Persistindo num tema: a questão é eliminar?

Igor Vitorino da Silva*

“A Criminalidade  extingue-se ? Não, controla-se.
As Violências eliminam-se?  Não, deslocam-se.
Como estamos resolvendo essas charadas?
Por que insistimos em ignorá-las?
Qual é a moeda de nossa cegueira?
A eliminação total do que é humano?”

Em alguns lugares do país, ainda, pretende-se construir a tranquilidade e a ordem pública sobre a idéia da eliminação ou descarte do que é considerado o problema.  Sonha-se com a “institucionalização pública” do Big Brother social, uma operação geral do “descarte” dos indesejáveis, dos desajustados e desviantes. “Não deram ainda um sumiço nesses pedintes, vagabundos e mendigos que tomam nossa cidade”, reclamam as pessoas nas ruas. Quando há um assalto ou assassinato que envolva alguém reconhecido pela sociedade, muitos são tomados pela indignação, revolta e reafirmam: “Tinham que acabar com esses filhos da mãe! A polícia não faz nada, é muxiba e mole. E o Estado fica alimentando-os nas cadeias”.

E seguimos fechados nessas idéias de que basta extirpar ou retirar de circulação para resolver o problema da segurança. Mantendo-nos indiferentes aos debates e discussões sobre a dinâmica da criminalidade e da violência, preferimos acreditar que sua existência é meramente resultado de depravação moral e/ou da incompetência policial. “Falta polícia e família” clamam diariamente as pessoas e os programas de jornal.  “Precisamos de um Estado forte e punição”, gritam as vítimas da violência e da criminalidade.

Mas de quem é a culpa do inferno astral que vivemos? Quem pode abrandar o medo e pavor de andar pelas ruas?  Talvez, nosso mal é justamente querer encontrar os culpado do mal ou uma solução redentora (Capitão Nascimento, Polícias Especiais, Pistolagem, dentre outros), essa obsessão é o que nos joga justamente nos imediatismo, fazendo-se deixar de lado qualquer politização do problema da segurança pública em detrimento de sua militarização, que já vem denunciando a sua ineficácia há vários anos.

O compreender como chegamos a essa situação transforma-se num perigo para nós, pois exige que coloquemos em questão o nosso próprio pacto social, marcado pela ideia que alguns indivíduos valem mais que os outros, onde o acesso aos direitos civis continua sendo marcado pelo lugar que os indivíduos ocupam na hierarquia social (O Quem é você? Você é amigo de quem? Esses continuam sendo princípios que orientam o tratamento dispensado aos indivíduos e grupos sociais pelas instituições públicas). Nesse país, ainda, a Ordem e a Lei continuam sendo pensadas para Outro, principalmente se ele for considerado um inimigo, um desconhecido, um estranho.

Construímos casas em condomínios fechados e afastados? E, mesmo assim, os bandidos se organizam, invadem e assaltam.  Enchemos nossas casas de cerca elétrica. E logo alguém consegue superá-la, nos aterrorizando com armas. Gastamos centenas de reais em equipamentos de segurança e monitoramento, e alguém disfarçado penetra e faz “a limpa”  no lugar onde estamos. Enquadramos àqueles que achamos de suspeitos, e de repente ouvimos um grito: fui assaltado ou roubado!

Esses são acontecimentos que indicam que a solução de cada um se proteger conforme seus recursos é um beco sem saída, onde quanto maiores os obstáculos criados aos marginais, maior também é a criatividade para ultrapassá-los. Essa estratégia, infelizmente, despreza e desconsidera que, na realidade, são as camadas populares que têm mais sofrido com efeitos negativos da criminalidade (roubos e furtos não investigados pelas forças policiais, muitas vezes, transformados em rotina e nem são registrados em boletim de ocorrência) e da violência (homicídios e abusos do poder policial), principalmente porque estão inseridas precariamente ao mercado da segurança ( geralmente como mão-de-obra) e a sua baixa capacidade de influência social e política sobre as instituições públicas. O pedido de quem é atendido mais rápido pelas autoridades públicas brasileiras? Das ruas? Dos gabinetes? Dos bairros pobres e periféricos? Dos bairros nobres?

Tudo indica que estamos no caminho errado, mas persistimos na mesma estratégia. Investir em segurança privada, exigir das forças policiais mais encarceramento e mais efetivo e o exercício da cultura punitiva, enquanto investimento em inteligência (polícia científica), modernização das policiais, democratização da Justiça, melhorias das condições do trabalho policial, estímulos à formação e valorização profissional do policial, políticas de segurança pública articuladas com políticas sociais continuam em segundo plano (ou continuam sendo lentamente implantadas) ou qualificadas como coisa de intelectuais.

Preferimos continuar acreditando que podemos enfrentar esse problema sem assumi-lo como nosso, sem discutir uma reinvenção da nossa vida social, dos valores e princípios éticos que tecem nossa vida sociopolítica. De que segurança pública estamos falando?  Da que somente protege a propriedade privada e os senhores do poder? Da que se orienta pela “política da tesoura” que  somente  elimina os bandidos e  vinga as vítimas, fazendo-as  acreditarem que disso nascerá o melhor dos mundos? Da que promove a existência social regida por princípios democráticos e que tem a Diferença e a defesa do Ser Humano e do “debate” como seu fundamento? Essas questões, felizmente, nos impõem que voltemos à Política, mas no seu sentido mais amplo, ou seja, a discussão pública dos valores e normas  que nos regem, dos princípios que regem a vida em comum.

* Historiador e professor de história do campus IFMS Nova Andradina.

 

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