Cantora, compositora, deputada, Leci Brandão é também uma ativista. É dela o artigo que reproduzo aqui no blog. Ela o escreveu na última quarta-feira, o 21 de março instituído pela Organização das Nações Unidas como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
A data surgiu em memória do Massacre de Shaperville, em 1960, quando 20 mil jovens negros de Joannesburgo, na África do Sul, protestavam contra a lei do passe, que os obrigava a portar cartões de identificação. Eles foram metralhados. O espantoso é que naqueles anos o regime sul-africano era apoiado por muitos países que, se pudessem, apagariam isso da história. Mas vamos ao artigo de Leci Brandão:
“Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército atirou na multidão e o saldo da violência foram 69 mortos e 186 feridos. No Brasil, nunca tivemos uma lei do passe explícita, mas, cotidianamente, vivemos as limitações de quem não exerce plenamente sua cidadania. E esses limites podem ser mais perversos, porque não limitam apenas o ir e vir, mas impedem que as pessoas vivam plenamente sua autonomia e liberdade.
Sempre que a polícia persegue um cidadão negro, alegando que este estava em “atitude suspeita”, ou quando seguranças dedicam especial atenção aos cidadãos negros que entram nos supermercados, estamos diante da prova palpável da existência do racismo forjado em nossa herança escravocrata, que faz suas vítimas cotidianamente e que mostra que somos punidos toda vez que tentamos ultrapassar os limites impostos a nós pela sociedade.
Em São Paulo, a imprensa diariamente mostra casos de violência racial e as estatísticas comprovam que o número de denúncias desse tipo de crime tem aumentado no Estado. Contudo, mais grave do que constatar a permanência do racismo é perceber a banalidade e passividade com que esses casos vêm sendo tratados.
O mais recente aconteceu no último dia 17, em Embu das Artes, quando o ajudante de caminhoneiro Ivan Romano foi agredido por dois jovens. Os agressores estão presos por tentativa de homicídio e a acusação de racismo está sendo investigada. Na semana passada, o músico Raphael Lopes chamou a polícia durante um show de comédia, após ser comparado a um macaco por um humorista. Em dezembro do ano passado, a estagiária Ester Cesário, de 19 anos, afirma ter sofrido discriminação no Colégio Internacional Anhembi Morumbi. Segundo Ester, a diretora da escola teria reclamado de seus cabelos e recomendado que ela os prendesse e alisasse.
Tais casos não são isolados. O racismo em nosso país está impregnado na sociedade, que considera normal o fato de negros receberem salários mais baixos e terem menos anos de estudo e, ao mesmo tempo, faz um estardalhaço toda vez que se propõem políticas afirmativas voltadas para a população negra.
É inegável que o racismo cotidiano permanece, mas é inadmissível que ele não seja contestado, que seja banalizado. Para combatê-lo, é fundamental termos o amparo legal e a criminalização de práticas racistas, mas devemos olhar com prioridade para a educação e a cultura como ferramentas.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, tramitam mais de 40 Projetos de Lei para a promoção da Igualdade Racial. Boa parte deles é relacionada à educação e à cultura. É importante que a sociedade se mobilize e sensibilize os demais deputados para a discussão e aprovação desses projetos, que apontam caminhos para combater o racismo e suas consequências desastrosas, que impedem qualquer tentativa de construção de uma sociedade mais justa e igualitária”.