Pedro Kemp
Muitas vezes falamos da violência que acontece todos os dias nas ruas e praças de nossas cidades e que nos causa intranqüilidade e deixa as famílias inseguras ao imaginar que, amanhã ou depois, poderá ter um dos seus como mais uma vítima dessa triste realidade. São situações de assaltos à mão armada no comércio e nas residências, roubos no interior dos ônibus do transporte coletivo, estupro de alunas ao sair da escola, execuções a mando do crime organizado, crimes bárbaros cometidos para alimentar o tráfico de drogas. Ficamos indignados e assustados com tanta agressão à integridade física das pessoas. São casos em que a violência mostra sua face sem qualquer disfarce.
Poucas vezes falamos da violência camuflada, daquela que se esconde atrás de explicações e justificativas, que é de difícil percepção, não porque não signifique também uma agressão à pessoa, mas porque, em geral, estamos nos acostumando a ela. Aliás, talvez seja este o maior risco que a humanidade corre hoje, o de se acostumar com as violências cotidianas, o de considerar normal o que atenta contra a dignidade humana. Estou falando da fome, da miséria, da falta de assistência médica nos postos de saúde, dos preconceitos e discriminações, da falta de transparência nos programas habitacionais, da lentidão da reforma agrária, da exclusão das pessoas com deficiência, do assédio moral no trabalho e de tantas outras violências silenciosas.
No último dia 24 de agosto, três estudantes indígenas da etnia Guarani-Kaiowá, moradores da aldeia urbana Água Bonita de Campo Grande, foram proibidos pela direção de uma escola da rede municipal de falar sua língua materna, o guarani, nas dependências da unidade escolar. Segundo relataram, tiveram que assinar um livro-ata assumindo formalmente o compromisso, mesmo sem entender no momento o que exatamente o texto dizia. A justificativa da Prefeitura, via assessoria de imprensa, é que a restrição dizia respeito unicamente à questão disciplinar. A direção da escola alegou que os índios usavam a língua nativa para fazer piadas em relação aos outros alunos da turma sem serem compreendidos. (mais…)