Para Vladimir Safatle, professor de filosofia da Universidade de São Paulo, a esquerda brasileira perde várias possibilidades de se diferenciar de seus adversários por ficar fazendo muitos cálculos sobre a conjuntura política. “Há horas que o governo tem de ir lá onde a sociedade não quer ir. Mas, para isso, é necessário ter muita clareza do porquê você está lá”, comenta ele, citando as experiências de Mujica, no Uruguai, e da França de Mitterand. Autor de A esquerda que não teme dizer seu nome, o professor do departamento de filosofia da Universidade de São Paulo Vladimir Safatle tem sido um dos mais notáveis intelectuais a discutir as questões filosóficas e morais da esquerda mundial. Além de avaliar as manifestações de junho do ano passado, o filósofo discorre sobre o esgotamento do modelo de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma e as perspectivas da esquerda brasileira
Antonio David e Artur Scavoni – Brasil de Fato
Em artigo recente, você afirma que as exigências populares de uma “outra política” expressas em junho “pararam na lata de lixo mais próxima”, e argumenta: “Depois de apresentar com uma mão um projeto de Assembleia Constituinte para a reforma política e retirá-lo com a outra, o governo prometera pressionar o Congresso Nacional para debater as propostas. O resultado foi cosmético, se quisermos ter um mínimo de generosidade”. Contudo, o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, tratando deste mesmo assunto, apresenta um ponto de vista diferente. Diz ele: “As ruas emitiram um sinal, e Dilma emitiu um outro sinal em resposta num sentido de ampliação da democracia como nunca havia acontecido. Os setores da direita imediatamente souberam ler o que estava em jogo, e os manifestantes não souberam”. Como você encara a resposta das ruas à proposta de Assembleia Constituinte?
Acho que tem um problema aí, porque é impossível ter resposta para um projeto que foi retirado 48 horas depois de ter sido apresentado. Eu de fato não compartilho dessa análise, porque o governo não deu sequer tempo para que a sociedade pudesse emitir uma resposta. O que aconteceu foi que, num momento de sanidade, ficou claro que nós estávamos numa espécie de crise de representatividade profunda, que exigia o que eu diria caminhar em direção ao grau zero da representação, ou seja, voltar a dar voz ao poder instituinte, para que as condições de organização do jogo político pudessem ser recompostas. Mas, quando se faz uma proposta dessas, tendo em vista que é uma proposta muito séria, da mais alta importância e gravidade, o mínimo que se espera é que se esteja preparado para todas as reações que virão. É óbvio que não viriam apenas reações entusiastas, mas também gritos de golpe e coisas dessa natureza. Ninguém que acompanha a política brasileira poderia imaginar o contrário. Então, isso me deixa muito preocupado. (mais…)
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