Vale mente sobre investimentos em comunidades

Foto: Nils Vanderbolt

Marcio Zonta, Justiça nos Trilho

A Vale gasta no ano cerca de 179 milhões em publicidade. Parte de suas peças sempre enfatiza a preocupação da multinacional com as comunidades onde está presente. No entanto, ao longo do corredor de Carajás, não é bem isso que vem ocorrendo. Sentado debaixo de uma sombra generosa, proporcionada por uma grande jaqueira, o senhor Vicente sente o banco trepidar com a presença do trem, que passa a menos de 300 metros de sua casa várias vezes ao dia e a noite.“Nunca vi a comunidade receber nada da Vale em todo esse tempo, eu principalmente nada recebi e não vi nenhum desses programas de comunidade que ela fala aí que tem”.

Senhor Vicente é morador do assentamento Novo Oriente, estabelecido em 1984, no município de Açailândia, onde aproximadamente moram 60 famílias. Hoje ele tira seu sustento das poucas cabeças de gado que possui e da produção ilegal de carvão. “Nós desde que chegamos aqui não tivemos auxilio de financiamento para lavoura, que é da onde a maioria das famílias vive”.

Sobre a expansão da estrada de ferro de Carajás, embora já tenha homens da empresa Odebrecht trabalhando dentro da comunidade, ele diz nada saber sobre o projeto, “olha fizeram reunião, mas eu nem fui convidado, nem sei o que vai acontecer”.

Parceria
A diretora da escola do assentamento Novo Oriente, Maria de Jesus Serafina de Souza tenta, gritando, dar um recado aos professores que estão na manhã no dia 2 de junho em capacitação, mas sem conseguir ser entendida por causa do barulho do trem, aguarda até que a composição carregada de minério passe.
“Aqui é assim ou o professor grita aos alunos ou espera o trem passar, isso nos três períodos, manhã, tarde e noite”.

São 153 alunos que estudam na escola que ainda precisa de muitos reparos para atender os estudantes. “Pedimos uma parceria com a Odebrecht para fazer uma quadra ou cobrir o quintal da escola, mas o engenheiro da obra, o Alex, que anda pela comunidade disse que políticas púbicas não são com a empresa”, diz a diretora.

Já a Vale, em suas reuniões com a comunidade propôs uma parceria, “disseram que como estavam na comunidade aceitariam currículos para cargos de sinaleiro, para limpeza e ajudante de pedreiro, só serviços secundários”, comenta Maria de Jesus.

Persuasão
O senhor João Paulo está eufórico, anda de um lado para o outro no terreno de sua casa, que tem quase 30 hectares, “em meu quintal está o progresso”, diz sorridente. Dono de um pequeno restaurante na comunidade teve seu terreno preterido pela Odebrecht, responsável pela obra de duplicação da ferrovia, para ser instalado o canteiro de obras, que inicialmente contará com cerca de 500 homens.

“Na negociação inicial que fiz com eles (Vale/Odebrecht) eu pedi quinze mil reais pelo aluguel de 3 hectares, onde vai ser construído o alojamento dos trabalhadores, mas eles disseram que só tinham condições de dar sete mil e trezentos”. Esse foi o valor fechado por 12 meses entre o senhor João Paulo e a empresa, mas foi ordenado pela Odebrecht que o dono do lote construísse uma nova casa e um novo restaurante para ele, pois a estrutura de sua atual moradia, casa apegada ao comércio, ficará, por determinação da empresa para hospedagem dos engenheiros, e a outra casa, também no lote, foi destinada para o escritório. “Não, todo esse gasto sai do meu bolso, todo gasto com a manutenção do local sai do meu bolso”.

Sem saber ao certo o quanto está gastando para reestruturar o local, mal consegue perceber que o valor pago pelas multinacionais não vai para ele, mas sim para administrar o local. “Ele virou um administrador da Odebrecht, não está ganhando nada com isso e quando tudo isso acabar ficará com uma estrutura desusada perante a capacidade de consumo da comunidade, já que ficará com dois restaurantes e três casas construídas, acho difícil ele alugá-las posteriormente”, reflete Divina Lopes, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que esteve em visita na comunidade.

Para a diretora do colégio, a Vale usa de sua persuasão contra a ingenuidade e desorganização da comunidade Novo Oriente, “O povo vem para as reuniões em busca de emprego, não vem para esclarecer sobre o projeto. O que está acontecendo é que a própria Vale já se encarrega de organizar os moradores ao seu modo, conforme seus interesses”, observa Maria de Jesus.

http://www.justicanostrilhos.org/nota/746

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