Suspeito que o nome dele, embora difícil de ser pronunciado em português e em espanhol, um dia será conhecido dentro e fora da Colômbia. Bunchanawing?m? é um menino de 12 anos, nascido em 8 de março de 2002 na comunidade indígena de Jewrwa, na Sierra Nevada de Santa Marta, Reserva Arhuaco, município de Pueblo Bello, Departamento de Cesar. Ele é um poeta que vale por dois. Escreve em duas línguas: ikun e espanhol. Na primeira se chama Bunchanawing?m?; na outra, Jesus Camilo Niño Izquierdo.
Semana passada, na Feira Internacional do Livro de Bogotá, Bunchanawing?m? recitou poema de sua autoria publicado no livro bilingue Niwi úmuke pari ayunnuga – Contando desde la Sierra, que traz também outros textos de alunos da comunidade arhuaca. Foi no lançamento da coleção editada em várias das 65 línguas indígenas da Colômbia, quando ele mostrou que além de poeta – e dos bons – é excelente ilustrador, autor dos desenhos, e um declamador performático, de voz firme, com timbre colorido e vibrante.
O menino-poeta se tornou visível graças ao projeto Territórios Narrados do Plano Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) do Ministério de Educação da Colômbia que editou os livros com tiragem de 16.600 exemplares, depois de uma série de visitas às aldeias indígenas, feitas por equipe encabeçada por Luís Eduardo Ruiz, coordenador do Projeto e Jeimy Esperanza Hernandez, gerente do PNLE. Foi aí que organizaram oficinas com alunos, professores, pais e mães de família e demais membros das comunidades.
Narrando territórios
Os livros, que incluem glossários para facilitar a leitura, foram elaborados coletivamente, num trabalho comunitário que contou com assessoria pedagógica do Ministério da Educação e orientação do linguista Jon Landaburu. São o resultado da aplicação da Lei de Línguas Nativas, de 2010, que recomenda a produção e uso de materiais escritos em línguas indígenas, quilombolas, de afrodescendentes e dos ciganos. Seu lançamento foi prestigiado pela própria ministra da Educação Nacional, Maria Fernanda Campos Saavedra, que em seu discurso destacou o papel dessas iniciativas no fortalecimento da educação bilíngue e intercultural e na preservação da diversidade linguística.
O projeto Territórios Narrados valoriza os diferentes tipos de linguagem, que permitem ler e compreender os territórios onde essas culturas florescem: a oralidade, a leitura e todos os tipos de escrita, não apenas a alfabética. Reconhece que essas comunidades escrevem nas pulseiras, nos colares, nas redes, nas cestas, na cerâmica, nas bolsas, nos tecidos, na palha e em todo tipo de artesanato. “Todas essas escritas são formas de ver o mundo, de compreendê-lo e de habitá-lo”, e podem ser traduzidas em enunciados que dão vida à imaginação e à curiosidade.
Essa ideia é discutida em artigo sobre a escrita na América Pré-colombiana (2010), de autoria de Maria Stella Gonzalez de Perez, linguista do Instituto Caro y Cuervo. Ali, a autora defende a existência de uma relação entre línguas indígenas e sistemas de escrita, criticando como procedimento não científico a classificação preconceituosa que desqualifica formas de escrita não alfabéticas.
Foi numa dessas línguas – o ikun – falada pelos arhuacos que o menino-poeta Bunchanawing?m? recitou poema de sua autoria, traduzida por ele mesmo ao espanhol. O poema está no livro produzido em oficinas realizadas durante vários dias com alunos do terceiro, quarto e quinto ano do ensino fundamental, com professores e pais e mães de família, que ilustraram as poesias, os contos, os relatos da tradição oral transmitida pelos velhos e as fábulas denominadas de “conselhos”.
Documentos perdidos
O menino-poeta aprendeu a ler em casa com o pai José Ramon Niño Izquierdo e com a mãe Eloisa Izquierdo Torres, da mesma forma que seu irmão maior, de 16 anos e a irmã menor, de 10 anos. O pai lia para eles livro da “Maletinha Saudável”, um projeto da Fundação Promigas, que fazia circular pelas aldeias livros dentro de uma maleta. Depois, ele passaram a estudar na Escola Bilingue Centro Educativo Rural Indigena Seykutun de Jewrwa
Tomei a liberdade de traduzir do espanhol ao português o poema Caminhante que ele declamou:
Sou andarilho sem destino. / Dou um, dois, três passos / e descortino mais caminhos. / No trajeto, vou perdendo nome, sobrenome… / Cruzo vales, cruzo selvas./ Cansado, chuto pedras. / Não sei mais em que lugar do mundo me encontro. / Não sei se estou dentro / ou se estou fora, / no momento ninguém me detém./ Que alguém se compadeça de mim, / porque tenho sede. / Também sinto dores nas plantas dos pés. / O médico não vai me atender, / porque perdi meus documentos. / Que alguém se compadeça de mim, / e esse alguém pode ser você.
A última frase ele pronunciou se dirigindo à ministra da Educação. Na solenidade, recebi de suas mãos os livros da coleção Territórios Narrados e dei-lhe o livro bilingue Maino’i Rapé – o Caminho da Sabedoria – dos Guarani do Rio de Janeiro.
As línguas indígenas fazem parte das seis mil línguas existentes no planeta, das quais mais de cinco mil, que são de menor peso demográfico, correm risco de desaparecer. Os linguistas costumam dizer que, neste caso, quando os pais deixam de brincar, de fazer carinho, de cantar, de contar e de falar em uma língua com as crianças, pode ir na funerária e encomendar o caixão, porque a língua vai morrer. Quem luta pela diversidade linguística acumula derrotas consecutivas e fica com a sensação de que se trata de uma causa sem chances de vitória.
No entanto, quando as crianças falam e escrevem com fluência nessas línguas, emitem sinais de que não se trata de uma língua “moribunda”, mas apenas “anêmica”, que pode ser revitalizada com sangue novo. Foi o que observamos no lançamento da coleção Territórios Narrados em Bogotá, um dos raros momentos em que se celebrou a esperança, com a presença de crianças que leram, falaram, recitaram poemas, contaram histórias em línguas andinas e amazônicas – tikuna, murui (huitoto), ikun, nasa-iuwe, yukpa, wayuunaiji.
Vou encaminhar sua mensagem para ele.
Boa tarde! Sou Nutricionista e estive durante um mês trabalhando com a comunidade de Arhuacos na Colômbia. Conheci pessoalmente o Bunchanawing, e ao saber que sou brasileira me pediu para entrar em contato com o José Bessa Freire Ribamar. Por favor, se possível, enviar o e-mail e telefone do pesquisador. Obrigada!