Em sua bagagem estão trazendo o pouco que necessitam para viver com alegria e indignação, esperança, movidos pela utopia da terra sem males e certeza da conquista de seus direitos.
A chuva e o barro vermelho foram encarados com muita tranqüilidade, pois representaram a benção do grande encontro. Também as pequenas falhas que trouxeram alguns atrapalhos em nada tiraram o ânimo dos participantes. Até mesmo as diferenças e tensões foram encarados e tratados com muita maturidade e habilidade.
A Aty Guasu foi marcada pelo tom enérgico das denúncias e da firme cobrança de respostas urgentes por parte dos governantes. O não cumprimento das datas para a conclusão e publicação dos relatórios de identificação das terras foi o alvo de maiores cobranças. Não mais aguentam serem enganados com promessas e mais promessas. E diante desse quadro a única atitude que lhes resta é a do movimento em direção a seus tekohá, ou seja, as retomadas. A terra do Mato Grosso do Sul continua sendo manchado com sangue indígena. Grande parte da produção do Estado está marcada com o sangue dos povos nativos, especialmente o Kaiowá Guarani.
Presenças importantes
Estiveram nesta Aty Guasu várias pessoas de relevada importância dentro dos poderes da nação, dentre as quais a desembargadora Kenarix “O Judiciário brasileiro precisa saber dos reflexos do descumprimento da sua obrigação, que é fazer justiça. Nesse caso, acaba criando mais injustiça e isso é gravíssimo. É preciso ter consciência de que a falta de decisão está fomentando situações muito tristes que estamos vendo agora, especialmente em Mato Grosso do Sul”, disse Kenarik Baujikian à Agência Brasil.
Também estiveram na Aty Guasu Paulo Maldos, pela Secretaria Especial da Presidência da República e uma delegação da Funai e outros ministérios.
Solidariedade e justiça
Depois da ultima Aty Guasu, realizada no Passo Piraju, em outubro do ano passado houve duas retomadas – o tekohá Mbarakaí –Pielito Kue e Guaivyiri. Ambas sofreram fortes violências por parte dos pistoleiros e fazendeiros – despejos, queima dos barracos, tiros e violência. Nisio Gomes, líder religioso do acampamento de Guaivyri foi assassinado e seu corpo levado pelos fazendeiros-pistoleiros e ate hoje não encontrado. No inicio desta Aty Guasu foi lembrado com muito respeito e dor mais esse assassinado, com um minuto de silêncio em memória do guerreiro que tombou na luta pela terra de seu povo.
Houve grande repercussão nacional e internacional dessas violências. A Anistia Internacional promoveu uma campanha na qual pediam ao governo brasileiro a investigação independente e exaustiva desse assassinato, proteção às comunidades e lideranças ameaçadas e a imediata demarcação das terras Kaiowá Guarani, conforme compromisso assumido pelo governo brasileiro através de leis internacionais e a Constituição brasileira. Na carta enviada às autoridades brasileiras diz Cristina Fernandes, da Espanha “Sirva minha carta para expressar-lhes, como cidadã do mundo, minha grande tristeza diante do assassinato, a pobreza, a desnutrição e alto índice de suicídio entre os 60 mil indígenas da região e recordar-lhe que a diversidade e as minorias devem ser cuidadas e protegidas frente à força das grandes companhias e homens armados, como a mais importante riqueza de seu país”.
A delegação de Guaviri presente na Assembleia lembrou com emoção e lágrima todo o drama por que passaram e a morte de seu líder Nisio. Ao mesmo tempo puderam sentir a solidariedade e carinho de seus parentes Kaiowá-Guarani e da solidariedade nacional e internacional.
Igual campanha também foi feita em favor da comunidade de Larranjeira Nhanderu, que está com ordem de despejo. Zeznho falou de forma enfática sobre a importância dessas centenas de cartas de 17 países que pedem a imediata suspensão da ordem de despejo e a imediata demarcação dessas e de todas as terras indígenas Kaiowá-Guarani. A Aty Guasu decidiu enviar carta ao desembargador Antonio, solicitando, em nome de todo povo Guarani Kaiowá, que a comunidade de Laranjeira Nhanderu possa não seja jogada na beira da estrada, mas possa permanecer onde está enquanto se concluem os estudos de identificação dessa terra indígena.
Exigências
Documento final os participantes da Atay Guasu fazem as seguintes exigências
“Reafirmamos nossas principais exigências e compromissos
1.Continuaremos retomando nossos tekohá, nossas terras tradicionais, como único jeito de contribuir com o Estado brasileiro, para que ele pague sua dívida histórica, de muito sangue e sofrimento, reconhecendo e demarcando nossas terras.
2. Vamos dar mais 60 dias para que todos os relatórios de identificação de nossos territórios sejam publicados. Não vamos esperar quietos, vamos esperar agindo, fazendo movimento, nos unindo e organizando cada vez mais.
3. Que o governo federal inicie o mais rapidamente possível a indenização dos títulos que ele deu nas colônias agrícolas de Iguatemi, Sete Quedas e Dourados, e que estão em terras indígenas já reconhecidos, como gesto concreto de vontade polícia de resolver a questão da regularização de nossas terras.
4. Que o governo não conceda mais empréstimos às propriedades e empresas que tem produção dentro das terras indígenas já reconhecidas.
5. Pedimos que nas terras já reconhecidas como indígenas, os ocupantes não índios sejam retirados e nós possamos ocupá-las, enquanto os processos tramitarem na justiça. Que o Ministério Público batalhe por isso junto à justiça.
6. Que a polícia federal e Guarda Nacional dêem segurança a nossas lideranças, ameaçadas, e a nossas comunidades, especialmente as que estão em situação de conflito, nas retomadas.
7. Que os inquéritos sobre os assassinatos de nossas lideranças sejam concluídos com rapidez, os responsáveis punidos, como único jeito de acabar com a situação de impunidade existente.
8. Exigimos dos órgãos competentes pelas políticas publica de saúde e educação, que atendam e sejam mais sensíveis e responsáveis com as demandas emergenciais que atingem os Guarani-Kaiowá.
9. Que o governo, suas representações e instituições responsáveis pelas políticas para com os povos indígenas, se mantenham atentos às suas demandas especificas numa relação de construção conjunta onde os Guarani-Kaiowá sejam ouvidos e reconhecidos em sua autonomia e diversidade cultural.
10. Exigimos das autoridades governamentais e não governamentais que reconheçam nossos direitos garantidos na lei (Constituição Federal). Queremos ser tratadas de igual para igual. Que todos os direitos escritos no papel sejam cumpridos, na educação, saúde e em termos da sociedade e da terra. Porque cansamos de ser enrolados, enganados e iludidos pelo governo federal”.
Pedem também especial atenção e urgência para as situações dos acampamentos e as situações de conflitos e tensões nas retomadas.
Com muita celebração, compromisso e fortalecimento na luta, realizou-se mais um marco difícil e desigual luta pelos direitos, especialmente pelo reconhecimento e garantia da terra.
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos
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Leia a íntegra do documento
Carta de Jaguapiré
Nós Kaiowá-Guarani do Mato Grosso do Sul, reunidos em mais uma Grande Assembleia, Aty Guasu, na Terra Indígena Jaguapiré, município de Tacuru, do dia 29 de fevereiro a 3 de março, para celebrar as nossas lutas, prestar nossa homenagem e nos manifestar sobre as centenas de lideranças que tombaram na luta pela terra e pelos nossos direitos.
Lembramos com muita dor, respeito e carinho nosso líder religioso Nisio Gomes, assassinado recentemente num brutal ataque a seu acampamento no tekohá Guaivyri. Com um minuto de silencio prestamos nossa homenagem a todos os guerreiros do nosso povo que derramaram seu sangue por nossas vidas. Hoje celebramos suas memórias, renovando a esperança e alimentando a certeza da vitória, na luta pela terra, autonomia, paz e liberdade como conquistas de nossas lideranças assassinados.
Com muita alegria sentimos que sempre mais gente vem nos apoiando e trazendo solidariedade as nossas Aty Guasu. Contamos com a presença da desembargadora Kenarik, da Associação dos Juízes para a Democracia, Michael, advogada de São Paulo, Mario Rivarola vice-presidente do Conselho Continental Guarani, que é um parente nosso do Paraguai, além dos nossos parentes Terena e amigos de várias entidades de apoio. Também vieram ouvir nossas exigências e apelos, representantes de vários órgãos do governo como Paulo Maldos, Secretaria da presidência da República, Thiago Garcia, Cilene e Érica da Funai de Brasília, Fabiana dos Direitos Sociais, Isabela, do Ministério da Educação, Dario- coordenador do Teko Arandu, Procurador Marco Antonio- Ministério Público Federal de Dourados, Fabio Mura- antropólogo, representando a Associação Brasileira de Antropologia, Vários diretores das nossas escolas, vereadores indígenas, dentre outros. Também tivemos a segurança com a presença da Força Nacional e Polícia Federal.
Num primeiro momento fizemos a memória das nossas lutas nos últimos trinta e cinco anos, desde que iniciamos a luta de recuperação de nossos territórios, na década de setenta. Os anciões, guerreiros e lutadores desde as primeiras reuniões e planejamento de retomadas de nossas terras foram contando o quanto foi difícil cada tekohá retomado, as expulsões pelos pistoleiros, policia e Funai algumas vezes. Cada palmo de terra reconquistado foi uma batalha, cada tekohá retomado foi uma luta de muitos anos. E o que deu essa força, inclusive para que não fossem assassinadas nossas lideranças, foi a presença forte e essencial dos Nhanderu e Nhandesi . Eles garantiram as vitórias no chão, na retomada. É essa prática que estamos buscando retomar, colocando os Nhanderu em primeiro lugar.
Já gastamos papel demais. Já fizemos ouvir nossa voz em várias partes do Brasil e do mundo. Por isso estamos decididos de avançar na conquista dos nossos direitos com nossas forças, união, organização, fortalecendo a Aty Guasu e o nosso Conselho da Aty Guasu, assim como os Conselhos das mulheres, dos jovens, dos nhanderu, dos professores e dos agentes de saúde. Juntos vamos conquistar o que para nós é sagrado, como nossa mãe terra e assim garantir o nosso jeito de viver e ser Guarani Kaiowá.
Reafirmamos nossas principais exigências e compromissos
1.Continuaremos retomando nossos tekohá, nossas terras tradicionais, como único jeito de contribuir com o Estado brasileiro, para que ele pague sua dívida histórica, de muito sangue e sofrimento, reconhecendo e demarcando nossas terras.
2. Vamos dar mais 60 dias para que todos os relatórios de identificação de nossos territórios sejam publicados. Não vamos esperar quietos, vamos esperar agindo, fazendo movimento, nos unindo e organizando cada vez mais.
3. Que o governo federal inicie o mais rapidamente possível a indenização dos títulos que ele deu nas colônias agrícolas de Iguatemi, Sete Quedas e Dourados, e que estão em terras indígenas já reconhecidos, como gesto concreto de vontade polícia de resolver a questão da regularização de nossas terras.
4. Que o governo não conceda mais empréstimos às propriedades e empresas que tem produção dentro das terras indígenas já reconhecidas.
5. Pedimos que nas terras já reconhecidas como indígenas, os ocupantes não índios sejam retirados e nós possamos ocupá-las, enquanto os processos tramitarem na justiça. Que o Ministério Público batalhe por isso junto à justiça.
6. Que a polícia federal e Guarda Nacional deem segurança a nossas lideranças, ameaçadas, e a nossas comunidades, especialmente as que estão em situação de conflito, nas retomadas.
7. Que os inquéritos sobre os assassinatos de nossas lideranças sejam concluídos com rapidez, os responsáveis punidos, como único jeito de acabar com a situação de impunidade existente.
8. Exigimos dos órgãos competentes pelas políticas publica de saúde e educação, que atendam e sejam mais sensíveis e responsáveis com as demandas emergenciais que atingem os Guarani-Kaiowá.
9. Que o governo, suas representações e instituições responsáveis pelas políticas para com os povos indígenas, se mantenham atentos às suas demandas especificas numa relação de construção conjunta onde os Guarani-Kaiowá sejam ouvidos e reconhecidos em sua autonomia e diversidade cultural.
10. Exigimos das autoridades governamentais e não governamentais que reconheçam nossos direitos garantidos na lei (Constituição Federal). Queremos ser tratadas de igual para igual. Que todos os direitos escritos no papel sejam cumpridos, na educação, saúde e em termos da sociedade e da terra. Porque, cansamos de ser enrolados, enganados e iludidos pelo governo federal.
Pedimos ao governo prioridade e urgência para os acampamentos indígenas, as áreas de conflito. Eles necessitam de atenção especial nas políticas de alimentação, segurança, saúde e educação.
Paulo Maldos repetiu “vocês já venceram”! Nós também temos essa certeza! Porém acreditamos que teremos que estar sempre mais unidos na luta, guiados pelos nossos Nhanderu e Nhandesi, com sempre mais amigos e apoiadores no Brasil e no mundo para ir dando passos que garantam essa vitória, da terra e da vida do nosso povo.
Aldeia Jaguapiré, 3 de março de 2012.
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=64941