Que dialoguem os deuses

A vida parece fluir normalmente na secura de Dourados. Porém nele se movem mais de uma centena de pesquisadores de quinze países de três continentes. Eles estão aprofundando vários aspectos da historio de luta e ocupação-invasão do continente americano, da Abya Yala ameríndia. É uma história, geralmente marcada pelo conflito, pelas lutas, pelos massacres, pela destruição e dominação em nome de sua majestade o rei e um Deus salvador. Estabeleceu-se neste continente uma guerra santa e continuada, em que os deuses invadidos buscaram seus espaços de sobrevivência, sem se deixarem dominar ou destruir.

Procuraram dialogar e se adequar às novas realidades que o processo dominante foi impondo. Hoje esse processo, no qual as reduções jesuíticas têm um importante e contraditório lugar, vai sendo desvendado. Os povos originários e os trazidos ou atraídos a esse continente forçaram e continuam forçando um amplo diálogo, não apenas de culturas, histórias, e processos de civilizações diversas, mas também exigem o dialogo de seus deuses e expressões religiosas. Daí resulta hoje o complexo quadro de sincretismo, ecumenismo e diálogo das religiões e suas variadas expressões, formas, teologias, fundamentações e perspectivas.

Em Dourados se propicia um desses espaços de diálogo e reflexão, na 13ª Jornada internacional sobre missões jesuíticas: fronteiras e identidades. Povos indígenas e missões religiosas.

Enquanto isso, não muito longe do privilegiado espaço de debate, na Universidade Federal da Grande Dourados, uma comunidade Kaiowá Guarani, continua submetido aos rigores de uma mentalidade colonialista de negação à sua terra e vida. Trata-se da comunidade de Ypao’i. Reproduzo seu clamor num comunicado dirigido ao Ministério Público pelo Conselho da Aty Guasu, que é a instância de articulação do povo Kaiowá Guarani.

O comunicado é publicado por Egon Dionísio Heck, assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul, em artigo publicado por Adital, 02-09-2010.

Ypo’i – ação genocida contra uma comunidade Guarani

“Consegui fugir do cerco dos jagunços, de noite. Vim para clamar por socorro, pois nossas crianças estão adoecendo e as estradas estão fechadas. É urgente que a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) venha atender nossa gente doente.”

Esse pedido de socorro feito por uma das lideranças ao Ministério Público de Ponta Porã reforça a solicitação já feito anteriormente pela comunidade. Não é admissível que a justiça permaneça calada, diante de tamanha injustiça. Não é possível que o governo se omita diante dessa ação genocida contra uma comunidade indígena que busca encontrar o corpo do professor Rolindo sumido (e possivelmente assassinado) e ocultado há mais de trezentos dias. É uma afronta à Constituição e legislação internacional, negar a terra tradicional a uma comunidade indígena e mais ainda impedir o acesso aos próprios órgãos do governo encarregados da proteção e atendimento à saúde da população indígena.

Enquanto Dourados é palco de um grande evento internacional, com representantes de 15 países de três continentes, na “13ª Jornada Internacional sobre as Missões Jesuíticas: Fronteiras e Identidades – Povos Indígenas e Missões Religiosas”, nessa mesma região do cone sul do Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas Kiaowá Guarani, como Ypo’i, continuam privadas de sua condição essencial para a sobrevivência – a terra.

Na recente visita do Presidente Lula, em conversa com as lideranças indígenas, ele reafirmou a promessa de antes do final de seu mandato resolver o crucial problema da demarcação das terras. Conforme o artigo 231 da Constituição, as terras tradicionais das comunidades indígenas lhes pertencem de direito originário, cabendo ao governo demarcá-las e protegê-las. É isso que espera a comunidade do Ypo’i e mais de quarenta mil Kaiowá Guarani e vinte e cinco mil Terenas que também continuam confinados em pequenos expeça de terra.

O Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani clama por urgente ação do Ministério Público Federal e da Justiça para que a comunidade seja atendida pela Funasa e pela FUNAI.

Não é possível ficar impassível diante desse clamor. Não é possível ficar debatendo processos históricos se não nos comprometemos com as vidas ameaçadas de hoje. Que todas as forças, que todos os deuses dialoguem e se unam para dar propiciar condições de bem viver a todos os povos.

Movimento Povo Guarani Grande Povo

Dourados, 1 de setembro de 2010.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=35973

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