Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina podem iniciar, na próxima semana, uma greve inédita. Em vez de parar o trabalho, fechando as portas para a comunidade, a proposta é de que a greve seja de ocupação e ampliação do atendimento. Assim, a universidade funcionará, ininterruptamente, das sete da manhã às dez da noite, com os trabalhadores técnico- administrativos fazendo turnos de seis horas. Com essa decisão, avançam na luta histórica por redução de jornada e ainda beneficiam toda a comunidade que – desde sempre – dá com a cara na porta quando precisa de atendimento no horário do intervalo do almoço e à noite. A greve está sendo indicada por conta do rompimento unilateral por parte da reitoria de um processo de negociação que estava em curso desde a greve.
Sempre foi senso comum xingar o que é público. Serviço público não presta, trabalhador público é vagabundo. Pode até ser, em alguns casos pontuais. Mas, se olhar com cuidado vai ver que é o público que garante – ainda que pouco – serviços que são básicos para uma maioria que não poderia desfrutá-los se tivesse de pagar. Se a educação vai mal, se a saúde vai mal, se muito do serviço público vai mal, certamente não é culpa do trabalhador. Ao contrário. É a maioria dos trabalhadores que mantém o serviço funcionando à duras penas. Na universidade federal de Santa Catarina, a UFSC, é assim. Há uma maioria que trabalha e garante o conhecimento para milhares de pessoas. Ainda não é a universidade ideal, mas a batalha por ela é diária.
Nessa semana, uma das categorias de trabalhadores, a dos técnico-administrativos, foi surpreendida com uma atitude da reitora Roselane Neckel, que pode se configurar como prática antissindical e perseguição política. Poucos dias depois do fim de uma greve, na qual os trabalhadores estavam em processo de negociação para ampliação do horário de atendimento ao público, a reitora baixou uma portaria exigindo controle de ponto positivo, apenas e unicamente para os técnicos administrativos. Explico. Hoje, o ponto é negativo. Caso um trabalhador não compareça ao trabalho é da competência do chefe imediato registar a falta e encaminhar ao departamento de pessoal. Ele só registra as faltas, ou ausências, ou qualquer outra irregularidade. A proposta da reitora é o ponto positivo. O registro diário de cada trabalhador em folhas-ponto.
Ora, a folha de ponto, num tempo em que a tecnologia está para lá de avançada é um retrocesso administrativamente inexplicável. Quase uma incompetência. E a pergunta que fica é: Por que essa decisão agora, dias depois de uma greve que durou três meses, na qual houve uma luta renhida pela ampliação do atendimento? Os trabalhadores insistem. A universidade não é uma fábrica de pregos, na qual se entra as oito e sai ao meio dia, volta as duas e sai as seis, cumprindo um trabalho mecânico. Os trabalhadores técnico-administrativos em educação, como os professores, fazem pesquisa, extensão e atendimento ao público. Têm horários variados e flexíveis, conforme a especificidade de cada setor. Há cursos noturnos que exigem trabalho à noite, há pesquisas para serem feitas em campo, há extensão realizada fora do campus. Cada lugar é um mundo.
Alguém pode pensar: os “vagabundos” não querem assinar ponto. Nada mais inverídico. Os trabalhadores, que não são vagabundos, estão há anos discutindo uma proposta de atendimento ininterrupto da universidade, com turnos de trabalho de seis horas, com controle social. Está mais do que provado que a jornada de trabalho reduzida para seis horas permite uma melhoria significativa nos processo de trabalho e ainda garante ao trabalhador mais qualidade de vida. Essa é uma luta histórica da classe trabalhadora. Não há argumento, no mundo dominado pela tecnologia para o estendimento da jornada, a não ser o da superexploração. Além disso, a lei é clara: se um dado setor público atende 12 horas seguidas, é facultado o turno de seis horas. Não há sequer impedimento legal.
A universidade, por ser um espaço de criação de conhecimento, deveria ser o lugar do novo, da vanguarda, aquela que puxa o avanço. A abertura da UFSC – de maneira ininterrupta – beneficiaria a comunidade, que poderia encontrar as portas abertas, das sete da manhã às dez da noite, período de funcionamento real da universidade, bem como os trabalhadores que fariam turnos de seis horas. Essa é a proposta que o movimento dos trabalhadores vem apresentando desde há anos, e que afunilou na última greve.
Nos três meses de paralisação, os trabalhadores construíram uma resolução, para ser apreciada no Conselho Universitário, mostrando que era factível a ampliação do atendimento, com turnos de seis horas. Deu-se inicio a uma negociação com a administração. Mas, com o final da greve, a reitora encerrou unilateralmente a discussão, baixando a portaria da folha-ponto dias depois. Uma atitude arbitrária incompreensível para uma reitora que se comprometeu com os trabalhadores de realizar um fórum de discussão sobre o tema. Não houve fórum, não houve conversa e, a portas fechadas com os diretores de centro, ela decidiu pela volta ao século 19.
A notícia caiu como uma bomba junto aos trabalhadores que se sentiram perseguidos e discriminados. Ainda que alguns professores estejam pelas redes sociais fazendo crer que os trabalhadores não querem trabalhar nem ser controlados, é bom que fique bem claro: a luta não é contra o registro de jornada, muito menos contra controle social. A discussão se dá no campo da tão incensada democracia que, como dizia Lenin, sempre deve vir precedida por um adjetivo, já que não existe no seu estado puro. No caso dos trabalhadores, a democracia que reivindicam é a participativa. O direito de discutir e definir, de maneira conjunta com a administração, como vai ser a jornada de trabalho, que a própria lei determina podendo ser de oito ou de seis.
É fato que na universidade sempre existiu um fosso entre técnicos- administrativos e professores, com os docentes, na maioria, vendo os colegas como seus serviçais. Hoje, com os trabalhadores cada vez mais cientes de seus direitos, essa ideia não cola mais. Os trabalhadores não são serviçais dos professores, eles são trabalhadores públicos, servem à população. E é por isso mesmo que eles querem a ampliação do horário de atendimento, para que a comunidade tenha mais opção.
Assim que não há espaço para meias verdades. A jornada de trabalho é de quarenta horas, mas pode ser reduzida para seis se houver atendimento por mais de 12 horas seguidas. Ninguém quer descumprir a lei ou o contrato de trabalho. Quem diz isso, mente.
E é em nome da qualidade do serviço público, da melhoria de vida dos trabalhadores e da democracia participativa que os TAEs da UFSC se mobilizam e lutam.