Os precedentes perigosos de Belo Monte

Philip M. Fearnside – Amazônia Real

Em Belo Monte, a licença prévia foi concedida um novo revés foi adicionado em 01 de fevereiro de 2010 (após a mudança do chefe do setor de licenciamento de IBAMA em novembro de 2009, sobre intensa pressão da Casa Civil: [1]).  Na licença prévia, o IBAMA especificou 40 “condicionantes”, e havia outras 26 condicionantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).  Muito pouco foi feito para cumprir as condicionantes nos 16 meses entre a licença prévia e a concessão da licença de instalação em 01 de junho de 2011 (imediatamente após uma mudança do presidente do IBAMA).  O licenciamento contrariou o pessoal técnico do IBAMA, que uma semana antes, em 23 de maio de 2011, entregou um parecer técnico de 252 páginas apontando que apenas 11 das 40 condicionantes do IBAMA haviam sido consideradas [2].  Já que “condicionantes” são requisitos que devem ser atendidos antes que uma licença seja concedida, pode se perguntar que valor terá as condicionantes para outros projetos de infraestrutura que estão em processo de licenciamento no Brasil.  O Instituto Socioambiental (ISA), uma organização não-governamental sediada em Brasília, está desenvolvendo em um estudo detalhado da situação de cada uma das condicionantes em Belo Monte.

O questionamento jurídico sobre irregularidades no processo de licenciamento, geralmente feita pelo Ministério Público, muitas vezes tem apenas um efeito marginal sobre o processo geral de aprovação e construção.  Isso ocorre porque uma lei de 1992 permite os juízes derrubarem quaisquer liminares (tais como aqueles baseados em violações dos regulamentos do licenciamento ambiental) se parar um projeto iria causar “graves danos à economia pública” (Lei no.  8437 de 30 de junho de 1992).  Pode ser observada a ironia da data dessa lei, apenas duas semanas após o fim da “Cúpula da Terra” de ECO-92 no Rio de Janeiro.  Esta lei tem sido usada repetidamente para justificar decisões de ignorar objeções sobre barragens independentemente da magnitude dos impactos e de irregularidades na documentação (por exemplo, [3]).

No caso de Belo Monte, mais importante do que as questões jurídicas são os impactos subestimados do projeto e os exageros dos benefícios, bem como um processo de tomada de decisão que é cego para ambos.  O cenário oficial, conhecido como a “mentira institucionalizada” pelos opositores da barragem [4], é que seria construída apenas uma barragem no rio Xingu, ou seja, a Belo Monte.  No entanto, a Belo Monte, sozinha, é inviável economicamente porque o fluxo de água altamente sazonal no rio deixaria a principal casa de força, de 11.000 MW, essencialmente inativa por 3-4 meses do ano (veja o hidrograma em: [5], Vol.  1, p. 54).  Em quatro meses do ano os mínimos de vazão são inferiores ao engolimento de 695 m3/s de uma única turbina da casa de força principal ([6], Tomo II, p. 11-3), mesmo sem deduzir a vazão que teria que passar pela Volta Grande do rio Xingu.

Uma análise econômica estima-se que há apenas 28% de chance de ter lucro [7].  Isto é baseado em uma estimativa oficial, de junho de 2001, indicando um custo de R$ 9,6 bilhões (US$ 4 bilhões na época).  Desde então, aumentou-se o orçamento oficial para R$ 19 bilhões, e as estimativas das empresas de construção são de R$ 30 bilhões (aproximadamente US$ 18 bilhões hoje).  Já que ninguém iria investir essas quantias com a intenção de perder dinheiro, isso sugere que o governo e os investidores estão, na verdade, contando com as barragens a montante, inundando vastas áreas de floresta e terras indígenas [8].  O anúncio da Presidente Dilma Rousseff, no seu discurso no dia do meio ambiente em 05 de junho de 2013, de que o Brasil agora precisa de “hidrelétricas com reservatório” no lugar de usinas a fio d’água [9] pode ser uma alusão à Babaquara [10].

Referências

[1] Brack, P. 2010.  Enterrem minha consciência bem longe deste rio.  OECO, 03/02/2010.  http://www.oeco.org.br/convidados/64-colunistas-convidados/23394-enterrem-minha-con

[2] Brasil, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).  2011.  Parecer nº 52/2011AHE Belo Monte-COHID/CGENE/DILIC/IBAMA.  Ref: Análise da solicitação de Licença de Instalação da Usina Hidrelétrica Belo Monte, processo n° 02001.001848/2006-75. IBAMA, Brasília, DF, Brasil.  252 p. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/licenciamento/index.php

[3] Fearnside, P.M. & R.I. Barbosa.  1996.  Political benefits as barriers to assessment of environmental costs in Brazil’s Amazonian development planning: The example of the Jatapu Dam in Roraima.  Environmental Management 20(5): 615-630.  Doi: 10.1007/BF01204135

[4] Nader, V. 2008.  Mentira institucionalizada justifica Hidrelétrica de Belo Monte.  Correio Cidadania, 17 de junho de 2008.  http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1955/

[5] Brasil, ELETROBRÁS (Centrais Elétricas Brasileiras S/A).  2009.  Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte: Estudo de Impacto Ambiental.  Fevereiro de 2009.  ELETROBRÁS.  Rio de Janeiro, RJ.  36 vols.

[6] Brazil, ELETRONORTE (Centrais Elétricas do Norte do Brasil, S.A.). 2002.  Complexo Hidrelétrico Belo Monte: Estudos de Viabilidade, Relatório Final.  ELETRONORTE), Brasília, DF.  8 vols.

[7] Sousa Júnior, W.C. & J. Reid.  2010.  Uncertainties in Amazon hydropower development: Risk scenarios and environmental issues around the Belo Monte dam.  Water Alternatives 3(2): 249-268.

[8] Fearnside, P.M. 2006.  Dams in the Amazon: Belo Monte and Brazil’s Hydroelectric Development of the Xingu River Basin.  Environmental Management 38(1): 16-27.  Doi: 10.1007/s00267-005-00113-6

[9] Borges, A. 2013.  Dilma defende usinas hidrelétricas com grandes reservatórios.  Valor Econômico, 06 de junho de 2013.  http://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/3151684

[10] Este texto é uma tradução parcial de um capítulo entítulado “Análisis de los principales proyectos hidro-energéticos en la región amazónica” a ser publicado em C. Gamboa & E. Gudynas (eds.)  El Futuro de la Amazonía.  Secretaria General del Panel Internacional de Ambiente y Energía: Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR), Lima, Peru & Centro Latinoamericano de Ecología Social (CLAES), Montevideo, Uruguai.  As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc.  304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc.  708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ15.125).

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Mayron Borges.

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