Entrevista: Marcelo Firpo

Ibase – O Mapa da injustiça ambiental e saúde no Brasil foi lançado em 5 de maio. A iniciativa – desenvolvida a partir de parceria entre a Fase e a Ensp/Fiocruz – apresenta, até o momento, cerca de 300 casos distribuídos por todo o país. O objetivo do mapeamento é fazer uma espécie de diagnóstico nacional de grandes conflitos envolvendo populações atingidas por políticas públicas e projetos de desenvolvimento. A repercussão do mapa pela grande mídia tem gerado críticas por parte de empresas citadas nas denúncias. Confira a importância do mapeamento e o que está sendo planejado para ampliar o diálogo entre populações atingidas, movimentos sociais, pesquisadores(as), órgãos de governo e as empresas envolvidas.

Ibase – Como e quando surgiu a ideia do mapeamento?

Marcelo Firpo – O trabalho é uma demanda antiga, que vinha sendo discutida nos encontros da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Foi amadurecendo a partir do momento que o Ministério da Saúde fez uma articulação com a Fase e a Fiocruz. O objetivo do mapeamento é fazer uma espécie de diagnóstico nacional de grandes conflitos envolvendo populações atingidas por políticas públicas e projetos de desenvolvimento. Esses grandes conflitos estavam sendo discutidos, do ponto de vista da justiça ou injustiça ambiental, pelos movimentos sociais vinculados à Rede.

Ibase – Qual é a fonte desse material?

Marcelo Firpo – Foram vários documentos, inclusive os oficiais, de âmbito federal e estadual, que constam nas investigações do Ministérios Público e da justiça em diversos casos. Consideramos ainda os materiais discutidos e divulgados em fóruns vinculados à Rede Brasileira de Justiça Ambiental e seus grupos de trabalho. Esses fóruns, além de outros, têm levantado várias discussões sobre populações atingidas e divulgados relatórios, reportagens da mídia e matriais produzidos por grupos acadêmicos e ONGs parceiras das populações.

Ibase – A Fase e a Fiocruz contam com outros apoios na sistematização?

Marcelo Firpo – Como já disse, o próprio Ministério Público tem atuado, mas também temos grupos de pesquisa que produzem relatórios, documentos e artigos, além de reportagens. E esses materiais são utilizados para sistematizar os casos.
Ibase – Há outras iniciativas como essa no país?

Marcelo Firpo – Existem vários trabalhos e grupos que vem atuando. O IPPUR/UFRJ, por exemplo, já fez um projeto que mapeia conflitos ambientais no estado do Rio de Janeiro. A pesquisadora Tania Pacheco já havia iniciado um trabalho de mapeamento do racismo ambiental no Brasil. Existe também um projeto do antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, uma discussão sobre a nova cartografia brasileira. Ele também tem um antigo trabalho sobre as populações tradicionais da Amazônia. Este e outros trabalhos foram referência para nós.

Ibase – Qual situação chamou mais a sua atenção?

Marcelo Firpo – É difícil destacar uma. Temos a expansão das monoculturas, em particular da soja, mas também da cana-de-açúcar. Também a expansão da carcinicultura, ou seja, as fazendas de camarão. Temos a construção de grandes complexos siderúrgicos e de mineração. Temos, por exemplo, desde casos famosos como o de Belo Monte até diferentes situações que envolvem populações indígenas em vários estados do Brasil. Populações que sofrem as consequências de um modelo que consideramos ambientalmente insustentável e socialmente injusto. Que utilizam recursos naturais e fazem mudanças radicais no território sem negociar com as populações locais os impactos e as formas de manutenção de seus direitos fundamentais.

Ibase – O que pode ser destacado como mais importante no mapeamento?

Marcelo Firpo – Um aspecto importante é a presença de todos os estados da federação. O mapa levanta casos totalmente desconhecidos. Temos vários casos graves, porém invisibilizados no interior dos estados brasileiros. Muitos desses casos envolvem populações quilombolas, ribeirinhas, pescadores, indígenas etc. São casos que não estão sendo discutidos pela mídia, seja em âmbito local ou nacional.

Ibase – Esses casos exemplificados se referem bastante a populações rurais e zonas costeiras. Mas no mapa notamos que a região urbana também está presente e vem sofrendo impactos graves. O senhor poderia falar um pouco sobre isso?

Marcelo Firpo – Esse modelo de desenvolvimento e esses grandes projetos de investimento existem principalmente nos territórios rurais. Mas existem vários casos de populações tipicamente urbanas, que tendem a crescer no Brasil. São moradores que vivem perto de lixões, aterros, fábricas de grande potencial poluidor. Há também a falta de infraestrutura urbana de saneamento, às vezes tudo isso misturado no que o americano Robert Bullard denomina de zona de sacrifício. Acreditamos que, ao passo que as populações urbanas e a luta da cidade por direitos humanos incorporem o conceito de justiça ambiental, esses casos possam ser considerados enquanto situações de injustiça ambiental nos territórios urbanos da cidade.

Ibase – Quais os principais resultados esperados?

Marcelo Firpo – Esperamos que os órgãos responsáveis atuem de forma mais efetiva. Que políticas públicas sejam efetivadas na defesa dos direitos fundamentais dessas populações. Nossa perspectiva é proporcionar práticas democráticas de discussão da gestão dos territórios. Que as diferentes comunidades se conheçam, populações e movimentos em diferentes territórios saibam das experiências de resistência e conquistas de outras. Também esperamos que os órgãos públicos e as empresas estejam mais abertos, que negociem e não se comportem de forma autoritária e violenta.

Ibase – Há casos de violência presentes no mapa?

Marcelo Firpo – Sim. Inclusive muitos casos de saúde que aparecem de forma muito intensa são casos de ameaça e assassinato. Casos de violência contra as populações e suas lideranças, quando essas querem exercer o direito a sua territorialidade e suas vidas. O que desejamos é que a população possa participar de forma livre e democrática na defesa de seus direitos.

Ibase – O trabalho estimula novas denúncias?

Marcelo Firpo – Sim. Depois do mapa já recebemos cerca de 100 novas denúncias. Agora estamos discutindo uma estratégia de como incorporá-las ao mapa. A ideia é não demorar muito para tornar públicas as denúncias que estão sendo encaminhadas. Mas, primeiro, precisamos fazer uma avaliação da fonte, averiguar quais os atores etc.

Ibase – Estão havendo críticas contra o mapa. Quais são elas?

Marcelo Firpo – Com a publicação do mapa a mídia vem destacando as denúncias, até mesmo em duas páginas inteiras de jornais de grande circulação nacional. E as empresas envolvidas têm se posicionado quanto ao conteúdo das informações divulgadas pelo mapa. Mas o que podemos dizer é que essas informações foram checadas e são provenientes de organizações e entidades que vêm atuando de forma sistemática e têm bastante credencial pública. São movimentos sociais, organizações da sociedade civil etc. Estamos elaborando um espaço para o debate público de cada caso.

Ibase – Como será este espaço?

Marcelo Firpo – Nossa ideia é criar um fórum de discussão para cada um dos casos. Onde qualquer cidadão, organização ou empresa também poderá se expressar, trazer informações novas sobre suas iniciativas com relação à demanda apresentada. Nós convocaremos os próprios pesquisadores ou as organizações solidárias às populações atingidas para conversarem. É importante haver espaço para o debate público como condição para a mudança de padrões de gestão socioambiental e do próprio modelo de desenvolvimento, que é o grande desafio a ser enfrentado.

Confira o mapa: www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br.

Publicado em 14/5/2010.

http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=2866

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