Iminente despejo em Gramame na cidade de João Pessoa (PB) eleva nível de tensão entre trabalhadores/as rurais e o Estado. Situação tramita no Poder Judiciário faz 11 anos e apesar dos clamores por audiência pública, exames cartoriais e perícia técnica, Ministério Público da Paraíba e Juíza da 1 Vara do Fórum Distrital de Mangabeira se posicionam favoráveis ao cumprimento da liminar sem atender pedidos das famílias.
Em 02 de fevereiro de 1999, cerca de 60 famílias ocuparam a fazenda Ponta de Gramame, área improdutiva com aproximadamente 164 hectares, situada no município de João Pessoa. Na área viviam seis famílias, há cerca de 20 anos e a ocupação foi uma estratégia para reforçar a luta dos/as posseiros que estavam sendo ameaçados/as de expulsão pela Família Gouveia Falcone, proprietária da área, que queria transformar a Fazenda em um empreendimento imobiliário. No dia 08 de março de 1999, as famílias sofreram o primeiro despejo, a comunidade foi cercada por capangas que tinham suporte do aparato policial do Estado, as máquinas (tratores e outros) dos proprietários entraram em cena e destruíram os barracos e cerca de 6 hectares de plantações, após um mês de tensões e ameaças, as famílias reocuparam a área e iniciaram um novo plantio.
O clima continuou acirrado por todo ano de 2000 e no dia 27 de novembro do mesmo ano, policiais militares, servindo de capangas dos proprietários da Fazenda, ameaçaram mais uma vez as famílias, porém, desta vez, um grupo aproximado de 53 pessoas montaram um cerco e conseguiram apreender as armas de policias militares que rondavam o acampamento. Em 23 de dezembro de 2000, o grupo imobiliário impetrou outra Ação de Reintegração de Posse requerendo reintegração na posse dos imóveis Portal Colinas I e Portal Colinas II, com área de aproximadamente 73 e 18 hectares respectivamente.
A Medida Liminar foi concedida em 09 de janeiro de 2001, mas apenas para o imóvel Portal Colinas II. Iniciada a reintegração da posse, esta foi suspensa por Agravo de Instrumento no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, devido a destruição de lavouras, assim como, com o argumento de que liminar estava sendo cumprida em área diversa do apontado na petição inicial, posteriormente o efeito suspensivo do Agravo foi revogada. No ano seguinte em 07 de fevereiro de 2001, mais um despejo foi iniciado, com lavouras destruídas, ferramentas apreendidas, cinco pessoas presas e várias feridas. De acordo com os trabalhadores, foram destruídos mais de 150 hectares de roça, que estavam prontas para a colheita. O Juiz do Fórum Distrital de Mangabeira na liminar de reintegração de posse determinou a total destruição das lavouras.
O processo de intimidação, violência psíquica, física e os trâmites administrativos, assim como, jurídicos continuaram, até que em 21 de maio de 2003, as famílias foram novamente despejadas, desta vez foi a empresa Godin Empredimentos imobiliários que diz ter comprado um lote que fica dentro da Fazenda, o estarrecedor, é que a liminar era relacionada a apenas um lote (número 228), mas o juiz mandou reintegrar toda a área.
As famílias foram retiradas da área e como forma de proteção e continuação de suas lavouras resolveram ficar nas proximidades onde poderiam continuar no aguardo do processo desapropriatório e organizar suas demandas do cotidiano, assim o fizeram, até os dias atuais, permanecendo fora das áreas reintegradas, assim como, suas lavouras.
Em 2008, com a elaboração do novo plano diretor da cidade de João Pessoa, a prefeitura iniciou um processo de urbanização da área, sendo a discussão sobre a área levada para outra esfera pública, ao término de seus trabalhos, declarou a área como zona rural do município de João Pessoa, o que vai de encontro aos interesses da especulação imobiliária que grassa na região do litoral sul do Estado da Paraíba nos últimos anos.
No mesmo ano, em março de 2008 em Sessão do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba foi negado um pedido de assistência formulado pela Procuradoria do INCRA em um dos processos de reintegração de posse, que nesse momento se multiplicam no Fórum Distrital de Mangabeira, sem que ocorram audiências de justificação prévia, vistorias técnicas do poder judiciário, visita do Ministério Público Estadual, o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba afastou a possibilidade do deslocamento do julgamento para seara federal, pois, o Desembargador Relator (Juiz Convocado) Sr. Rodrigo Lima, no julgamento do Agravo de Instrumento, entendeu que não havia interesse manifesto da autarquia federal, haja vista que, os procedimentos administrativos versavam sob outra área do mesmo proprietário, na mesma localidade, porém, não apontou que as ações estavam sendo objeto de reintegrações de posse arbitrárias.
Em maio de 2008, a área foi desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), publicado em 20 de maio de 2008, declarando diversas áreas da antiga propriedade Ponta de Gramame de interesse social, denominadas áreas N, O, P, Q e R. Essas áreas são vizinhas aos imóveis Portal Colinas I e Portal Colinas II.
Em 14 de dezembro de 2010, o grupo Falcone peticionou requerendo o cumprimento imediato da medida liminar, impetrada em 2000/2003 e a Juíza em janeiro de 2011 determinou o cumprimento, porém, determinou também que fosse mantidas intactas plantações e bens móveis e imóveis existentes na área, de toda forma, além desse processo, tramita na Primeira Vara de Mangabeira, mais três ações de despejos:
a) Processo nº 200.2000.001.236-5 – Amauri Gouveia Falcone contra Luiz Amaro;
b) Processo nº 200.2000.001.240-7 – Herci Gouveia Falcone contra Pedro Simplício da Cruz;
c) Processo nº 200.2000.001.230-8 – Eliel Gouveia Falcone e outros contra Vital Joaquim de Souza.
O grupo imobiliário entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) argumentando de que se trata de uma área urbana, ainda que a área não seja urbana, buscando a anulação do decreto presidencial de 2010. Durante todo o ano de 2011 a Juíza da 1 Vara do Fórum Distrital de Mangabeira vem produzindo despachos exigindo do Comando da Polícia Militar da Paraíba o cumprimento imediato da reintegração de posse, mesmo com o pedido do Grupo de Gerenciamento de Crises (PM/PB) de que seria necessário uma audiência pública e um melhor detalhamento das áreas que serão reintegradas, esse posicionamento também foi manifestado pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos e por cerca de 30 organizações de defesa dos direitos humanos, movimentos sociais, associações de trabalhadores/as rurais, sindicatos e assessorias parlamentares que em 09 de junho de 2011 assinaram na OAB/PB um documento enviado para as autoridades do Estado da Paraíba ( Executivo e Judiciário) e a Ouvidoria Agrária Nacional no qual são apresentados relatos sobre a produção rural e a situação sócio-econômica das famílias.
Neste sentido, mais uma vez, a luta dos trabalhadores/as rurais do Estado da Paraíba precisa de força, o documento base para essa nota emergencial é o: “HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA NA LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E DIREITO HUMANOS NO ESTADO DA PARAÍBA. APOIO À COMUNIDADE DE GRAMAME de 09 DE JUNHO DE 2011.” Assinado pela Comissão Pastoral da Terra – Paraíba; Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba; Dignitatis – Assessoria Técnica Popular; Grupo GESTAR : Território, Trabalho e Cidadania – Pesquisa e Extensão UFPB; Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH – PB), Associação dos Agricultores do Assentamento Dom Marcelo; Associação Almir Muniz; Fórum Promoção da Paz e Combate às Violências – OAB/PB; INCRA/PB – Superintendência Regional, Deputado Estadual Frei Anastácio (PT/PB); Associação dos Camponeses do Assentamento Frei Anastácio II; Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba (CEDDHC); Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero – (CEDHOR); Movimento do Espírito Lilás (MEL), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); SEDUP – Guarabira – PB; RENAP / CE; MMT – PB; Assembléia Popular (PB); Comitê de Apoio aos familiares dos adolescentes chacinados de Cajazeiras; Pastoral Carcerária; CNEDH – RN; Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (AACADE –PB) ; Quilombo do Paratibe; CDHMP – RN; Associação das Travestis da Paraíba – ASTRAPA; Museu Etnológico da Paraíba; Fundação Margarida Maria Alves e o Mandato da Cidadania – Deputado Federal Luiz Couto (PT/PB).
Nesse momento é preciso fazer contato direto junto ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, assim como, ao Poder Executivo, para que os direitos humanos (moradia, alimentação e outros) não sejam mais uma vez violados em nome do interesse privado, a assessoria jurídica junto com as organizações de apoio pretendem levar o caso para o Conselho Nacional de Justiça, instâncias nacionais de proteção aos direitos humanos, assim como, recorrer a mecanismos internacionais.
Por isso, solicitamos que notas/cartas de apoio à Comunidade de Ponta de Gramame sejam enviada para o Tribunal de Justiça da Paraíba (Presidente do TJ/PB Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos e ao Corregedor Des. Nilo Luíz Ramalho Vieira) através do Telefax ( 83) 3216-1400, assim como, ao Fórum Regional de Mangabeira ( Diretor do Fórum Juiz Manoel Gonçalves Dantas de Abrantes e a Juíza Titula da 1 Vara Leila Cristiani Correia) através dos Telefax (83) 3238-4293; 3238-4354 e 3238-6333. E ao Procurador Geral de Justiça ( Osvaldo Trigueiro do Vale), através do telefone geral (83) 2107-6000. Em anexo segue parte do Processo em trâmite para que se entenda melhor o caso. Também enviamos um modelo/dados para elaboração das notas/cartas.
MODELO :
Para: EXMO SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA.
C/c : EXMO SR. DESEMBARGADOR CORREGEDOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA.
Para : EXMO SR. JUIZ DIRETOR DO FÓRUM DISTRITAL DE MANGABEIRA.
C/c : EXMA. SRA. JUIZA DA 1 VARA DO FÓRUM DISTRITAL DE MANGABEIRA.
Para : EXMO. SR. PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA.
A (Organização, pessoa, movimento, grupo…) vem respeitosamente perante Vossa Excelência manifestar apoio a Comunidade de Ponta de Gramame e por fim solicitar que seja suspensa a reintegração de posse determinara pela Exma. Juíza da 1 Vara Mista do Fórum Distrital de Mangabeira de acordo com os seguintes fatos :
O Estado brasileiro não suporta mais violações aos direitos humanos sendo perpetuadas com base na leitura fria, mecânica e distante da lei, as situações narradas a seguir são extremamente complexas e não podem se decididas de forma arbitrária sob o risco de vivenciarmos novos conflitos no campo.
A trajetória dos Trabalhadores Rurais Sem Terra revela a luta contra a histórica concentração fundiária que marca o Brasil desde 1.500. Ainda hoje, o Brasil apresenta-se como um dos países com maior concentração fundiária, onde 1% dos proprietários são donos de 43% da área agricultável do país, enquanto estabelecimentos com menos de 10 ha ocupam 2,7% da área total[1]. Há, no Brasil, cerca de cinco milhões de famílias que não têm acesso à terra.[2] Ao longo da história brasileira, este quadro tem gerado grandes conflitos – por um lado, milhões de famílias sem-terra que se manifestaram para conseguir um pedaço do patrimônio brasileiro; por outro, a repressão deste movimento, com o fim de preservar a concentração fundiária no campo. A história do Brasil pode ser contada, portanto, como uma história da concentração e das resistências a este modelo.
Entre 2001 e 2010, 361 trabalhadores rurais foram mortos em conflitos. Em 2002, foram registrados 743 conflitos por terra e 43 assassinatos. O ano de 2003 registrou quase o dobro de conflitos agrários em relação ao ano de 2002, sendo 1.335 conflitos e 71 assassinatos. No ano seguinte, em 2004, foram registrados 1.398 conflitos por terra, 37 assassinatos. Em 2005, foram 1.304 casos de conflitos e 38 assassinatos. Em 2006, 1.212 conflitos e 35 assassinatos. Em 2007, foram 1027 conflitos e 25 assassinatos. Em 2008, 751 casos e 27 assassinatos. Em 2009, 854 conflitos com 26 assassinatos. Por fim, os dados apontam que em 2010, 853 conflitos e 30 assassinatos[3].
Este quadro revela a necessidade de dar continuidade às lutas sociais para garantir a construção de um modelo de agricultura que passe a priorizar a produção de alimentos e a distribuição de renda, como alternativa ao modelo de desenvolvimento e como pressuposto para a paz no campo. As ações e omissões do Estado Brasileiro no que tange à luta pela terra continua a fazer vítimas todos os dias. No caso da Paraíba, Estado que apresenta uma trajetória histórica de luta pela terra, a situação permanece a mesma, com o relato de vários casos emblemáticos que compõem uma triste história de criminalização por conta da luta pelos direitos.
A Comunidade de Ponta de Gramame é um exemplo local e nacional de resistência, luta por igualdade e extremamente produtiva, de acordo com os dados coletados junto ao GRUPO GESTAR da UFPB, registrados na plataforma de pesquisa nacional CNPQ, existem aproximadamente 36 famílias que englobam um total de 216 pessoas, com cultivo diário de: MACAXEIRA, FEIJÃO MACASSAR, BATATA DOCE, INHAME, MILHO, MAMÃO, MELANCIA, MARACUJÁ, ACEROLA, BANANA, MANGA, JACA, CAJU, HORTALIÇAS. OUTROS PRODUTOS: CAMARÃO, LEITE, MEL DE ABELHA. Criações de: BOVINOS, AVES E SUINOS. E todos estes produtos são comercializados para grande João Pessoa.
A forma de organização comunitária é a ASSOCIAÇÃO, devidamente registrada, que conta com atividades semanais, além da participação das atividades do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, seminários, cursos, intercâmbios com outros agricultores, movimentos sociais, pesquisadores e extensionistas da UFPB, assim como, comercializam seus produtos nas seguintes feiras: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, VALENTINA DE FIGUEREDO, GEISEL E GROTÃO, atingindo uma marca semanal de 8.000 KG de produtos. Cabe ainda destacar que na a área a ser reintegrada existem 40 habitações, energia elétrica, Escola da Prefeitura Municipal de João Pessoa, onde são alfabetizados crianças e adultos.
Diante desse quadro que se apresenta, é visível o crescente tensionamento, passados mais de 10 anos da primeira reintegração de posse, novas famílias surgiram naquela comunidade, crianças nasceram naquelas terras e o desenvolvimento sem praticamente nenhum auxílio do Estado é visível. A Coordenadoria de Gerenciamento de Crises da Polícia Militar do Estado da Paraíba, através do Ten. Cel. Josman Albuquerque vem se esforçando para que ações truculentas e desarticuladas por parte da Polícia Militar não ocorram no cumprimento da reintegração de posse, assim como, busca o diálogo com diversos setores do Estado, movimentos sociais, assessoria jurídica, grupos de apoio, e com as próprias famílias, para que o cumprimento da reintegração de posse seja cumprida dentro da padronização sugerida pelo Ministério Público do Estado da Paraíba, porém, quem não iria resistir ao ver seus lares, plantações, famílias e sonhos deixados ao largo por interesses meramente especulatórios? As famílias irão resistir a tentativa de retirada dos seus lares, e ao Poder Judiciário e Poder Executivo do Estado da Paraíba mais uma vez será destaque nacional e internacional enquanto orquestrador e violador dos direitos humanos.
Neste sentido, apoiamos a Comunidade de Ponta de Gramame em seus reclames, solicitamos a anulação dos processos judiciais de reintegração de posse por perda do objeto e consequentemente a suspensão do eminente despejo, permitindo desta forma, que meios legais e ágeis sejam utilizados para que as famílias possam retornar ao seu cotidiano de afazeres, com a certeza de que os direitos básicos, como direito de ir e vir, direito à moradia, direito à alimentação, direito ao acesso aos meios de subsistência, direito ao associativismo, direito a educação, direito à saúde, enfim, o direito à vida em sua plenitude que cada pessoa tem em um Estado democrático de direito, sejam respeitados em uma sociedade que aspira ser justa e igualitária.
Assinatura
[1] Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006.
[2] Nações Unidas. Report of Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, Miloon Kothari. Addendum: Mission to Brazil. Documento E/CN.4/2005/48/Add.3. 18 February 2004, pág. 11.
[3] Comissão Pastoral da Terra, Comparação dos Conflitos no Campo (2001-2010). No site:www.cptnac.com.br. Tais números referem-se, como já mencionado, aos conflitos por terra. Já se levarmos em consideração toda a sorte de conflitos ocorridos no campo, incluindo não só os que envolvem a questão da terra, mas também aqueles conflitos trabalhistas (casos de trabalho escravo, assassinatos, super-exploração e desrespeito trabalhista) e os conflitos pela água, os dados são ainda mais preocupantes: no total desta mesma projeção entre 2001 e 2010, temos o total de 377 assassinatos.
Enviada por Eduardo Fernandes.