No Pará, energia para quem?

Obras-em-Altamira,-no-Pará_Reprodução

Construção de hidrelétricas no estado atendem a interesses de mineradoras enquanto população afetada, além de pagar mais caro pela energia mais instável do país, é vista como obstáculo a ser derrubado

Márcio Zonta* – Brasil de Fato

Hoje, o Brasil explora apenas 28% de 258 mil megawatts (MW) de potencial hidrelétrico que possui. No Norte do país, por contra dos grandes rios, concentra- se a maior parte da energia a ser explorada, com uma potencialidade de 111 mil MW. As hidrelétricas existentes na região, a despeito disso, aproveitam apenas 8,9% desse total.

Os números acima foram levantados por empresas e governos e demonstram a intencionalidade da parceria público privada de explorar ao máximo o recurso natural da Amazônia brasileira para interesses privados.

No cerne da questão encontra-se o estado do Pará. Para os próximos anos, na esteira do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), já existem projetos que contemplam a construção de 14 hidrelétricas.

Para 2014, por exemplo, além da continuação das obras da mais emblemática delas, a de Belo Monte, no rio Xingu em Altamira (PA), está previsto o início das obras da hidrelétrica de Marabá, ao sudeste do Pará, no rio Tocantins.

Com projeção para produzir 1.800 MW de energia, o projeto da usina prevê o alagamento de 11 municípios nas fronteiras dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, totalizando uma área de mais de 100 mil hectares. Para efeito de comparação, a capacidade instalada da usina de Itaipu é de 14 mil MW e 1 hectare equivale a 1 campo de futebol.

Segundo estudos prévios de impactos ambientais e sociais, aproximadamente 10 mil famílias sofrerão remoção com a construção desta barragem. “São comunidades que vivem às margens do rio Tocantins, que sobrevivem da pesca, do extrativismo e turismo, além de assentamentos rurais que seguem ao longo do rumo do rio”, conta Rogério Hohn, do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB).

Para o Ministério Público Federal (MPF) de Marabá, a Eletronorte e as empresas envolvidas ignoram vidas, costumes e territórios, vistos apenas como obstáculos aos grandes projetos hidrelétricos.

“O governo e as empresas não querem saber dos impactos, eles querem fazer o projeto e ponto final”, salienta a procuradora do MPF de Marabá Maria Eliza de Oliveira.

Energia para quem?

O rio Tocantins nasce no Planalto Central em Brasília (DF) e se encontra com o rio Araguaia no Pará, banhando ainda parte dos estados do Maranhão e de Tocantins, na região conhecida popularmente como Bico do Papagaio. Seis barragens já foram construídas ao longo de seus extensos quilômetros.

A pressa de aumentar a produção de energia no Pará pode castigar ainda mais o rio Tocantins, hoje praticamente rendido diante dos interesses ligados aos grandes empreendimentos de mineração na região. Um deles, às vésperas de ser implantado, é o maior projeto de exploração de minério do mundo, o S11D da Vale, equivalente a um novo Programa Grande Carajás.

Interessada na geração de energia, a empresa detém 9% das ações da futura hidrelétrica de Belo Monte. Já para a barragem de Marabá, a parceria entre construtoras e mineradoras delineiam os responsáveis pela exploração da concessão de 30 anos.

Junto à Camargo Correa, que financiou com a Eletronorte os estudos para a instalação do empreendimento hidrelétrico, se somam a também empreiteira Votorantim e as mineradoras Vale, Alcoa e BHP Billinton.

Conforme levantamento realizado pelo MAB, a energia produzida pelas hidrelétricas no Pará é destinada à indústria de extração dos diversos minerais por essas transnacionais no estado, como alumínio, minério e cobre.

Quem paga?

De 1998 a 2012 o preço da energia no estado do Pará aumentou em 267%. Porém, os serviços prestados pela privatizada Centrais Elétricas do Pará (Celpa) não se traduziram em qualidade.

Nos últimos anos, a população de Parauapebas, a maior província mineral do mundo explorada pela Vale tem sofrido com o abastecimento de energia. No ano de 2012, o DEC (quantidade de horas sem energias) do município atingiu o número de 159 horas, enquanto a média no país foi de 18 horas.

No mesmo ano, o dispositivo que mede o FEC (frequência de vezes em que o fornecimento de energia sofreu interrupção) da cidade registrou 74 vezes a falha do sistema de abastecimento de luz. A média nacional no mesmo período foi de apenas 11 vezes.

“Isso evidencia que a energia gerada não é para a população”, crítica Rogério do MAB.

No entanto, a conta fica com o consumidor comum. Enquanto Vale e Alcoa pagam, 03 centavos o KWh, o paraense paga 0,45 centavos pelo mesmo KWh. Contudo, a situação pode piorar. A partir de 2014, serão instalados pela Celpa, em cada residência, medidores eletrônicos tendo bandeiras tarifárias nas cores verde, amarelo e vermelho. Tal medida representará um aumento de R$ 15,00 para cada mil KWh quando a bandeira ficar amarela e R$ 30,00 quando for vermelha.

“Essa forma de medição aprovada pela Anael é apenas para consumidores de residências, mas não é aplicada para os grandes consumidores de energia”, lamenta Rogério.

Enquanto isso, a Equatorial Energia, atual dona da Celpa, acaba de promover um plano de demissão voluntária que envolve 564 trabalhadores, além da terceirização de diversos setores da empresa. Para o militante do MAB algo está muito claro: “Essas empresas de mineração querem gerar energia a preço de custo para si mesma sem se importar com o restante da população”.

*Correspondente no Pará.

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