Na última matéria do Blog Vira Mundo, discutimos sobre o CTR Santa Rosa em Seropédica no contexto da prática do racismo ambiental na Baixada Fluminense. Também denunciamos que sua construção sobre o Aquífero Piranema era um fator agravante deste projeto na medida em que, além de reforçar um modelo ambientalmente racista, também comprometia um dos mais importantes recursos hídricos da região.
Nesta semana, decidimos prosseguir o debate sobre o racismo ambiental praticado nas áreas consideradas “periféricas” através de outro exemplo: a atuação da CSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico – no bairro de Santa Cruz, localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
A noção de racismo ambiental , cunhada por acadêmicos e militantes dos movimentos sociais, foi apresentada na matéria da semana passada como sendo relacionada “às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e outras comunidades, discriminadas por sua origem ou cor” (GRUPO DE TRABALHO DE COMBATE AO RACISMO AMBIENTAL).
No trabalho de Bullard (1960), intitulado Environmental Justice in the 21st Century: Race Still Matters, o mesmo se refere ao movimento das “indústrias sujas” que se instalam na periferia e produzem resíduos danosos ao meio ambiente e à saúde da população local como “colonialismo tóxico”.
Nesse sentido, a exemplo do que historicamente ocorre na Baixada Fluminense, a escolha de Santa Cruz para a implantação da CSA não foi ao acaso. A lógica de se levar para a “periferia” aquilo que põe em risco a saúde e a qualidade de vida das pessoas e que geram degradação ao meio ambiente está por trás do projeto dos CTR’s na Baixada Fluminense e da CSA na Zona Oeste do Rio.
Pertencente ao grupo alemão chamado “Thyssenkrupp” e à brasileira Vale , a CSA tem sido alvo de denúncias tanto por parte de moradores e movimentos sociais quanto do próprio Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Em novembro de 2010, data a primeira denúncia formal do MP contra a CSA por conta dos elevados índices de poluição atmosférica causados por este megaempreendimento e que vem comprometendo seriamente a saúde dos moradores da região, sobretudo do seu entorno imediato.
À época, o assunto foi tratado secundariamente pela grande mídia com reportagens rasas, abordando a questão como “problema pontual” . Aliás, a visão de “problemas pontuais” que a mídia dá para os estragos advindos desses megaempreendimentos é o que mais chama atenção. Trata-se de uma estratégia para evitar uma reflexão crítica sobre o modelo de desenvolvimento “a ferro e fogo” que representa projetos como o da CSA.
A mídia alternativa tem assumido um papel importante – embora de alcance limitado- para chamar atenção para esse debate que a grande mídia não faz. O documentário elaborado por diversas entidades como Ibase e PACS ( http://www.youtube.com/watch?v=5–nTG9q0A4) intitulado “Desenvolvimento a ferro e fogo” é um dos poucos que trata da questão com seriedade, apresentando dados de estudos realizados por instituições respeitadas como a FIOCRUZ e UFRJ.
Destaco duas passagens deste documentário que expressam um pouco da dimensão do problema : Numa primeira parte do documentário, revela-se que o projeto da TKCSA foi recusado na própria Alemanha (terra natal do grupo Thyssenkrupp) e em outros estados do Brasil dados os impactos por ele gerados e ,em outro trecho, uma moradora relata a assustadora recomendação de um médico para que seu filho possa se recuperar de uma doença causada pela poluição da CSA : sair de Santa Cruz!
Esses são apenas exemplos da série de absurdos e abusos cometidos contra a população da Zona Oeste do Rio de Janeiro, sobretudo do bairro de Santa Cruz. E, se considerarmos o problema dos megaempreendimentos poluidores num sentido mais amplo, perceberemos um cenário ainda mais trágico: a hegemonia de um modelo perverso e racista de desenvolvimento que se impõe sobre as chamadas “áreas periféricas” com um discurso fajuto de “geração de emprego e renda”.
Nesse cenário desafiador, nos cabe mantermos firmes na luta, seguirmos denunciando o racismo ambiental nas suas múltiplas formas através de nossas mídias alternativas – e, com isso, furarmos o bloqueio imposto pelos grandes meios de comunicação que minimizam o problema e , por fim, ocuparmos todos os espaços possíveis com o objetivo de desconstruirmos esse falso modelo de “desenvolvimento” que promove vantagens para poucos e prejuízos para muitos.
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2011/06/493236.shtml