Laurindo Gomes era agente comunitário de saúde e expressiva liderança do Quilombo de Praia Grande, município de Iporanga. Ele saiu de casa no dia 18 de fevereiro por volta as 7h da manhã para pegar o barco e atravessar o rio. Ia participar de reuniões com outras lideranças em Iporanga para discutir uma proposta de CPI para investigar o prefeito da cidade. A partir daí nunca mais foi visto. Os movimentos sociais da região e as associações quilombolas do Vale do Ribeira divulgaram carta esta semana denunciando seu desaparecimento.<
Na manhã em que desapareceu Laurindo carregava uma mochila, um balde de mel e algumas abóboras. Quando a comunidade se deu conta de seu desaparecimento começaram a procurá-lo. Na beira do rio só encontraram suas pegadas na areia e uma abóbora. Diante do recrudescimento da violência em todo o País contra lideranças comunitárias defensoras das florestas, os movimentos sociais e associações quilombolas da região vem a público denunciar seu desaparecimento e pedem providências e proteção às autoridades. Leia abaixo a íntegra da carta divulgada esta semana.
LIDERANÇA QUILOMBOLA DESAPARECE MISTERIOSAMENTE DO QUILOMBO PRAIA GRANDE – MUNICÍPIO DE IPORANGA, VALE DO RIBEIRA – ESTADO DE SÃO PAULO
Morte por causa de terra, no Brasil, não surpreende mais ninguém, porque desde antes de 1.500, esta é uma prática comum, assim como é comum que os culpados permaneçam impunes. O que surpreende é que neste ano, mortes de camponeses e líderes têm ocupado com frequência a mídia.
No Vale do Ribeira, não está sendo diferente, embora seu caso não tenha alcançado a grande mídia, talvez até mesmo por causa da cobiça que ronda a região pela sua grande riqueza em biodiversidade e grande potencial turístico. Acontece que no dia 18 de fevereiro desde ano, desapareceu misteriosamente, o SR. LAURINDO GOMES, liderança da COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBO DE PRAIA GRANDE, Município de Iporanga, Estado de São Paulo.
No dia 18 de fevereiro, por volta das sete (07) horas da amanhã, Sr. Laurindo, que era também agente comunitário de saúde, dirigiu-se para as margens do Rio Ribeira de Iguape, onde tomaria o barco (único veículo para sair do Quilombo). Carregava um balde de mel, algumas abóboras e uma mochila. Foi visto pela última vez por sua ex-esposa se dirigindo para o Rio. Ela escutou o ronco do motor do barco chegando, embora não tenha avistado o mesmo. O Sr. Laurindo estava indo para uma reunião de lideranças na cidade de Iporanga, onde se organizavam para a noite ir à Câmara Municipal, requerer a instalação de uma CPI para investigar o Prefeito, pela sua inércia em relação às Políticas Públicas do Município.
O povo de Quilombo de Praia Grande pensava que ele estava na cidade. A família de seu segundo casamento, que estava na cidade, pensava (ACREDITAVA) que ele estava no Quilombo. Seu desaparecimento só foi percebido na quarta feira, dia 23/02, quando seu filho, LAZARO, que estava na cidade para a mesma reunião, foi para o Quilombo levando a noticia de que o mesmo não chegara na cidade e fora informado que não se encontrava no Quilombo.
A Comunidade passou a procurá-lo, encontrando apenas marcas de suas pegadas e de onde depositara os volumes que carregava, na areia do porto. No local, sobrou uma abóbora.
Na Delegacia de Iporanga foi registrado o B.O. de desaparecimento. Não houve, porém nenhum esforço para encontrá-lo. No dia 05 de maio, ainda não havia sido instaurado o inquérito e nenhuma investigação havia sido processada, apesar da família já ter ido várias vezes na Delegacia e procurado o Ministério Público da Comarca. No dia 05 de maio, o Ministério Público da Comarca foi procurado novamente. Só então solicitou à Delegacia de Iporanga, que fosse instaurado o Inquérito Policial.
Os moradores do Quilombo encontram-se amedrontados e abandonados pelas autoridades competentes. Para sair do Quilombo, inclusive os alunos para frequentarem a escola, são transportados de barco, que está em péssimas condições. Enfrentam diversas corredeiras ao longo do percurso. A estrada, por ora, só chega até a fazenda do atual ocupante da cadeira de Prefeito, que fica próxima ao Quilombo.
O Quilombo de Praia Grande fica à margem (DIREITA) do Alto Ribeira, onde se localiza o eixo do projeto da barragem Funil. É uma comunidade reconhecida oficialmente como remanescente de quilombo, conforme o Relatório Técnico Científico, elaborado pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo. Apesar de reconhecida e ter seu território delimitado, o Estado não promoveu nenhuma ação para a retirada de terceiros da área.
Com tanta demora em efetivar a titularidade da comunidade, a credibilidade de que as terras, de fato, pertencem à comunidade foi-se minando, possibilitando compra e venda de terras, o que é proibido pela lei, bem como o aparecimento de “laranjas”, para resguardar políticos da região.
A dificuldade de acesso, a falta de políticas públicas e de assistência à comunidade, a não retirada dos não quilombolas do território, a falta de título de domínio da área, culminou com o desaparecimento do Sr, Laurindo Gomes, que sempre lutou pela titulação e melhoria da vida de sua comunidade. A revolta é que o caso não está sendo investigado, apesar de, por meio do CONDEPE – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – ter oficiado o fato à Secretaria de Justiça, à Secretaria de Segurança Pública, à Secretaria Nacional de Direitos Humanos e ao Ministério Público Estadual.
Pedimos Investigação séria.
Pedimos Justiça.
Eldorado, 13 de junho de 2011
EAACONE – Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras – Vale do Ribeira/SP
MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens – Vale do Ribeira/SP
PROSA NA SERRA – IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO PRAIA GRANDE – MUNICÍPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO PORTO VELHO – MUNICÍPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO NHUNGUARA – MUNICÍPIO DE IPORANGA/ELDORADO
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO MARIA ROSA – MUNICÍPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO PILÕES – MUNICÍPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO PIRIRICA – MUNICIPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO BOMBAS – MUNICIPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOLAS DO BAIRRO JURUMIRIM – MUNICIPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DAS COMUNIDADES CABOCLAS DO BAIRRO RIBEIRÃO DOS CAMARGO – MUNICÍPIO DE IPORANGA
ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO BAIRRO SERRA – MUNICÍPIO DE IPORANGA
Pedimos a todas as pessoas e instituições que são contra a impunidade que reina no País, principalmente no campo, que repassem esta informação e que se manifestem enviando carta abaixo assinada, de repúdio e cobrando séria investigação e punição para os culpados, para:
SECRETARIA DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO Pátio do Colégio, 148/184 – Centro 01016-040 – São Paulo – Capital
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA Rua Libero Badaró, 39, Centro – 01009-000 São Paulo – Capital
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Setor Comercial Sul – B, Quadra 9, Lote C, Edifício Parque Cidade Corporate, Torre”A”, 8º andar, Sala 805-A Brasília, Distrito Federal, Brasil CEP: 70308-200
DELEGACIA DE POLÍCIA DO MUNICIPIO DE IPORANGA – SP. Praça Padre Caiffa, s/nº – Centro – 18.330-000 – Iporanga -SP – Fone (15) 3556.1156
DELEGACIA SECCIONAL DE JACUPIRANGA/SP Avenida Hilda Morhring de Macedo, Nº 1.329 – Vila Elias – 11.940-000
http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3363