“Todas as potencialidades de uma tradução cultural que poderia constituir um Brasil plural e inclusive referencial para um novo modelo sócio-econômico ficam soterradas por um projeto monolítico com uma única missão: progredir, produzir, consumir”. O comentário é de Moysés Pinto Neto em artigo publicado no blog O Ingovernável. Eis o artigo
IHU On-Line – Admito que é uma estratégia que pode não apenas parecer de mau gosto, mas até de certa perversidade, ficar comparando graus de racismo. Pode parecer que se está desprezando o sofrimento de quem quer que o sofra em algum grau, e tudo isso já seria por si só eticamente inadmissível. No entanto, não é essa minha intenção. Ela é simplesmente a de chamar atenção para uma questão relevante e para um processo em curso que muitas vezes não encontra a mesma repercussão exatamente porque se está diante de um fenômeno extremado. É o caso do racismo contra os indígenas no Brasil.
Tradicionalmente tidos como “primitivos” e por muitos dados por “extintos”, os índios hoje constituem uma parte relevante da população brasileira inclusive populacionalmente, uma vez que vêm tendo alguns focos de recuperação após a Constituição de 1988 e o início das demarcações de terras diante de um massacre de 500 anos. A atribuição de “primitivos” hoje não faz qualquer sentido na medida em que são nossos contemporâneos, a menos que nos consideremos tão superiores aos demais povos que toda aquela cultura que não é a nossa é algo que está “atrás”, “chegando” na nossa, mesmo que ela se passe ao mesmo tempo, tomando diferença por inferioridade. Afora esse preconceito etnocêntrico, Eduardo Viveiros de Castro tem demonstrado ao lado de outros importantes antropólogos que a cultura indígena é também um referencial que pode ser uma linha de fuga para o colapso civilizacional que o Ocidente vive em termos ecológicos, à medida que se contrapõe à nossa “necessidade extensiva” como uma “suficiência intensiva”.
A vida baseada no baixo impacto ambiental dos índios contrapõe-se ao nosso impulso destrutivo que na maioria das vezes, embora materialmente insustentável, justifica-se com base em padrões messiânicos que, mesmo secularizados, continuam alimentando o imaginário político do Ocidente, sobretudo na ideia de “senhorio” da natureza, como se a Terra fosse nossa propriedade numa espécie de “destino comum” a que chegaríamos no fim da História. A forma ameríndia de pensar é completamente diversa, mas não cabe a mim, um mero iniciante nessas questões, desenvolvê-la. Queria apenas afastar qualquer tipo de justificação racional para a forma racista como o índio é visto, mostrando que se trata não de racionalidade, mas de racionalização (no sentido freudiano). (mais…)
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