Por Renato Guimarães, Brasil Post
O Climatempo é uma empresa brasileira dedicada a fazer previsões meteorológicas. Eles acabam de publicar em seu website uma pequena reportagem com suas previsões de chuva para o período entre outubro e março e as possibilidades de recuperação do sistema Cantareira. É um vídeo revelador do grau de gravidade que estamos vivendo, e não nos damos conta. Mesmo por que a imprensa tradicional pouco está fazendo para esclarecer a situação. Na reportagem, eles entrevistam o professor Antônio Zuffo, chefe do Departamento de Recursos Hídricos na Universidade de Campinas (Unicamp). Sua entrevista é tão impressionante que resolvi transcrevê-la:
“Com a falta de água, cessariam as outorgas de irrigação e de indústrias e, talvez, de comércio. Seria um caos completo. Você teria de viver com a compra de água a granel, por caminhão pipa, mas você não tem a garantia da qualidade. É uma situação muito grave. E a gente passa ainda pela rua e vê pessoas lavando carro, lavando calçada. Não sabem da gravidade do problema. É muito grave. Nós nunca passamos uma situação como essa. E por causa do ambiente político desse ano, essa história não está vindo a público. Então, está se negando o problema e o problema já está instalado. Se não ocorrerem chuvas para reabastecer ou encher os reservatórios pelo menos 5 ou 10% a situação vai ficar extremamente grave. E esse cenário nebuloso está cada dia mais próximo.”
Segundo a meteorologista da Climatempo, Bianca Lobo, o volume médio de chuvas no período entre outubro a março no sistema Cantareira é de cerca de 1.250 milímetros, ajudando-o a recuperar de um ano para o outro cerca de 30% do seu volume. Ou seja, se chover a média dos outros anos, o volume de água que entrará vai ajudar a recuperar o volume morto (cerca de 18%) e vai sobrar apenas 12% acima disso para enfrentar a próxima estação seca. Isto significa que a situação vai continuar muito grave, mesmo se as chuvas seguirem os padrões. Se chover menos, será o caos, de verdade. E é exatamente isto que a Climatempo está prevendo, ou seja, que este ano o volume de chuvas ficará um pouco abaixo do normal. Nem os 30% históricos devem acontecer.
Reportagem da Climatempo:
Imagino que a real gravidade desta situação é amplamente conhecida nos setores do governo estadual responsáveis por administrar o sistema de abastecimento de água em São Paulo. Com certeza é do conhecimento do governador Geraldo Alckmin. Se é assim, por que não estamos agora mesmo – melhor, há alguns meses – implementando uma política agressiva, bem planejada e transparente de racionamento controlado? Por que não temos uma ampla campanha pública usando todos os recursos possíveis de comunicação e mobilização para conscientizar os cidadãos de seus papéis individuais no consumo consciente de água? Por que outra parte significativa de recursos adicionais não é usada para cassar os muitos pontos de perda de água no sistema de distribuição?
Em vez disso, o governo estadual resolveu adotar uma atitude de avestruz, enfiando sua cabeça no buraco da contrainformação e apostando na minimização do problema, dizendo que temos água pelo menos até março. Para isso o sistema Tietê está sendo esvaziado para socorrer o sistema Cantareira e o volume morto está sendo inexoravelmente exaurido. A resposta para este desequilíbrio entre a gravidade real e imediata do problema e a forma como o Governador Geraldo Alckmim e seus acólitos no governo estão tratando o tema quase como se fosse um mero acidente da natureza tem uma única razão, bem expressa pelo Prof. Zuffo: o calendário eleitoral.
“É a política, seu idiota!”
Eis aqui minha interpretação muito pessoal de como se deu isso: quando ficou claro o que vinha pela frente, com a escassez de chuvas, o governo estadual tomou a decisão de fazer o que fosse necessário para evitar racionamento antes das eleições. Imagino que deve estar marcado na memória do PSDB o impacto político do racionamento de energia no fim do governo FHC. Agora, não se queria nada que pudesse minimamente atrapalhar a reeleição do governador.
A estratégia parece estar dando resultado, já que os índices de popularidade de Alckmin seguem altíssimos, resultando em uma impressionante dissociação cognitiva entre a imagem que ele projeta de administrador competente e a lambança que resultou na falta de água na maior região metropolitana da América Latina.
Uma vez eleito, viria a segunda parte da estratégia: o governador se imbuiria da sua autoprojetada imagem de durão e administrador sério para exigir da população um período de sacrifícios, incluindo o necessário racionamento e a tal campanha de mobilização para evitar o desperdício. Mas aí a eleição já estaria ganha. Ele ainda poderia aproveitar para exibir sua cota de sacrifício, mostrando como sua família está fazendo sua parte para economizar água.
Obviamente isso é só uma especulação da minha parte, mas todas as evidências sugerem esta direção. O mais curioso é que suspeito que se o governador Alckmin, assim que foi informado pela primeira vez da gravidade do problema, tivesse agido de forma diferente (e acredito que correta) ele não teria afetada realmente suas chances de reeleição e ainda sairia do episódio maior do que quando entrou.
E qual seria esta forma? Ele deveria ter vindo pessoalmente a público, explicado a gravidade da situação de forma aberta, chamado a população para fazer a sua parte no uso consciente da água, implementado medidas de economia e talvez até de racionamento inteligente desde o início. Ou seja, atuado como um administrador capaz até mesmo de colocar sua reeleição em risco pelo bem comum. Daria até um ótimo “storytelling” de marketing político, mas que pelo menos seria um que teria talvez minimizado muito a situação que estamos vivendo neste momento.
Ingenuidade? Só para dar um exemplo de uma região que está vivendo uma situação semelhante: o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, está passando pela pior seca da história, o que já está afetando a capacidade de abastecimento de água. O governador democrata Edmund G. Brown imediatamente declarou “estado de emergência” que lhe permitiu tomar medidas, algumas bem duras, para preservar ao máximo o abastecimento de água. Foi criado um website oficial do governo no qual os cidadãos podem obter informações em tempo real de como anda a situação, com imagens mostrando o antes e o depois dos reservatórios. Há uma campanha em curso para estimular os cidadãos a economizarem no uso da água, contando inclusive com a participação voluntária de diversos artistas. Há um resumo de todas ações sendo feitas pelo governo, dados estatísticos, o diabo.
Detalhe do website oficial sobre a seca na califórnia:
Enquanto isso, aqui em São Paulo quase dá para ouvir o grilo cantando, tamanho é o silêncio oficial quando comparado à gravidade do problema. Claro, são dadas entrevistas à imprensa, houve uma campanha chinfrim da Sabesp basicamente culpando São Pedro pelo problema e exaltando a força e resiliência dos paulistas e paulistanos. Mas nada que se possa chamar de uma ação pública concatenada e coordenada.
Bom, a opção por enfiar a cabeça no buraco pode até servir para reelegê-lo, mas com isso Geraldo Alckmin mostra de forma clara o entendimento que tem do seu papel como líder político. Enquanto isso dezenas de milhões de pessoas, moradoras da região metropolitana de São Paulo, se aproximam perigosamente de um abismo de secura de consequências imprevisíveis. Que tal propor aos californianos uma troca? Será que eles concordariam em nos emprestar seu governador por uns meses?
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vansessa Rodrigues.