Ações para punir sequestros

Transição. Procuradores federais do grupo se reuniram, pela primeira vez, na semana passada em Brasília

Pelo menos 70 pessoas sumiram só no Pará; dentre elas, estão oito mineiros

Isabela Lacerda

Há mais de 40 anos, as famílias de 25 mineiros desaparecidos durante a ditadura militar esperam pela retomada das investigações que podem identificar os responsáveis pelos crimes de sequestro e ocultação de cadáver ocorridos na década de 1970. A esperança, agora, foi renovada com a criação da Justiça de Transição, uma força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em cinco Estados para apurar e acionar judicialmente os culpados por crimes cometidos durante a repressão.

Coordenador da equipe, o procurador gaúcho Ivan Cláudio Marx explica que o objetivo do grupo de trabalho é investigar e conseguir provas de todos os casos de tortura e desaparecimento ocorridos no país. Na última quarta-feira, os procuradores ajuizaram a primeira ação por crimes cometidos contra cinco militantes na repressão à guerrilha do Araguaia, no Pará. Pelo menos 70 pessoas desapareceram na região, sendo que, desse total, oito eram mineiros. “Apenas cinco vítimas foram identificadas até o momento porque temos provas concretas de que elas foram realmente assassinadas, com base em depoimentos de pessoas que as viram na região. À medida que avançarmos nas investigações, vamos descobrindo novas vítimas”, explicou. “Neste momento, estamos com o olhar voltado para o Araguaia, mas teremos uma atuação em todo o país”, ressaltou Marx.

O grupo conta com uma brecha na lei para tentar responsabilizar o oficial da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, pelos desaparecimentos. Eles usam como justificativa o fato de esses crimes serem permanentes, uma vez que as vítimas nunca foram localizadas. “Isso afasta a possibilidade de prescrição ou anistia para os crimes”, argumenta o procurador Marx.

Mas a Justiça Federal no Pará negou, na última sexta-feira, o pedido do grupo Justiça de Transição. Segundo a decisão, a Lei de Anistia deve ser aplicada e, mesmo que não houvesse essa opção, o crime está prescrito. Os procuradores informaram que vão recorrer da decisão judicial.

Embora não esteja no grupo das cinco vítimas a que se refere a ação, o mineiro Paulo Roberto Pereira Marques, militante do Partido Comunista, é um dos desaparecidos do Araguaia. Desde dezembro de 1973, a família espera notícias sobre o que pode ter acontecido com ele.

A irmã de Paulo, Maria de Fátima Marques Macedo, afirma que a criação do Justiça de Transição é um alento para as famílias. “A gente torce para saber o que realmente aconteceu. Muita coisa é dita, mas nada é provado. Não tem acontecido no Brasil uma busca pelos torturadores. Espero que, desta vez, isso seja possível. O tempo passa e a gente não tem resposta”.

Maria de Fátima conta que, para a família, o desaparecimento do irmão é um tormento. “Até pouco tempo atrás, nós ainda tínhamos esperança de que ele estivesse vivo, o que já não existe mais. É uma coisa que atormenta todo mundo”, explica.

Estados
União. O grupo Justiça de Transição é formado por procuradores do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Espírito Santo, do Rio Grande do Sul e do Pará. Não há prazo para a conclusão das investigações.

Grupos ajudam a fornecer documentos

Auxílio. Grupos que, há muitos anos, buscam documentos que possam auxiliar na descoberta do paradeiro dos desaparecidos durante a ditadura militar também estão auxiliando nas investigações conduzidas pelos procuradores, disponibilizando documentos e provas.

Movimentos. A ajuda tem vindo, principalmente, do já conhecido Tortura Nunca Mais, além do grupo Desaparecidos Políticos e das comissões de anistia criadas em diversas cidades do país, incluindo Belo Horizonte. Na capital mineira, o grupo ganhou força no ano passado.

Militares fazem críticas duras à iniciativa do MPF

A reabertura de investigação pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre casos de desaparecimento durante a ditadura é duramente criticada por militares.

Autor do manifesto que critica a atuação do ministro da Defesa, Celso Amorim, o general Marco Felício afirma que a criação do grupo Justiça de Transição “é uma perda de tempo”. Ele ressalta que alguns procuradores desejam “acusar militares por acusar”, contrariando a Lei da Anistia.

Na opinião do oficial, as investigações do MPF não vão obter resultado prático. “A lei é clara quanto aos desaparecidos. Legalmente, até mesmo por interesse dos familiares, os desaparecidos entre 1961 e 1988, após presos por agentes do Estado, são considerados legalmente mortos. Não há desaparecidos”, opinou.

Para o coronel da reserva Carlos Cláudio Miguez, o grupo de procuradores está indo contra a legislação ao desrespeitar, de acordo com ele, a Lei da Anistia. “Acho tudo um absurdo. Por que não vão investigar os crimes cometidos por comunistas?”, questionou.

Parentes divergem sobre a punição dos crimes

Apesar de depositarem esperanças nas investigações, familiares de desaparecidos durante a ditadura militar divergem sobre a necessidade de relembrar esse passado.

Irmã do militante Paulo Costa Ribeiro Bastos, visto pela última vez em 1972 no Rio de Janeiro, Lúcia Costa Ribeiro Bastos explica que não poder enterrar o corpo de uma pessoa amada “é terrível, mas remexer num passado sofrido é ainda pior”. “Acho que as investigações podem acabar não dando em nada. Punir os torturadores que já estão muito idosos não adianta”, afirma. Companheiro de militância de Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, que desapareceu na capital fluminense em 1971, Élvio Moreira ressalta a necessidade dessas apurações. “Vivi minha juventude ao lado do Beto e sei o que nós sofremos. Também fui preso, também fui torturado”, disse. “Sou totalmente favorável ao Justiça de Transição porque a historia é escrita pelos vencedores. Para o país evoluir, é preciso passar a limpo o passado. O que, infelizmente, nunca aconteceu no Brasil”.

http://www.otempo.com.br/noticias/ultimas/?IdNoticia=198615,OTE

Enviada por José Carlos.

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