda para conseguir a validação internacional de crédito de carbono por um período de 30 anos.
Parágrafo terceiro: Os documentos previstos no Anexo I dão à empresa a totalidade dos direitos sobre os créditos de carbono obtidos com qualquer metodologia utilizada, e todos os direitos aos benefícios que se venha a obter através da biodiversidade desta área durante o período do contrato.
Parágrafo quarto: O proprietário concorda em fornecer à empresa todas as autorizações e documentos necessários (registros, autorizações estatais e locais, aprovação de licenças) para a empresa realizar suas atividades na área do projeto.
Parágrafo quinto: Se os créditos de carbono, por qualquer motivo, forem inatingíveis nesta propriedade, então, este contrato tornar-se-á nulo e sem efeito”.
O contrato diz ainda que “o proprietário concorda em não efetuar qualquer atividade ou alterações na propriedade que possam, de alguma forma, afetar negativamente a concepção de crédito de carbono. O proprietário compromete-se a manter a propriedade conforme a metodologia estabelecida pela empresa. O proprietário compromete-se a cumprir todas as leis locais e estaduais e federais em relação à área do contrato. Sem a prévia autorização por escrito da empresa, o proprietário compromete-se a não efetuar quaisquer obras na área do contrato, ou outra atividade que venha a alterar a quantidade de carbono captada, ou que contribua, de alguma forma, para afetar negativamente a imagem da empresa e o projeto. Para a execução de obras que o proprietário pretenda efetuar na área do contrato, este deverá apresentá-las à empresa por escrito. Sem a autorização da empresa, o proprietário compromete-se a não efetuar qualquer invenção na área do projeto, como construções, cortes, extração de madeira, queimadas, construção de barragens, mineração, agricultura, turismo, construção de estrada ou qualquer outra atividade que possa ter efeitos negativos sobre a metodologia a ser utilizada pela empresa para a validação do projeto. O proprietário fica proibido de vender, transferir ou doar a totalidade da terra ou parte para terceiros sem o acordo prévio da empresa”.
Esses são alguns dos tópicos do contrato. Em minha opinião, esse projeto é ruim porque durante os próximos 30 anos nós não poderemos caçar, plantar, pescar, retirar frutas do mato, ou cortar madeiras quando preciso.
IHU On-Line – Você sabe se outras comunidades também assinaram contratos com empresas estrangeiras e se elas receberam dinheiro?
Osmarino Manhoari Munduruku – Os representantes da empresa disseram que duas etnias assinaram contratos, o que desconheço. As 12 pessoas que assinaram o documento não conversaram com os indígenas dessas etnias para saber como essa empresa trabalha.
IHU On-Line – Os indígenas munduruku se reuniram em assembleia recentemente. O que vocês decidiram em relação ao contrato?
Osmarino Manhoari Munduruku – Discutimos esse projeto de carbono e falamos sobre as barragens. Nós decidimos cancelar esse contrato. Queremos juntar todos os indígenas e as entidades que nos apoiam como algumas ONGs, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi, e o Ministério Público para cancelar o contrato. Uma comissão de índios munduruku irá para Brasília entregar um relatório que elaboramos para a Presidência da República.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/507759-os-indigenas-munduruku-e-a-polemica-venda-de-creditos-de-carbono-entrevista-especial-com-osmarino-manhoari-munduruku