Famílias teriam de deixar sua moradia por causa de recentes intervenções urbanas na capital paulista. Isso em apenas sete casos de obras públicas. O levantamento é do Observatório de Remoções. Em geral, os atingidos sofrem com a falta de assistência social e financeira adequada e a quase completa ausência de informações confiáveis sobre seu destino.
Uma população equivalente à de um município de porte médio pode ser obrigada a deixar sua moradia por causa de recentes intervenções urbanas na cidade de São Paulo. Dessas mais de 100 mil pessoas afetadas, cerca de 30 mil já foram removidas. E isso em apenas sete casos de obras públicas: revitalização da região central; Parque Várzeas do Tietê (Zona Leste); trecho Norte do Rodoanel e Parque Linear Canivete (Zona Norte); Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, Paraisópolis e Cantinho do Céu (Zona Sul). Ou seja, o número atingidos pode ser bem maior.
O levantamento é do Observatório de Remoções, mapeamento lançado na semana passada e que tem como objetivo juntar as informações disponíveis sobre as remoções forçadas na capital paulista. A iniciativa, organizada por pesquisadores e professores-coordenadores da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAUUSP), coletou dados publicados na imprensa, obtidos em pesquisas dos Laboratórios de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab) e do Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) – ambos da FAUUSP –, e os decorrentes de denúncias recebidas pela Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU. Com as informações em mãos, o site elaborou mapas em que constam as comunidades já retiradas e as que potencialmente podem ser atingidas – com informações básicas do cada uma delas – assim como os perímetros abarcados pelos projetos urbanos.
Operações urbanas, projetos de infraestrutura – Rodoanel, ampliação de vias e avenidas –, construção de grandes equipamentos vinculados à Copa do Mundo, retirada de famílias de áreas de risco, implantação de parques e até reurbanização de favelas são algumas das intervenções urbanas previstas ou já em andamento que ameaçam centenas – ou milhares – de comunidades (favelas, cortiços, ocupações, loteamentos populares etc.). “Em decorrência deles, nota-se uma dinamização do circuito imobiliário e valorização especulativa do solo urbano, com consequente acirramento das disputas por terra urbanizada e localização”, diz o texto de apresentação do Observatório de Remoções. Em alguns casos, os projetos estão sobrepostos.
A modalidade de intervenção varia, mas, em geral, o tratamento dispensado a boa parte das famílias removidas ou a serem removidas é semelhante: falta de assistência social e financeira adequada e quase completa ausência de informações confiáveis sobre o destino de cada morador. “Como agravante, os estudos indicam a precarização das condições de vida de contingentes expressivos da população removida, muitas vezes causando seu deslocamento para áreas ambientalmente frágeis e sem infraestrutura, com casos de famílias removidas mais de uma vez em decorrência de obras públicas, além de desinformação sobre os projetos e os direitos envolvidos”, segue o texto. De acordo com o site, para piorar a situação dos atingidos “multiplicam-se as denúncias de uso da violência” durante as retiradas forçadas.
Os organizadores do Observatório de Remoções fazem questão de destacar que o mapeamento é apenas um pontapé inicial e que deve ser constantemente complementado, atualizado e detalhado. O desafio é torná-lo uma ferramenta política para questionar as políticas públicas de urbanização e habitação. Para sua elaboração, foram feitas parcerias com o Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (Saju) da Faculdade de Direito da USP, o Escritório Modelo da PUC-SP e movimentos de moradia como a Central dos Movimentos Populares (CMP), União dos Movimentos de Moradia (UMM) e Frente de Luta pela Moradia (FLM). Mas, como as informações sobre os riscos de remoções são escassas e fragmentadas, acredita-se que muitos casos ficaram de fora.
Região central
De acordo com o levantamento do Observatório de Remoções, no centro de São Paulo já foram removidas 1.115 famílias, enquanto outras 1.473 ainda correm esse risco. São moradoras de imóveis abandonados, cortiços e favelas desassistidas pelo poder público e sem condições de arcarem com o aumento dos custos de moradia na região, sobretudo dos aluguéis. Após um grande período de decadência, nos últimos dez anos o centro vem recebendo novamente investimentos públicos e privados.
Segundo um dos movimentos de moradia que atuam na área – que acompanhou 440 famílias envolvidas em ocupações de prédios nos últimos quatro anos –, 26% das 345 famílias despejadas não receberam atendimento algum por parte da Prefeitura de São Paulo. O site lembra que os moradores que recebem alguma atenção são assistidos de forma deficiente. “A Prefeitura tem oferecido vagas em albergues ou auxílio a aluguel de R$ 300. A alternativa do albergue é geralmente recusada e é a única opção oferecida a famílias que ocupam prédios abandonados. O auxílio a aluguel, insuficiente para cobrir os custos com uma nova moradia, dispersa as famílias para longe do Centro, sob o risco de descontinuidade do recurso.”
No contexto de revalorização da região central de São Paulo, destaca-se o Projeto Nova Luz, proposto pelo ex-prefeito José Serra (PSDB). A previsão é que grande parte do bairro Santa Ifigênia seja desapropriada para a construção de novos empreendimentos privados. Movimentos de moradia alertam para os riscos de privatização da área e expulsão da população de baixa renda.
Parque Várzeas do Tietê
O processo de implementação do parque – que, com 75 quilômetros de extensão e uma área de 107 km2, se tornará o maior em formato linear do mundo, segundo fontes oficiais – já causou a retirada de entre 1.800 (segundo representantes das comunidades afetadas) e 4 mil famílias (de acordo com o Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa). A previsão é que ainda existam mais de 20 mil moradores ameaçados. A própria Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) estima em 10.191 o número total de famílias que serão desapropriadas – cerca de 40 mil pessoas.
Oficialmente, a principal razão de ser do parque é a recuperação e proteção da função das várzeas do rio Tietê, que voltariam a fazer o papel de reguladoras das enchentes. “Dessa forma, respaldado por um forte argumento ambiental, o projeto se legitima e os impactos sociais, especialmente aqueles decorrentes das remoções promovidas em função de sua implantação, são ocultados e negligenciados”, critica o Observatório de Remoções, que lembra que o projeto se insere também no conjunto das obras para a Copa do Mundo, pois abrigará uma avenida ligando o aeroporto internacional de Cumbica ao futuro estádio do Corinthians, em Itaquera.
Trecho Norte do Rodoanel
Na parte mais setentrional do Rodoanel, rodovia projetada para circundar o centro expandido da cidade de São Paulo, cerca de 1.500 remoções estão previstas, todas nos distritos de Brasilândia e Jaraguá. Criticado por seu impacto social e ambiental – por causa do grande número de retiradas de moradias irregulares e por passar pela serra da Cantareira –, esse trecho da estrada terá 42,8 km de extensão. Segundo o Observatório, atualmente as habitações estão sendo cadastradas e recursos estão previstos para a realocação da população afetada. No entanto, alerta o site, “a experiência acumulada dos outros trechos [Sul e Oeste] demonstra que os moradores afetados podem não ser atendidos por novas unidades pois, em alguns casos, após 30 meses fazendo parte do programa de auxílio ao aluguel (período de atendimento do programa) tais unidades não foram concluídas, o que levou as famílias a ocuparem outras áreas irregulares e de risco”.
Parque Linear Canivete
Para a implementação desse parque, também localizado na Zona Norte da capital paulista, está prevista a retirada forçada de cerca de 3.500 moradores de cinco favelas da região. Segundo o Observatório de Remoções, embora o projeto tenha como objetivo a recuperação dos recursos hídricos da área, a falta de planejamento adequado das medidas de mitigação dos impactos sociais faz a população atingida se deslocar a zonas próximas e lançar seu esgoto em outros pontos. “Nesse contexto, podemos dizer que espaços públicos de grande importância como os parques sofrem uma distorção em seus valores essenciais, principalmente quanto ao acesso. Tornam-se por vezes, instrumentos de valorização imobiliária, e em programas de requalificação urbana, caracterizam-se como elementos higienizadores.”
Operação Urbana Água Espraiada
Segundo o Observatório de Remoções, 7.090 famílias de 14 núcleos de favelas podem ser atingidas pelos projetos de ampliação da avenida Jornalista Roberto Marinho (antiga avenida Água Espraiada) e de construção de um túnel e um parque linear na região – previstos na Operação Urbana Consorciada Água Espraiada. Já foram construídas 817 novas unidades habitacionais e a previsão é que mais 6,5 mil sejam providenciadas, no Jabaquara e Americanópolis. “Vê-se que esta opção transfere a população moradora das regiões mais valorizadas da Operação Urbana para áreas menos valorizadas, ainda no âmbito desta enorme Operação Urbana, sem dar conta de atender totalmente a população afetada”, denuncia o Observatório.
Paraisópolis
A comunidade Paraisópolis, localizada na Zona Sul da cidade, passa por um processo de urbanização que, embora promova algumas melhorias para a população local, mantém o padrão de mau atendimento aos moradores afetados. De acordo com o mapeamento lançado na semana passada, das 20.832 famílias que vivem na área, 3.500 já foram removidas. Segundo os pesquisadores do Observatório de Remoções, o número de desapropriações “é pequeno se considerarmos que a maior parte das intervenções já realizadas ocorreu em terrenos que margeiam a área. Ainda estão por vir a maior parte das intervenções que efetivamente demandarão remoções”.
Cantinho do Céu
Das cerca de 10 mil famílias dos loteamentos Residencial dos Lagos, Cantinho do Céu e Gaivotas, que estão situados no território englobado pelo “Complexo Cantinho do Céu”, 1.700 já tiveram que deixar suas casas. O projeto integra o Programa Mananciais, que prevê uma série de intervenções em áreas de proteção aos mananciais, como as represas Billings e Guarapiranga, na Zona Sul. Novamente, a crítica se concentra na inadequação da assistência aos moradores atingidos. De acordo com o Observatório de Remoções, prevê-se ainda uma grande quantidade de remoções para as próximas etapas do projeto.
Fonte: Carta Maior
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http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=1&id_noticia=195537