Desafios demais, debates de menos

Delegados tiveram que aprovar 453 propostas do Relatório Consolidado| Fotos: Luis Oliveira Sesai/MS
Delegados tiveram que aprovar 453 propostas do Relatório Consolidado| Fotos: Luis Oliveira Sesai/MS

Delegados da Abrasco convidados pela ‘Radis’ para fazer um balanço do evento detectaram poucos avanços na garantia da saúde dos 305 povos que habitam o país

Ana Cláudia Peres – Radis

Os números da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (CNSI) impressionam: 1209 delegados; 20 Grupos de Trabalho; 453 propostas em jogo; 446, aprovadas. Mas escondem uma preocupação. Apesar de grandiosa, a aguardada edição da conferência, realizada de 2 a 6 de dezembro, em Brasília, trouxe poucos avanços, se levado em conta o tamanho dos desafios que precisam ser enfrentados para a garantia da saúde dos 305 povos indígenas que habitam o território brasileiro. Essa é a opinião dos pesquisadores Paulo Basta, Ana Lúcia Pontes e Maurício Leite, que participaram do evento como delegados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e foram convidados pela Radis para fazer um relato do que presenciaram.

Dividida em quatro eixos temáticos, a 5ª CNSI teve como tema central Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e SUS (SasiSUS): direito, acesso, diversidade e atenção diferenciada. E, como objetivo, aprovar diretrizes para as políticas de saúde executadas nas aldeias por parte dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Nos grupos, foram debatidos temas relacionados a atenção integral e diferenciada nas três esferas de governo; controle social e gestão participativa; etnodesenvolvimento e segurança alimentar e nutricional; e saneamento e edificações de Saúde Indígena. (mais…)

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Os precedentes perigosos de Belo Monte

Philip M. Fearnside – Amazônia Real

Em Belo Monte, a licença prévia foi concedida um novo revés foi adicionado em 01 de fevereiro de 2010 (após a mudança do chefe do setor de licenciamento de IBAMA em novembro de 2009, sobre intensa pressão da Casa Civil: [1]).  Na licença prévia, o IBAMA especificou 40 “condicionantes”, e havia outras 26 condicionantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).  Muito pouco foi feito para cumprir as condicionantes nos 16 meses entre a licença prévia e a concessão da licença de instalação em 01 de junho de 2011 (imediatamente após uma mudança do presidente do IBAMA).  O licenciamento contrariou o pessoal técnico do IBAMA, que uma semana antes, em 23 de maio de 2011, entregou um parecer técnico de 252 páginas apontando que apenas 11 das 40 condicionantes do IBAMA haviam sido consideradas [2].  Já que “condicionantes” são requisitos que devem ser atendidos antes que uma licença seja concedida, pode se perguntar que valor terá as condicionantes para outros projetos de infraestrutura que estão em processo de licenciamento no Brasil.  O Instituto Socioambiental (ISA), uma organização não-governamental sediada em Brasília, está desenvolvendo em um estudo detalhado da situação de cada uma das condicionantes em Belo Monte.

O questionamento jurídico sobre irregularidades no processo de licenciamento, geralmente feita pelo Ministério Público, muitas vezes tem apenas um efeito marginal sobre o processo geral de aprovação e construção.  Isso ocorre porque uma lei de 1992 permite os juízes derrubarem quaisquer liminares (tais como aqueles baseados em violações dos regulamentos do licenciamento ambiental) se parar um projeto iria causar “graves danos à economia pública” (Lei no.  8437 de 30 de junho de 1992).  Pode ser observada a ironia da data dessa lei, apenas duas semanas após o fim da “Cúpula da Terra” de ECO-92 no Rio de Janeiro.  Esta lei tem sido usada repetidamente para justificar decisões de ignorar objeções sobre barragens independentemente da magnitude dos impactos e de irregularidades na documentação (por exemplo, [3]). (mais…)

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Cláudia, a mulher-arrastada. E os homens engravatados, fardados e-que-escrevem, por Alceu Castilho

Claudia tinha quatro filhos e ainda cuidava de outros quatro. Foto: Luiz Ackermann / Extra
RG de Cláudia da Silva Ferreira. Foto: Luiz Ackermann / Extra

Alceu Castilho, em Outro Brasil

Corre nas redes sociais um movimento para que Cláudia da Silva Ferreira seja tratada como tal. Com nome e sobrenome, uma história. E não como “a mulher arrastada” por policiais, no Rio. Muito justo. E necessário. Ela era uma mulher, uma mulher-que-cuidava-dos-filhos (e dos sobrinhos), uma mulher-que-tinha-saído-para-comprar-pão (e mortadela). Mas, sim, ela foi arrastada. Antes disso, baleada. E aqui temos uma distorção – linguística, narrativa – em cima de uma distorção. Pois ninguém fala em Cláudia como “a mulher baleada”. Ou “a mulher executada”.

A indignação não pode se restringir à ação mais patética da polícia. Os patetas que a arrastaram foram, naqueles instantes em que a levavam para o hospital (baleada), exatamente isso: patetas. Não planejaram esse desfecho mais chamativo. Não temos aqui – insisto, estou a falar dessa cena final – mais um caso João Hélio Fernandes Vieites, o menino arrastado por bandidos, em 2000. Temos algo pior: algo que perpassa toda uma instituição, toda uma argamassa – uma sociedade – em frangalhos. Algo mais que uma distração brutal. E que um caso de banditismo comum.

Se Cláudia da Silva Ferreira foi baleada antes de ser arrastada, temos antes dessa cena – sim, extremamente chocante – um fato bem mais estrutural: temos uma corporação de assassinos. Que mata Cláudias e Amarildos e milhares de pessoas (negras e com filhos e que compravam pão), por todo o país, sem que alguma trapalhada escancare a brutalidade habitual. (mais…)

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