“No Centro de Direitos Humanos no qual trabalho, lidamos com uma média de 500 ações de despejo, tendo uma média de quase 15 ações por dia”, informa o advogado
IHU On-Line – “São Paulo vive um constante processo de favelização”, adverte Benedito Barbosa em entrevista à IHU On-Line, por telefone, ao comentar o constante processo de remoção de famílias de suas residências por conta do boom imobiliário e das obras urbanas realizadas não só na cidade de São Paulo, mas em diversas capitais brasileiras.
Membro da Central dos Movimentos Populares, Barbosa esclarece que o “número de favelas tem aumentado principalmente na periferia da cidade”, pressionando “as áreas de mananciais”, comprimindo ainda mais as áreas de proteção ambiental.
De acordo com os dados oficiais da prefeitura de São Paulo, mais de 27 mil famílias já foram removidas de suas casas somente em São Paulo. Contudo, enfatiza, “é difícil fazer uma estimativa em torno de números, porque não há um levantamento preciso de quantas famílias foram removidas. Acompanhamos as comunidades e de repente elas desaparecem por conta de obras de infraestrutura ou pela simples expulsão das famílias para outras zonas da cidade”.
E acrescenta: “Em São Paulo, acompanhei remoções por conta da obra do Rodoanel, por exemplo, e de obras de interligação do trecho norte com trecho sul do Rodoanel. Somente nesse processo, mais de 50 mil famílias foram removidas ou deslocadas nos últimos três anos, sem contar as famílias que estão sendo expulsas ou deixando suas moradias por conta do preço do aluguel, que está muito alto. É quase impossível contabilizar quantas pessoas foram removidas em todo esse processo, e o setor público não tem um levantamento formal sobre isso”.
Na avaliação dele, programas habitacionais, tal como o Minha Casa, Minha Vida, “não possibilitam a moradia em áreas centrais da cidade e esse é um problema em relação ao programa. Além disso, por conta do custo da terra, o programa não tem um alcance muito grande. Estamos tentando pressionar a prefeitura e o governo do estado para aumentar os subsídios em torno do Minha Casa, Minha Vida, mas, mesmo assim, as novas moradias acabam sendo construídas nas periferias das cidades e não nas melhores regiões”.
Benedito Barbosa é advogado da União dos Movimentos de Moradia e há 15 anos integra a Central dos Movimentos Populares – CMP. Desde 1980 milita a favor da causa da moradia digna e popular em São Paulo e região metropolitana. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as razões que envolvem a remoção de 27 mil famílias em São Paulo?
Benedito Barbosa – O problema das remoções em São Paulo, como também nas grandes cidades do país, está associado a três questões centrais.
A primeira delas é o processo de especulação imobiliária que está acontecendo não só em São Paulo, mas em todas as capitais brasileiras, porque o Brasil vive um boom de especulação imobiliária. Assim, o processo de valorização extrema da terra gerou, e vem gerando, um processo de remoção de famílias de baixa renda que antes moravam em bairros consolidados.
A segunda questão é a atuação do Judiciário, que é extremamente conservador e se alia ao setor imobiliário para fazer as remoções.
A terceira questão diz respeito ao processo de expulsão e remoção da terra, que vem acontecendo em todas as capitais brasileiras.
IHU On-Line – É possível estimar quantas famílias foram removidas durante a Copa?
Benedito Barbosa – É difícil fazer uma estimativa em torno de números, porque não há um levantamento preciso de quantas famílias foram removidas.
Acompanhamos as comunidades e de repente elas desaparecem por conta de obras de infraestrutura ou pela simples expulsão das famílias para outras zonas da cidade. De todo modo, em São Paulo, acompanhei remoções por conta da obra do Rodoanel, por exemplo, e de obras de interligação do trecho norte com trecho sul do Rodoanel. Somente nesse processo, mais de 50 mil famílias foram removidas ou deslocadas nos últimos três anos, sem contar as famílias que estão sendo expulsas ou deixando suas moradias por conta do preço do aluguel, que está muito alto. É quase impossível contabilizar quantas pessoas foram removidas em todo esse processo, e o setor público não tem um levantamento formal sobre isso. De acordo com o programa de parceria social da prefeitura de São Paulo, somente na cidade, 27 mil famílias já foram removidas nos últimos anos e estavam recebendo aluguel social da prefeitura, mas muitas delas já estão perdendo esse recurso. Esses são números oficiais, mas imagina quantas pessoas não conseguem acessar esses programas de assistência. Provavelmente estamos falando de algo em torno de 200 mil pessoas.
IHU On-Line – Em que regiões de São Paulo acontecem mais remoções?
Benedito Barbosa – As remoções estão associadas a obras de infraestrutura urbana no interior da cidade e da região metropolitana, seja por conta da construção de novas rodovias, avenidas ou alças de acesso. A fronteira leste da cidade é uma frente que tem tido muitas ocupações, mas é difícil dizer quais são as regiões onde as remoções mais acontecem, porque há obras por toda a cidade e a especulação imobiliária atinge toda a área da cidade, empurrando-a mais para a periferia, principalmente nas zonas leste, sul e norte.
IHU On-Line – Como têm acontecido os processos de remoção das famílias? Em que condições essas famílias estão vivendo atualmente?
Benedito Barbosa – O processo é variado: acontecem desde ameaças para que as pessoas saiam logo de suas casas, isto é, grupos expulsam as pessoas de modo informal, sem ordem judicial, ou situações de remoções administrativas por conta de ações da prefeitura ou do estado de São Paulo, ou então remoções por ordem judicial. Infelizmente é um processo desastroso para as famílias, porque elas são de baixa renda e não têm tanto acesso à informação.
Além disso, a defensoria pública de São Paulo não tem uma grande infraestrutura, ainda está se estruturando para dar apoio a essas remoções. As entidades de direitos humanos também são restritas, então há poucos advogados à frente desses trabalhos. Temos uma articulação com a Universidade de São Paulo e com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que estão dando um apoio às famílias, mas é algo insuficiente para enfrentar a situação das pessoas removidas na cidade. No centro de Direitos Humanos no qual eu trabalho, lidamos com uma média de 500 ações de despejo, tendo uma média de quase 15 ações por dia.
IHU On-Line – Como você avalia as políticas públicas Bolsa Aluguel, Parceria Social e Auxílio Aluguel, criadas para auxiliar as famílias que foram removidas de suas casas?
Benedito Barbosa – Esses programas funcionam pouco, e o poder público tem pouca transparência. Estamos tentando buscar informações junto ao Conselho Municipal de Habitação, que estava paralisado há dois anos por conta de uma ação judicial, e o objetivo é tentar conseguir informações por meio da Lei de Acesso à Informação. Mas em geral os programas têm dado pouco suporte às questões de moradia em São Paulo. Às vezes um programa não funciona, criam outro, nem todas as pessoas têm acesso a ele e, por outro lado, a bolsa auxílio é de 300 reais por família, ou seja, um valor muito baixo. Estamos com um projeto de aumentar o valor da bolsa para 700 reais, porque é um absurdo, numa cidade como São Paulo, uma família receber um auxílio de 300 reais.
IHU On-Line – Quais são os principais problemas em relação à moradia em São Paulo? Quais as conquistas e retrocessos em relação à moradia?
Benedito Barbosa – São Paulo vive um constante processo de favelização. O número de favelas tem aumentado principalmente na periferia, e isso pressiona as áreas de mananciais, já que a cidade está vivendo uma crise de água muito grande, o que comprime ainda mais as áreas de proteção ambiental e vai na contramão do direito à moradia. A violência contra as famílias sem teto — especialmente as que estão na área central — é grande. Os projetos em relação à moradia na área central não se viabilizam e não há um programa federal consistente.
IHU On-Line – Nem o Programa Minha Casa, Minha Vida?
Benedito Barbosa – O programa Minha Casa, Minha Vida não possibilita a moradia em áreas centrais da cidade e esse é um problema em relação ao programa. Além disso, por conta do custo da terra, o programa não tem um alcance muito grande. Estamos tentando pressionar a prefeitura e o governo do estado para aumentar os subsídios em torno do Minha Casa, Minha Vida, mas, mesmo assim, as novas moradias acabam sendo construídas nas periferias das cidades e não nas melhores regiões. Acabamos de aprovar o Plano Diretor da Cidade de São Paulo e conseguimos viabilizar uma série de terrenos em áreas bem localizadas. A expectativa é de que o dinheiro do fundo de urbanização seja utilizado para compra de terrenos para atender as famílias de baixa renda, principalmente nas áreas nobres da cidade.
São Paulo tem cálculos tenebrosos em relação à quantidade de mortes de pessoas por problemas de respiração por causa da poluição. Precisamos melhorar a qualidade de vida na cidade, e ampliar as ocupações nessas regiões de mananciais não é a solução para a habitação; precisamos trazer a cidade para dentro dela mesma, construindo moradias nas áreas adequadas. Esse é o desafio do plano diretor e os movimentos sociais têm que pressionar o governo para viabilizar habitações nas melhores regiões da cidade, não permitindo que o processo de favelização se amplie.
Além disso, as cidades vivem um processo de criminalização muito grande. Nesse sentido, um dos legados da Copa é a militarização das cidades, a qual vem gerando um processo de criminalização das famílias pobres. Esse é um desafio para enfrentar.
IHU On-Line – Como esses temas relacionados com a questão da moradia deverão ser abordados nas eleições deste ano?
Benedito Barbosa – Ontem assisti à primeira entrevista do candidato Aécio Neves e esse tema não passou na pauta. Vamos aguardar as entrevistas dos demais candidatos. De todo modo, não me parece que a questão das cidades seja um tema que vai ocupar a pauta neste momento. Está aparecendo mais a discussão sobre a reforma tributária, da economia, da inflação e outros temas que não o das cidades. Mas o fato é que a vida nas cidades tem tudo a ver com a economia e os demais assuntos. Na eleição passada, o tema da questão urbana apareceu com mais força, mas vamos ver como os candidatos se apresentarão em relação ao direito à cidade.